Trecho do livro
Enfim, Princesa Esquecida é publicada após nada menos do que 6 anos desde que a primeira palavra do romance foi escrita. Todas as vezes que tentei escrevê-lo, algo me bloqueou, como se aquele não fosse o momento adequado. O texto estava cheio de nós e para desembaralhá-lo faltava algo mais, uma conexão. Theo e Relia carregam a marca de um romance escrito entre idas e vindas, mas nunca perdendo a essência das suas personalidades: um homem arrependido, que busca uma nova chance com sua eterna amada, e uma mulher que descobre o verdadeiro amor naquele que demonstra ser um príncipe encantado, como nos contos de fadas. O problema é que a vida real bem diferente da fantasia, e nada foi fácil para eles dois.
Não fujo de clichês, eu sou clichê, e depois desses longos seis anos, descobri uma verdadeira paixão pelos clichês que são os meus príncipes. Espero que você se apaixone tanto quanto eu.
Boa Leitura!
Prólogo
Em algum lugar sobre o Oceano Atlântico.
Pedaços de algodão passam como borrões em frente aos meus olhos úmidos. Não há em mim forças para chorar, mesmo assim, as lágrimas não cessam. Escorrem livremente e as emoções me controlam, assolando a minha alma miserável e destruída.
O oceano muito abaixo parece não ter fim, o sentimento é quase claustrofóbico. Qual seria sensação de cair nas águas turvas e revoltas? O que aconteceria se o meu corpo fosse levado pelas ondas, para sempre?
Não, não basta. A parte essencial da minha vida está do outro lado do oceano. Necessito chegar ileso, mesmo que ela já não me queira mais, mesmo que ainda reste somente uma parte dela.
Pensamentos desconexos vem e vão.
Que merda eu fiz, porra? — eu me pergunto, angustiado.
Encaro a cabine dos pilotos e desejo que acelerem o avião. Aveline, em pé e em frente da porta, me olha carrancuda, pronta para me algemar caso seja necessário. A oficial do serviço de segurança acata as ordens dos pilotos, os dois homens que proibiram a minha aproximação sob a alegação de que eu poria a vida de todos em risco. Sou obrigado a esperar o maldito avião aterrissar no tempo certo.
Suspiro frustrado.
Não há o que fazer. O meu desejo de urgência e o desespero não farão com que o avião pouse em terra firme com mais rapidez.
Ela tem que estar viva. Ela tem que estar viva… — rogo tantas vezes que essas palavras se tornam um mantra.
Meu coração sangra de culpa e dor enquanto fito o horizonte sem fim. Depois de algum tempo, eu me canso da tortura e fecho os olhos com força. Minha testa bate no vidro, mas não sinto dor.
— Foi tudo culpa minha! Culpa minha, porra — murmuro com os lábios trêmulos.
Levo a mão na cabeça e caio aos prantos.
— Claro que não, Theo…. Foi um acidente — Juan tenta me tranquilizar.
Ouço o suspiro profundo do meu assessor e abro os olhos devagar. Percorro o olhar pela cabine e fixo em Juan. Ele enche um copo de uísque e vem ao meu encontro em seguida.
Nego a oferta com a cabeça e volto-me para a janela. O homem, acostumado com crises extremamente piores do que a minha crise pessoal, não se abala e empurra o copo contra o meu peito, que recebo para que eu não tome uni banho de uísque.
Encaro desafiadoramente o homem diante de mim e solvo todo o líquido em apenas um gole. A queimação desce pela garganta e o estômago dá boas-vindas.
— Isto não basta! — grito, secando a umidade dos lábios com a manga da camisa. — Preciso ter notícias da minha mulher! — completo.
— Ainda estamos incomunicáveis — ele lamenta, balançando a cabeça com pesar. — As últimas informações que obtivemos foram promissoras, cara. O quadro de saúde dela havia melhorado, se agarre a isso.
Cerro os punhos, sentindo uma forte vontade de quebrar algo. A coisa da vez é a cara de galã de novela italiana do Juan, mas ele me conhece o bastante para tomar distância, antes que eu estilhace os seus dentes. —
Entendo que esteja puto com o fato de que a nevasca atrasou a viagem, mas estamos quase lá. Segure firme. Faltam apenas três horas de voo. Tente descansar neste tempo. Pense em suas filhas — ele pondera. — Elas precisam que você esteja com a cabeça no lugar.
— Tem certeza de que precisam do homem que quase matou a mãe delas? — Inflo em culpa e indignação. — Elas não precisam de um inútil como eu na vida delas. Estavam e ficarão melhor sem mim.
Fecho os olhos com força, depois que uma vertigem faz todo o avião girar.
— Foi um acidente — recorda em tom de reprimenda. — Pare de pensar por um instante na sua dor e reflita com clareza.
Olho furiosamente para Juan. Uma nova onda de tontura me assola e eu me agarro com firmeza à poltrona. Perco o foco por alguns segundos.
— É você quem deve parar de me torturar! — digo, sem forças.
Não quero mais pensar. Estou ficando louco.
Meu corpo começa a pesar de repente, minha cabeça lateja e vejo um sorriso sonso surgir nos lábios de Juan. Do seu bolso. ele retirar um frasco laranja e chacoalha os comprimidos.
— Seu… — o resto da frase embola-se em meus lábios.
Neste momento, toda a cabine torna-se um borrão e desaparece.
Espanha, nove anos antes
Após cobrir uma conferência internacional — a primeira da minha carreira! —, eu e meus colegas aproveitamos o que a noite espanhola poderia nos proporcionar. Depois de seis longos dias de trabalho, fechar a visita à Espanha com chave de ouro era o mínimo que merecíamos. Choveu bastante nos dias anteriores, mas nessa noite o céu estava límpido e o clima era fresco.
Teríamos bastante tempo para curar a ressaca durante o voo de retorno.
— Liberdade! — gritei e rodopiei em plena Plaza Santa Ana.
Eu não conseguia conter a minha alegria e a sensação inabalável de dever cumprido. Aquilo era simplesmente o máximo. Não era tudo o que sempre desejei, mas o ápice da minha curta carreira jornalística.
— Pare, Bella! — Milene me advertiu rindo, olhando envergonhada às pessoas que me observavam de um jeito bem estranho.
Eu não dava a mínima, porém, não queria constranger os dois. Respirei profundamente e tentei me conter, mas por dentro ainda saltitava.
— Meninas, eu vi àquele restaurante nas minhas pesquisas pelo Google. Recebeu ótimas avaliações — Narciso apontou para um restaurante chique, do outro lado da rua. — Cinco estrelas no Michelin.
— Michelin! — desdenhei com um sorriso de ponta a ponta. — Andar com gente chique é outro nível.
— Podemos repetir o menu do almoço… — provocou.
Eu e Milene franzimos os nossos narizes.
— Aquele sanduíche dormido que ofereceram à imprensa? — contesta, resmungando. — Mas nem morta!!! Quase perdi uma obturação do dente. Troço duro!
— E aquele chorizo, gente? — perguntei quase chorando de rir, tamanho foi o nosso desespero durante a conferência. —Pior do que os que a minha falecida avó fazia na roça.
É rir para não chorar, porque não fomos valorizados, não….
— Arg, Bella. Para que foi lembrar? Quase vomitei com aquilo. Os organizadores foram cruéis conosco. Se não poderíamos levar o nosso próprio alimento, deveriam fornecer uma comida no mínimo decente — reclama, ultrajada.
— Ainda não esqueço do que aquele segurança fez com as minhas balinhas. Com tanta gente passando fome no mundo… —eu me ressinto só um pouco, pois eram gostosas.
— O mais engraçado é que o principal assunto da conferência tratava justamente sobre a miséria e a fome mundial. Façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço.
— Fomos informados que não poderíamos levar qualquer alimento. Parem de chorar pela balinha derramada — ele nos repreende de maneira brincalhona.
— Bella é ousada!
— Precavida… — murmuro.
— Então, está decidido, meninas. Vamos ao cinco estrelas — ele anuncia com determinação. — Hoje comeremos na elite. Nada de sanduíches bolorentos ou da comida fria no quarto do hotel, sobre o computador.
Admirei a fachada do dito restaurante, totalmente iluminada em tons dourado e vermelho. Havia mesas e cadeiras espalhadas pela calçada, uma música animada vinha do seu interior. Comecei a me empolgar.
— E quem pagará a conta? — Milene quis logo saber.
— O que acha? — ele indagou como se a resposta fosse bem lógica. — Passamos quase uma semana à base de lanches. Ainda temos orçamento para algum luxo.
— Ah! — Milene festejou, batendo palminhas. — Eu vou a qualquer lugar que tenha comida boa e tequila.
Revirei os olhos.
E eu que chamo a atenção….
— Perfeito! — concordei prontamente em seguida.
Não pensamos duas vezes e seguimos até o restaurante. Como aquele local não era o nosso propósito inicial, claramente não conseguimos uma mesa de imediato. Problema algum para Narciso. Com um jogo de charme a bela cumim morena de incríveis olhos verdes, ele conseguiu uma boa mesa para o nosso grupo.
— Pensei que essa conferência não terminaria nunca. Tô acabada — Milene resmungou, jogando-se na cadeira, esvaindo-se em exaustão.
Ela não era a única derrotada à mesa, todos nós estávamos exaustos. Nossas vidas, nos últimos dias, se resumiram ao trabalho e noites mal dormidas. Sorri consternada, desejando comentar que a viagem, por mais que fosse gratificante, logo chegaria ao fim. Milene devolveu um sorriso fraco, fechando os olhos em seguida.
— Lamento muito, meninas. Normalmente é mais divertido.
— Ao menos a comissão será boa — ela enfatiza. Sorri, assentindo.
— Verdade. Penso que esta é a primeira e última vez que cubro um acontecimento internacional. Valeu a experiência, mas acho que não é para mim — confessei, antes de morder os lábios.
— Não diga tal absurdo, Bella! — Narciso advertiu-me, horrorizado.
— A vida é instável. Vocês nunca sabem aonde irão na próxima semana — tentei explicar o meu ponto de vista.
— Tem esta desvantagem, mas o dinheiro e o reconhecimento são bons.
— Ah, gente… Não estou desmerecendo o trabalho de vocês, até porque eu admiro muito. Esta cobertura foi realmente incrível, mas não o vejo como parte da minha rotina. Meio que gosto de sossego, uma casinha para cuidar e um trabalho estável… — eu disse amorosamente.
— Isabella, o seu trabalho foi impecável. Você leva jeito, ainda que esteja no início da carreira. Compreendo que tenha outro propósito em mente, também já fui um jovem sonhador. Porém, seja sensata e não descarte as possibilidades — sugeriu Narciso.
Milene riu e balançou a cabeleira escura.
— Narciso não compreendeu… — ela ainda ria. — Isabella é muito sonhadora, criativa e rigorosa consigo mesma. Tudo o que deseja é um trabalho próximo de casa, um marido para cuidar e um monte de crianças para tirá-la do sério — a minha amiga mostrou o quanto me conhecia bem.
— Quem sabe daqui a alguns anos — divaguei, evitando prolongar o assunto.
Narciso aparentava ser uma boa pessoa, mas é sempre bom não misturar as coisas. Até outro dia eu não passava de uma estagiária e aquele foi o meu primeiro trabalho com um dos principais repórteres da emissora. Não queria que nada influenciasse no futuro da minha carreira.
Óbvio que eu o admirava, como profissional e homem. Trinta e nove anos, bonito, rico e porta-voz internacional. O tipo que vemos somente na tela da televisão e que não existe na vida real. Por muitos anos, eu admirei o trabalho de Narciso sem saber o quanto ele poderia ser divertido, inteligente e humilde por trás das câmeras, que ele sempre bagunçava os cabelos loiros e abria o primeiro botão da camisa assim que a câmera desligava.
Conhecia Milene desde os tempos de faculdade de jornalismo e ingressamos juntas na emissora. Ela era fotógrafa antes de se formar e a cinegrafia surgiu naturalmente.
Senti a vibração do meu celular e o peguei na bolsa.
— Com licença — pedi ao me levantar, após verificar o interlocutor.
— Aonde vai? Agora que a tequila chegou — Narciso contestou, erguendo os braços. Ri, desviando do garçom que servia as bebidas à mesa.
— Calma, gente. Não vou fugir. Preciso atender a minha mãe, pode ser algo importante. Minha irmã está há alguns dias sem dar notícias.
— Não demore! — Milene advertiu, tomando o primeiro shot de tequila.
Afastei-me do barulho, entrei no banheiro feminino e sentei na tampa do vaso sanitário, em uma cabine.
— Oi, mãe.
— Bella! — clamou o meu nome desesperadamente.
— O que aconteceu? — indaguei já aflita.