Da autora do best-seller A bailarina de Auschwitz, mais de 50.000 exemplares vendidos no Brasil. Com a delicadeza e a força inspiradora que se tornaram sua marca registrada, a Dra. Eger joga luz sobre as principais crenças que limitam nossa liberdade e nos ensina a mudar os pensamentos e comportamentos que nos mantêm presos ao passado. “A história da Dra. Eger é profundamente transformadora. Todos nós temos a capacidade de escolher prestar atenção no que perdemos ou no que ainda temos.” – Oprah “Quando escrevi A bailarina de Auschwitz eu não queria que as pessoas lessem minha história e pensassem: ‘Meu sofrimento não é nada em comparação com o dela.’ Queria que as pessoas conhecessem a minha vida e entendessem...
Editora: Editora Sextante; 1ª edição (17 março 2021) Páginas: 176 páginas ISBN-10: 6555641258 ISBN-13: 978-6555641257 ASIN: B08WZ62ZJC
Clique na imagem para ler o livro
Leia trecho do livro
Para meus pacientes.
Vocês são meus professores.
Vocês me encorajaram a voltar a
Auschwitz e iniciar minha jornada
para o perdão e a liberdade.
A honestidade e a coragem de vocês
continuam a me inspirar.
INTRODUÇÃO
LIBERTE-SE DE SUAS PRISÕES MENTAIS
Eu aprendi a viver num campo de extermínio
Na primavera de 1944, eu tinha 16 anos e vivia com meus pais e minhas duas irmãs mais velhas em Kassa, na Hungria. Havia diversos sinais de guerra e preconceito à nossa volta: as estrelas amarelas costuradas em nossos casacos; os nazistas húngaros – os nylas – que ocuparam o nosso antigo apartamento; as notícias dos jornais sobre as frentes de batalha e a ocupação alemã que se espalhava por toda a Europa; os olhares apreensivos que meus pais trocavam à mesa; o terrível dia em que fui cortada da seleção de ginástica olímpica por ser judia. Felizmente, nessa época, minhas únicas preocupações eram com as questões naturais da adolescência. Estava apaixonada por meu primeiro namorado, Eric, um garoto alto e inteligente que conheci no Clube do Livro. Eu reencenava nosso primeiro beijo e me encantava com o vestido novo de seda azul que meu pai tinha feito para mim. Era evidente o meu progresso no balé e na ginástica olímpica, e eu brincava com Magda, minha linda irmã mais velha, e com Klara, a irmã do meio, que estudava violino no conservatório em Budapeste.
Então, de repente, tudo mudou.
Numa manhã gelada de abril, os judeus de Kassa foram levados e presos numa fábrica de tijolos na periferia da cidade. Algumas semanas depois, Magda, meus pais e eu fomos colocados num vagão de carga no trem com destino a Auschwitz. Meus pais foram assassinados nas câmaras de gás no mesmo dia em que chegamos lá.
Na minha primeira noite em Auschwitz, fui forçada a dançar para Josef Mengele, o oficial da SS conhecido como Anjo da Morte, o homem responsável por fazer a seleção na fila de recém-chegados daquele dia e que enviou minha mãe para a morte. “Dance para mim”, ele ordenou, me deixando paralisada de medo no chão de cimento frio do barracão. No lado de fora, a orquestra do campo começou a tocar a valsa “Danúbio azul”. Relembrando o conselho dado por minha mãe – Ninguém pode tirar de você o que você colocar na sua mente –, fechei os olhos e me transportei para um mundo interior. Na minha imaginação, eu não era mais a prisioneira morta de frio e de fome e arrasada pela perda. Eu estava no palco da Ópera de Budapeste interpretando a Julieta do balé de Tchaikovsky. Foi escondida nesse refúgio interior que obriguei meus braços a se erguerem e minhas pernas a girarem. Reuni forças para dançar pela minha vida.
Todo minuto que vivi em Auschwitz foi como um inferno na Terra. Mas foi também minha melhor escola. Submetida à perda, à tortura, à fome e sob constante ameaça de morte, descobri as estratégias de sobrevivência e liberdade que uso até hoje, diariamente, em meu consultório e em minha vida.
Escrevo esta introdução no outono de 2019, aos 92 anos. Completei o meu doutorado em psicologia clínica em 1978 e atendo pacientes no ambiente terapêutico há mais de quarenta anos. Trato veteranos de guerra, sobreviventes de violência sexual, estudantes, líderes civis, executivos, dependentes químicos, pessoas com quadros de ansiedade e depressão, casais mergulhados em ressentimentos ou que anseiam por uma reaproximação, pais e filhos aprendendo a viver juntos ou descobrindo como viver separados. Como psicóloga, mãe, avó e bisavó, como observadora de meu próprio comportamento e do comportamento dos outros, além de sobrevivente de Auschwitz, estou aqui para dizer a você que minha pior prisão não foi aquela em que os nazistas me colocaram. Minha pior prisão foi aquela que eu construí para mim mesma.
Apesar de nossas experiências de vida serem diferentes, talvez você entenda o que quero dizer. Muitas pessoas se sentem prisioneiras da própria mente. Nossos pensamentos e convicções determinam e, quase sempre, limitam como nos sentimos, o que fazemos e o que consideramos possível fazer. O trabalho que desenvolvo me mostrou que, embora as crenças limitantes surjam e sumam de maneiras diferentes, há algumas prisões mentais que contribuem para o sofrimento. Este livro é um guia prático para ajudar você a identificar suas próprias prisões mentais e a desenvolver as estratégias necessárias para se libertar delas.
A base da liberdade é o poder de escolha. Nos últimos meses da guerra, eu tinha pouquíssimas opções e nenhuma chance de fugir. Os judeus húngaros estavam entre os últimos na Europa a serem deportados para os campos de extermínio. Depois de oito meses em Auschwitz, pouco antes de o exército russo derrotar a Alemanha, minha irmã, eu e centenas de outros prisioneiros fomos retirados de Auschwitz e obrigados a marchar da Polônia, atravessando a Alemanha, até a Áustria. Submetidos a trabalho escravo em fábricas ao longo do caminho, viajamos no teto dos trens que transportavam munição alemã, nossos corpos usados como escudos humanos para proteger a carga das bombas inglesas. (O que não impedia os britânicos de bombardearem os trens mesmo assim.)
Cerca de um ano depois de sermos presas, quando minha irmã e eu fomos libertadas do campo de concentração austríaco Gunskirchen, meus pais e quase todas as pessoas que conhecíamos estavam mortas. Era maio de 1945. Minha coluna estava fraturada por causa dos constantes traumas físicos. Faminta, coberta de feridas, eu mal conseguia me afastar da pilha de corpos onde permanecia deitada. Não podia desfazer o que haviam feito comigo. Não podia fazer nada pelos seres humanos que os nazistas enfiaram nos vagões de gado ou nos crematórios na tentativa de exterminar o maior número de judeus e outros grupos “indesejáveis” antes do fim da guerra. Eu não tinha como mudar a desumanização sistemática ou o massacre dos mais de seis milhões de inocentes que morreram nos campos de extermínio. Tudo que eu podia fazer era decidir como reagir ao terror e à desesperança. De alguma forma, encontrei dentro de mim forças para escolher a esperança.
Mas sobreviver a Auschwitz foi apenas a primeira etapa de minha jornada em direção à liberdade. Permaneci prisioneira do passado por muitas décadas. Na superfície, tudo parecia estar indo bem, o trauma sendo esquecido e a vida seguindo em frente. Casei-me com Béla, filho de uma família proeminente de Prešov, que lutara na Resistência durante a guerra, combatendo os nazistas nas montanhas da Eslováquia. Tornei-me mãe, fugi dos comunistas na Europa, imigrei para a América, vivi com pouco dinheiro, saí da pobreza e, aos 40 anos, entrei na faculdade. Virei professora do ensino médio, fiz mestrado em psicologia educacional e, depois, doutorado em psicologia clínica. No entanto, mesmo ao fim da minha formação, engajada em ajudar outras pessoas por meio da terapia – inclusive sendo encarregada de tratar alguns dos casos mais difíceis em meus estágios clínicos –, eu ainda estava em negação. Eu fugia do passado, negando e minimizando o luto e o trauma, fingindo e tentando agradar os outros, sendo perfeccionista, culpando Béla por ressentimentos e desapontamentos crônicos. E buscava realizações como se elas pudessem compensar tudo o que perdi.
Um dia, ao chegar ao Centro Médico do Exército William Beaumont, em Fort Bliss, no Texas, onde coordenava um estágio clínico muito disputado, vesti meu jaleco branco e coloquei a placa de identificação que dizia “Dra. Eger, Departamento de Psiquiatria”. Por um segundo as palavras se embaralharam e pareciam dizer: “Dra. Eger, Impostora.” Naquele momento, entendi que não poderia tratar as outras pessoas se não me tratasse primeiro.
Minha abordagem terapêutica é eclética e instintiva, uma mistura de intuição com teorias e práticas cognitivas. Chamo isso de terapia de escolha, já que a liberdade é basicamente uma questão de escolha. Embora o sofrimento seja inevitável e universal, podemos sempre escolher como responder a ele – e eu procuro ressaltar e estimular o poder de escolha dos meus pacientes para concretizar uma mudança positiva na vida deles.
O trabalho que desenvolvo tem como base quatro princípios psicológicos fundamentais:
O primeiro princípio, baseado na psicologia positiva criada por Martin Seligman, é o conceito de “desamparo aprendido”, que mostra que sofremos mais quando acreditamos que somos incapazes de dar sentido à vida e que nada do que fizermos poderá melhorar a situação. Progredimos quando vivenciamos o “otimismo aprendido”, ou seja, a força, a resiliência e a habilidade de criar sentido e direção para nossa vida.
O segundo é a Terapia Cognitivo-Comportamental, que entende que nossos pensamentos criam nossos sentimentos e comportamentos. Para mudar comportamentos prejudiciais, disfuncionais ou contraproducentes, é preciso mudar os pensamentos, substituir as crenças negativas por outras que atendam e apoiem nosso crescimento.
O terceiro vem de Carl Rogers, um de meus mentores mais importantes. Esse princípio prega a importância da autoestima positiva incondicional. Muito do nosso sofrimento deriva da ideia equivocada de que não podemos ser amados e autênticos – que, se quisermos ser aceitos e aprovados pelos outros, temos que negar ou esconder o nosso verdadeiro eu. Em meu trabalho, eu me esforço para mostrar aos pacientes que só nos tornamos livres quando paramos de usar máscaras e de representar papéis para atender às expectativas que os outros projetam sobre nós, e também quando começamos a nos amar incondicionalmente.
Por fim, uso o conhecimento compartilhado com meu querido mentor, amigo e companheiro sobrevivente de Auschwitz, Viktor Frankl, de que as piores experiências podem ser os melhores professores, pois catalisam descobertas inesperadas e nos abrem para novas possibilidades e perspectivas. A cura terapêutica, a satisfação e a liberdade resultam de nossa capacidade de escolher como reagir diante de qualquer coisa que a vida nos apresente e a dar sentido e propósito a tudo que vivemos – em especial, ao nosso sofrimento.
A liberdade é um eterno exercício, uma escolha que precisamos fazer todos os dias, a todo momento. Em última análise, a liberdade exige esperança, que defino de duas maneiras: a consciência de que o sofrimento, embora terrível, é temporário; e a curiosidade para descobrir o que vem a seguir . A esperança nos permite viver o presente em vez do passado e abre as portas de nossas prisões mentais.
Setenta e cinco anos após a libertação, eu ainda tenho pesadelos e flashbacks. Sei que até o dia da minha morte vou sofrer pela perda de meus pais, que não puderam ver as quatro gerações que renasceram de suas cinzas. O horror ainda está em mim. Não existe liberdade em minimizar o que aconteceu nem em tentar esquecer o que vivi.
No entanto, permanecer presa à culpa, à vergonha, à raiva, ao ressentimento ou ao medo do passado é bem diferente de relembrar e reconhecer. Posso enfrentar a realidade do que aconteceu e lembrar que, apesar do que perdi, nunca parei de amar e de ter esperança. Para mim, a capacidade de escolher, mesmo em meio a tanto sofrimento e impotência, é a verdadeira dádiva que Auschwitz me proporcionou.
Pode parecer errado chamar de dádiva qualquer coisa que tenha a ver com campos de extermínio. Como algo de bom pode vir do inferno? Lembro do medo constante de, a qualquer momento, ser arrastada da fila de seleção e atirada à câmara de gás, aquela fumaça escura saindo das chaminés, um lembrete onipresente de tudo que eu havia perdido e que teria a perder. Eu não tinha controle sobre aquelas circunstâncias aflitivas e absurdas, mas podia me concentrar no que se passava na minha cabeça. Podia obedecer, podia não reagir. Auschwitz me deu a oportunidade de descobrir minha força interior e meu poder de escolha. Aprendi a confiar em partes de mim que de outra forma eu nunca saberia que existiam.
Todo mundo tem a capacidade de escolher. Quando as circunstâncias externas são difíceis é que surge a possibilidade de descobrir quem realmente somos. O que importa não é o que nos acontece, mas o que fazemos com nossas experiências.
Ao escapar de nossas prisões mentais, não apenas nos libertamos do que nos paralisava como ficamos livres para exercitar o livre-arbítrio.
Aprendi a diferença entre liberdade negativa e liberdade positiva em maio de 1945, aos 17 anos. Eu estava caída na lama, junto a uma pilha de pessoas mortas e moribundas, quando a 71 a Infantaria chegou para libertar o campo. Lembro-me dos olhares horrorizados dos soldados, com o rosto coberto por lenço para não sentirem o cheiro de carne podre. Naquelas primeiras horas de liberdade, vi meus colegas ex-prisioneiros – aqueles que conseguiam andar – saírem pelos portões da prisão e, momentos depois, voltarem para se sentar na grama encharcada ou no chão sujo dos barracões, incapazes de seguir adiante. Viktor Frankl percebeu o mesmo fenômeno quando as forças soviéticas libertaram Auschwitz. Não estávamos mais presos, mas muitos não conseguiam reconhecer, física ou mentalmente, a liberdade. Corroídos por doenças, pela fome e pelo trauma, não tínhamos capacidade de assumir a responsabilidade por nossa vida. Mal conseguíamos nos lembrar de como ser nós mesmos.
Tínhamos finalmente sido libertados dos nazistas. Mas ainda não estávamos livres.
Hoje reconheço que a prisão mais nociva está em nossa mente, mas sei que a chave está em nosso bolso. Não importa o tamanho do sofrimento ou do portão das celas, é possível nos libertarmos de qualquer coisa que esteja nos aprisionando.
Não é fácil, mas vale muito a pena.
Em A bailarina de Auschwitz, contei a história de minha jornada desde a prisão, passando pela libertação, até a verdadeira liberdade. Fiquei surpresa e grata pela receptividade internacional do livro e por todos os leitores que compartilharam suas histórias de como enfrentaram o passado e curaram suas dores. Muitas dessas histórias foram incluídas neste livro. (Claro que os nomes e outros detalhes foram trocados para proteger a privacidade de todos.)
Quando escrevi A bailarina de Auschwitz, eu não queria que as pessoas lessem minha história e pensassem: “Meu sofrimento não é nada em comparação com o dela.” Queria que as pessoas conhecessem a minha vida e entendessem: “Se ela pode fazer isso, eu também posso.” Com o sucesso do primeiro livro, muitos leitores pediram um guia com dicas práticas da terapia que apliquei em minha própria vida e no trabalho clínico que desenvolvi com meus pacientes. A liberdade é uma escolha veio cumprir este papel.
Em cada capítulo analiso uma prisão mental, ilustrando seus efeitos com histórias pessoais e com casos tirados de minha experiência profissional. Depois apresento sugestões de estratégias para você aplicar em sua vida e se libertar de suas próprias prisões. Algumas estratégias são perguntas que podem ser usadas como lembretes diários ou como inspiração para uma conversa com seu terapeuta ou amigo de confiança. Há também algumas dicas práticas para melhorar sua vida e seus relacionamentos. Organizei o livro numa sequência objetiva que reflete a minha trajetória para a liberdade. Mas como a terapia não é um processo linear, os capítulos também podem ser lidos individualmente ou em qualquer ordem. Você está no comando da sua jornada. Portanto, use o livro da maneira que considerar mais adequada.
Ofereço agora três orientações iniciais para você dar os primeiros passos a caminho da liberdade.
Ninguém muda até estar pronto.
Ninguém muda até estar pronto. Às vezes, uma circunstância difícil, como um divórcio, um acidente, uma doença ou a morte, nos força a enfrentar o que não está funcionando em nossa vida e a tentar outro caminho. Outras vezes, a dor interior ou um anseio frustrado se torna tão visível e insistente que é impossível ignorar. Mas a disposição para a mudança não vem de fora nem pode ser acelerada ou forçada. Você está pronto quando se sente pronto, quando algo se acende lá dentro e você decide: Até agora eu fiz assim. De hoje em diante vou fazer diferente.
Mudar é interromper hábitos e padrões que não nos servem mais.
Mudar é interromper hábitos e padrões que não nos servem mais. Se você quer alterar sua vida de maneira significativa, não pode simplesmente abandonar um hábito ou convicção disfuncional. É preciso substituí-lo por uma versão mais saudável. Você escolhe o caminho que vai percorrer. Encontra uma indicação e a segue. Ao iniciar a jornada, é importante refletir não apenas sobre aquilo de que gostaria de se libertar, mas também sobre o que quer fazer com essa liberdade.
Você muda para assumir o seu verdadeiro eu.
Por fim, quando você muda sua vida não é para se tornar uma nova pessoa, mas para assumir o seu verdadeiro eu – o diamante único que nunca poderá ser replicado ou substituído. Tudo o que lhe aconteceu, as escolhas que fez até aqui, a maneira como lidou com elas, tudo isso importa. Não precisa jogar tudo fora e começar do zero. Seja lá o que você fez ou o que viveu, isso o trouxe até este momento. A estratégia definitiva para alcançar a liberdade é continuar sendo quem você realmente é.
CAPÍTULO 1
E AGORA?
A prisão da vitimização
De acordo com o que percebi em minha experiência, as vítimas perguntam “Por que eu?” e os sobreviventes, “E agora?”.
O sofrimento é universal, mas a vitimização é uma opção. Não há como evitar ser agredido ou oprimido por outras pessoas ou pelas circunstâncias. A única garantia é que vamos sofrer, independentemente de nossa gentileza ou do nosso esforço pessoal. Seremos afetados por fatores ambientais e genéticos sobre os quais temos pouco ou nenhum controle. Mas cada um de nós pode escolher permanecer ou não na condição de vítima. Não podemos escolher o que nos acontece, mas podemos escolher como reagir às experiências.
Muitas vezes permanecemos prisioneiros da vitimização porque, de forma inconsciente, isso nos traz uma sensação de segurança. Nós nos perguntamos “por quê?” sem parar, acreditando que se conseguirmos entender a razão, a dor diminuirá. Por que tive câncer? Por que perdi meu emprego? Por que meu parceiro me traiu? Buscamos respostas na tentativa de entender, como se houvesse uma razão lógica para explicar por que as coisas aconteceram daquela maneira. Porém, procurar o porquê indica que estamos à procura de alguém ou algo para colocar a culpa – inclusive nós mesmos.
Por que isso aconteceu comigo?
Bem, por que não aconteceria com você?
Talvez eu tenha sobrevivido a Auschwitz para poder me tornar um exemplo de sobrevivente, não de vítima, e conversar com você a respeito disso. Quando pergunto “E agora?” em vez de “Por que eu?”, deixo de me concentrar na razão por que essa coisa ruim aconteceu e começo a prestar atenção no que posso fazer com essa experiência. Não estou em busca de um salvador ou de um bode expiatório. Pelo contrário, estou tentando analisar as opções e as possibilidades.
Meus pais não puderam escolher como terminar seus dias, mas eu tenho muitas opções. Posso me sentir culpada por ter sobrevivido enquanto milhões, incluindo minha mãe e meu pai, morreram; ou posso escolher viver, trabalhar e melhorar a ponto de me libertar do peso do passado. Posso aproveitar minha força e minha liberdade.
A vitimização é o rigor mortis da mente. Ela nos deixa presos ao passado, à dor e às perdas, focados no que não podemos fazer e no que não temos.
Esta é a primeira estratégia para escapar da vitimização: abordar qualquer acontecimento com uma avaliação cuidadosa. Isso não significa ter que aprender a gostar do que está acontecendo. Mas, ao parar de lutar e resistir, você ganha mais energia e imaginação para descobrir a resposta para a pergunta “E agora?”. Você começa a seguir em frente em vez de permanecer inerte. Além disso, se torna capaz de descobrir o que deseja, do que precisa e para onde quer ir a partir daí.
Todo comportamento satisfaz uma necessidade. Muita gente escolhe permanecer no papel de vítima porque é confortável não precisar fazer nada em benefício próprio. A liberdade tem um preço. Somos convocados a nos responsabilizarmos por nosso comportamento e a assumir a responsabilidade mesmo nas situações que não provocamos ou escolhemos estar.
A vida é cheia de surpresas.
Algumas semanas antes do Natal, Emily, 45 anos, mãe de duas crianças, casada e feliz há onze anos, se sentou ao lado do marido depois de colocar os filhos para dormir. Quando ela ia sugerir que assistissem a um filme, o marido a encarou e, de maneira tranquila, disse as palavras que mudariam drasticamente sua vida.
– Conheci uma pessoa. Estamos apaixonados. Acho que eu e você não devemos continuar casados – declarou ele.
Emily ficou perplexa. Não conseguia sequer imaginar como superar aquela situação. E então teve uma segunda surpresa: descobriu que estava com câncer de mama, um tumor em estágio avançado que exigia quimioterapia agressiva e imediata. Nas primeiras semanas de tratamento, ela se sentiu paralisada. Seu marido adiou a conversa sobre o divórcio para ficar ao lado dela durante o tratamento, mas Emily estava apática. Era como se sua vida tivesse chegado ao fim.
Oito meses depois de receber o diagnóstico, Emily havia passado por uma cirurgia e recebido mais notícias inesperadas: o câncer estava em remissão total.
A doença se fora, assim como seu marido. Logo que a quimioterapia acabou, ele avisou que tinha tomado uma decisão. Já havia alugado um apartamento e dado entrada no divórcio. Emily estava tão tomada pela preocupação com os filhos, pela solidão e pela dor da traição que sentia como se estivesse caindo de um penhasco: completamente sem chão.
O divórcio tornou real seu pior medo. O terror de ser abandonada a acompanhava desde os 4 anos, quando sua mãe teve uma depressão profunda. Na época, seu pai se refugiou no trabalho, mantendo silêncio sobre a situação e deixando Emily lidar com aquilo sozinha. Mais tarde, quando a mãe cometeu suicídio, foi uma espécie de confirmação da realidade que ela já sabia, embora tentasse evitar: de que as pessoas que ela ama desaparecem.
– Desde os 15 anos sempre estou em algum relacionamento – contou Emily em uma consulta. – Nunca aprendi a ser feliz sozinha. Nunca aprendi a amar a mim mesma.
Sua voz fraquejou quando ela disse estas palavras: amar a mim mesma.
Muitas vezes digo que precisamos dar segurança aos filhos, mas também precisamos lhes dar asas. E temos que fazer o mesmo por nós. A única pessoa com quem você pode contar é você mesmo. Você nasce só e morre só. Portanto, levante-se de manhã, olhe-se no espelho e diga: “Amo você”, “Nunca vou abandonar você”. Abrace-se. Beije-se.
E continue se amando o dia inteiro, todos os dias.
– Como devo lidar com meu ex-marido? – perguntou Emily uma vez. – Sempre que nos encontramos, ele aparenta estar calmo e relaxado. Ele está feliz com a decisão que tomou, mas todas as minhas emoções transbordam e começo a chorar. Não consigo me controlar quando o vejo.
– Se quiser de verdade, você vai conseguir – afirmei. – Mas precisa querer e não posso obrigá-la a fazer isso. Não tenho esse poder. Você tem. Tome uma decisão. Talvez sinta vontade de gritar e chorar, mas não faça nada que não seja bom para você mesma.
Às vezes basta uma frase para mostrar como escapar da armadilha da vitimização. Pergunte-se: Isso é bom para mim?
Será que me fará bem dormir com um homem casado? Será que me fará bem comer mais um pedaço do bolo de chocolate? Será bom para mim socar o peito do meu marido infiel? Será bom sair para dançar ou encontrar meus amigos?
Outra estratégia para escapar da vitimização é aprender a lidar com a solidão. É o que a maioria das pessoas mais teme. Contudo, quando você ama a si mesmo, estar só não significa estar solitário.
– Quando aprender a amar a si mesma, você também estará fazendo bem a seus filhos – expliquei a Emily. – Se demonstrar que está centrada e em paz, eles entenderão que você está presente e que não vão perdê-la. Então poderão viver a vida deles, em vez de ficar se preocupando com a mãe. Fale para seus filhos e para si “Estou aqui. Conte comigo”. Assim, estará dando a eles uma coisa que você mesma nunca teve: uma mãe forte e saudável.
Quando aprendemos a nos amar, começamos a tapar os buracos em nosso coração, a ocupar os espaços vazios que pareciam nunca ser preenchidos. E fazemos descobertas importantes, que nos ajudam a ver as coisas de forma diferente.
Perguntei a Emily quais descobertas ela havia feito no tumulto dos últimos meses. Seus olhos brilharam.
– Descobri quanta gente maravilhosa tenho ao meu lado: minha família, meus amigos, pessoas que não conhecia e que se tornaram especiais durante o tratamento. Quando o médico disse que eu estava com câncer, achei que minha vida havia chegado ao fim. Agora aprendi que sou forte, que posso lutar. Demorei 45 anos para entender isso, mas tenho sorte porque agora eu sei. Minha nova vida está apenas começando.
Todos nós podemos encontrar força e liberdade mesmo em circunstâncias terríveis. É você quem manda na sua vida, portanto, assuma o controle. Você tem dentro de si todo o amor e o poder de que precisa. Saiba que tipo de vida deseja viver, que tipo de relacionamento sonha ter. Junte-se a um grupo em que as pessoas enfrentam dificuldades parecidas com a sua, de forma que cada uma possa ajudar a outra a se comprometer com algo maior.
A mente inventa todo tipo de coisa para nos proteger. O papel de vítima é um escudo tentador porque sugere que o sofrimento será menor se nos eximirmos da culpa. Enquanto Emily se identificava como vítima, podia transferir toda culpa e responsabilidade por seu bem-estar para o ex-marido. A posição de vítima oferece um falso alívio ao protelar seu amadurecimento. Quanto mais tempo permanecemos nessa posição, mais difícil é sair dela.
…