Leia trecho do livro Há sol na solidão de Fred Elboni

Estamos vivendo o que muitos chamam de “epidemia da solidão”, mas será que o problema está realmente na solidão ou na forma como a encaramos? No livro Há Sol na Solidão, Fred Elboni nos convida a enxergar o tempo a sós de maneira diferente, destacando a solidão como caminho essencial para o autoconhecimento e uma vida plena de significado. Com reflexões sensíveis, ele explora o silêncio e o vazio como fontes de aprendizado e amor.

Escritor e cronista com mais de 700 mil cópias vendidas, Fred Elboni compartilha, em seus livros, temas como amor e coragem. Além disso, atuou como roteirista, dramaturgo e palestrante, sempre promovendo a importância de sermos quem realmente somos.

Introdução

Por que resolvi escrever sobre solidão Desde que comecei a publicar livros, nunca havia ficado tanto tempo sem escrever. Nos últimos anos, passei por muito sofrimento e o fiz em silêncio – em parte por conta da pandemia, em parte por ser o meu jeito mesmo. Recolher-me para dar voz ao meu sofrimento faz parte do meu processo de reorganização mental e emocional. Poucas pessoas me viram em companhia das grandes tristezas, mas elas eram minhas vizinhas, e, pior, daquelas que começam a fazer barulho logo cedo.

Lembro de todas as noites, e foram muitas, em que chorei no escuro da minha cadeira do escritório, tentando entender o porquê de estar vivendo aquela situação; noites em que tive que me olhar no espelho com a mesma roupa há dias e abraçar a minha verdade, por mais que ninguém quisesse me ouvir; das pressões que sofri e das respostas às pressas que precisei dar a quem me via como um número, uma notícia a ser contada. O diz-que-me-diz proferido por bocas que buscavam atenção e aplausos foi muito além do que eu poderia imaginar. O único jeito era me retrair ainda mais dentro do meu casulo.

Confesso que fui pego de surpresa pelo tempo que o sofrimento escolheu ficar hospedado em mim. Não foram semanas ou meses, mas anos. Alguns momentos foram mais sombrios, outros, mais agridoces. Todos eram povoados por uma grande e abrangente solidão ou, como muitos gostam de dizer, solitude – embora eu ache a palavra sem sal, confesso. Prefiro a solidez e a gravidade da palavra original. Solidão.

Ao longo de todo este processo, fiquei sozinho por opção minha, porque precisava da solidão para conseguir transformar grão de areia em pérola. Na dor eu preciso de espaço, pois meus pensamentos mais parecem pessoas, se cotovelando para serem ouvidos. Neste espaço, eu refleti, me acolhi e – já que ninguém podia fazer isso por mim – perdoei o que precisava ser perdoado. Abri mão de ressentimentos que eram, eu sei, uma forma de autopunição. E de vizinhos inoportunos já me bastam alguns dos meus pensamentos.

Viajei dentro do meu interior como nunca havia feito. Um mergulho ora turbulento, ora calmo, e do qual muitas vezes achei que não conseguiria sair. Mas, passados três anos, acho que posso dizer que fiz a travessia. Não ileso, porque nunca saímos ilesos das pancadas da vida, nem das aventuras, mas fortalecido, mais maduro e com bastante a compartilhar sobre esse estado tão temido e incompreendido que chamamos de solidão.

Este livro é o resultado dessa noite escura da alma que, assim como eu, tantos atravessam, seja depois de uma decepção amorosa, de uma perda significativa ou de um trauma. Assim como as emoções que estão sempre em movimento, física e simbolicamente, a solidão é também um estado mutante. Ela pode ser amarga ou doce, pode nos impulsionar ao isolamento ou à conexão, pode nos visitar na noite escura ou num momento de pura alegria.

O propósito deste livro é celebrar as muitas faces da solidão, das mais soturnas às mais leves. Porque, em última instância, é a capacidade de suportar a nossa própria companhia que determina não apenas a nossa relação com nós mesmos, como também a qualidade e a profundidade dos nossos relacionamentos.

Espero que estes textos te encorajem a fazer da sua solidão uma boa companhia.

Parte I – Sol de Inverno

O território soturno da solidão Quando pensamos em solidão, é o aspecto invernal que prevalece. Se estivéssemos jogando um jogo e nos pedissem para escolher um personagem da Disney para representar a solidão, provavelmente escolheríamos a Elsa, de Frozen, ou a Tristeza, de Divertida Mente. Sentir-se só é perceber-se isolado do resto do mundo, como Elsa, num território repleto de perigos. Na solidão, a personagem principal é a Tristeza, aquela que teima em dar as caras mesmo quando o mundo externo oferece motivos para alegria e diversão.

Não dá para falar sobre solidão sem falar desse território aparentemente inóspito em que o sol pouco aparece. O estado solitário é frio, ermo e pode ser sombrio. Aristóteles, pai da filosofia ocidental, disse: “quem encontra prazer na solidão, ou é fera selvagem ou é Deus”. Certamente, ele estava se referindo a esse aspecto melancólico e soturno da solidão, que de agradável não tem nada. Ninguém quer se sentir triste, isolado, incompleto, incompreendido. Mas a verdade é que experimentar esse estado de desconexão faz parte da vida, e tentar se esquivar disso pode não ser tão interessante assim.

Ao contrário do que você possa imaginar, não vou tentar convencê-lo de que não há tristeza e vazio na solidão. Porque com certeza há. Eu diria, inclusive, que essas sensações dolorosas são praticamente pré-requisitos para a solidão. O que quero, sim, propor é que a tristeza e o vazio não são, necessariamente, problemas. A angústia existencial, a percepção de isolamento e desamparo, a falta de vontade de sair de casa são vivências universais da experiência humana. A solidão não é, por princípio, um problema a ser eliminado. Quem não se sente só ou triste de vez em quando, ou mesmo com certa frequência, ou está muito desconectado das próprias emoções ou não é humano.

Para além do pragmatismo de reconhecer que o sofrimento é inevitável (como já nos disseram os budistas), eu vou além. Acredito que, nesse território inóspito, há um grande tesouro a ser encontrado. Assim como o frio reduz a velocidade das partículas – transformando água em gelo, por exemplo –, o aspecto invernal da solidão nos força a desacelerar e a parar. Como uma noite chuvosa, a solidão nos convida a ficar dentro de casa – e de nós mesmos. Em tempos tão frenéticos, em que muitos não conseguem usar a razão para parar quietos e descansar, talvez possamos enxergar a solidão como uma força protetora. Por conta dela, pausamos. Longe de tudo, no silêncio da noite, reviramos o passado, choramos dores e encaramos, enfim, aquele vazio que faz parte de nós, queiramos ou não. É um trabalho ingrato, e invisível, porém necessário para nosso bem-estar emocional (e até para nossa saúde como um todo).

O filme Divertida Mente nos ensina que a Tristeza é fundamental. Ela nos mostra o que é importante para nós. Porque, muitas vezes, precisamos perder algo para realmente ter consciência do seu valor. É quando está frio que apreciamos o reconfortante calor da nossa casa. É na fome que desfrutamos do prazer de comer. É na tristeza que refletimos sobre o que realmente precisamos para ser feliz. E sobre o que realmente tem valor e sentido.

Os textos a seguir exploram e celebram esse território soturno, na esperança de mostrar que são lugares que valem a pena visitar. Não porque são agradáveis, mas porque fazem bem para a alma.


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