Trecho do livro
Capítulo um
Chloe
Não importa o quanto a gente tente fugir do passado, às vezes ele simplesmente volta para morder nossa bunda.
Eu tinha planos muito certeiros sobre como minha vida estaria agora, aos vinte e seis anos. E se a Chloe de oito anos atrás me visse, não duvido que surtaria. Até aí, não é nenhum grande feito: surtar era o que eu fazia oitenta por cento do tempo. Mas o motivo do surto dessa vez seria porque nada do que ela planejou aconteceu. E uma infinidade de coisas não planejadas surgiu no meio do caminho.
Engravidar antes dos dezoito não estava nos planos. Criar meu filho sozinha por anos porque o pai não esteve por perto também não. Conhecer minha melhor amiga alguns anos depois e encontrar nela um apoio que jamais imaginei ter não estava na lista. Abrir um negócio de planejamento de casamentos antes mesmo de terminar a faculdade de moda — e nunca, nem por um segundo, seguir a carreira que eu jurava querer desde criança — jamais teria passado pela minha cabeça naquela época.
Cada uma das surpresas que apareceram no caminho me trouxe em uma jornada que não trocaria por nada.
Mas às vezes, eu olho para trás e me pergunto o que teria acontecido se eu tivesse feito escolhas diferentes. Não acontece com frequência, mas acontece sempre que alguém que fez parte desse passado distante reaparece na minha vida. Sei que hoje vai ser um desses dias assim que vejo Zoe cruzar a entrada.
— Chloe Fisher — ela diz com a voz doce e melodiosa, um sorriso escancarado no rosto enquanto ainda segura a porta aberta.
— Zoe White — respondo, externando a surpresa genuína que sinto, porque não esperava vê-la aqui.
Com os cabelos tingidos de loiro batendo na cintura, a postura altiva que me lembro de sempre ter tido, um sorriso no rosto e um bebê no colo, Zoe olha ao redor despretensiosamente, notando detalhes da pequena loja localizada em um dos bairros que contornam a costa da cidade. Pelas janelas que cobrem as paredes inteiras, consigo ver a praia ao longe. Ter o mar se estendendo assim, glorioso e azul, faz meus dias serem muito mais gostosos.
— Preciso dizer, as fotos nas redes sociais da loja não fazem jus — diz, focando os olhos em mim e aproximando-se a passos lentos. — Esse lugar está incrível!
Meu sorriso se amplia pelo elogio tão sincero. Ralei minha bunda para abrir essa loja e aceito cada elogio que vem na minha direção sem qualquer falsa modéstia.
— Eu pensei em te mandar uma mensagem e marcar uma hora, mas como eu estava nas redondezas… — Ela acena com o indicador em um círculo pequeno. —Achei que valia arriscar. Se você tiver tempo livre agora, é claro.
Espio o relógio do meu pulso, que marca três e meia da tarde. Fecho a loja às quatro e não tenho mais ninguém marcado para hoje.
— Estou à sua disposição — digo assim que ela me alcança. — E essa é…? — pergunto, indicando a menina em seus braços com um lacinho amarrado nos fios finos e curtos de cabelo escuro.
Ela sorri, aquele sorriso que só uma mãe é capaz de dar ao falar de um filho. Acaricia a cabeça do bebê adormecido e responde:
— Ava. Ela já está começando a ficar pesada demais — brinca, beliscando de leve a bochecha rechonchuda sem tirar os olhos da menina. Quando olha para mim, abre um sorriso travesso. — Carreguei por nove meses para nascer a cara cuspida do Ryan.
Arqueio a sobrancelha, surpresa ao ouvir o nome.
— Ryan? — pergunto. — Ryan Taylor?
— Ryan Taylor — ela confirma, erguendo a mão esquerda para mostrar a aliança dourada. — Quase quinze anos agora desde que começamos a namorar, e foi exatamente para isso que pensei em te procurar. Quero organizar uma festa e renovação de votos.
Mordo a ponta do lábio, absorvendo a informação.
— É Zoe Taylor, então — corrijo-me. Ela assente com uma risada baixa. Recomponho-me o mais rápido que posso e indico com a mão o canto esquerdo da loja, onde o conjunto de sofás está organizado bem de frente para a vista bonita lá fora. — Por favor.
Ela segue na frente, e eu aceno para a minha assistente. Assim que nos sentamos, ela aparece com uma bandeja com chá. Zoe se senta de frente para mim e coloca Ava deitada no assento ao seu lado. A menina ameaça acordar e chorar, mas depois de alguns sussurros e batidinhas na barriga, adormece novamente.
Zoe cruza as pernas e volta a olhar para mim.
— Eu realmente não esperava te ver — comento.
— Eu sei! Faz tanto tempo, não faz? — diz com um sorriso aberto. Joga os olhos para o teto, como se vasculhasse a mente em busca da informação certa. — A última vez que te vi foi na sua despedida antes ir para a faculdade.
Congelo o sorriso nos meus lábios. Sei que a menção àquela época não foi proposital, pois ela não teria como saber.
— Como a vida tem te tratado nesses anos? — pergunto, desviando o assunto.
Ela dá de ombros e dispensa a pergunta displicentemente com a mão.
— Altos e baixos, como todo mundo. Alguns baixos foram realmente baixos — murmura, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha. — É por isso que quero comemorar os altos.
— Renovação de votos.
— Renovação de votos — confirma.
Engatamos em uma conversa detalhada sobre o que ela imagina, que tipo de celebração espera, para quantas pessoas, orçamento. Mostro um catálogo com templates prontos apenas para inspiração inicial, e Zoe me aponta o que gosta de cada um. Meia hora depois, a consulta inicial está encerrada e tenho um esqueleto do que ela precisa.
— Ótimo. Eu vou desenhar um rascunho do projeto e nos encontramos de novo em… — Passo o dedo pelo calendário no canto da folha. — Três dias? Se você puder voltar na quinta-feira, vou ter uma ideia melhor da proposta e, você aprovando tudo, podemos começar a organizar o evento. Pode parecer que você me procurou com tempo de sobra porque é só para o ano que vem, mas ainda assim é menos de um ano. Os melhores lugares e serviços são agendados com bastante antecedência, então o ideal é que eu comece a organizar tudo o quanto antes.
— Excelente — Zoe diz, olhando-me com atenção. Ameaço me levantar para me despedir dela, mas a mulher me atinge com a pergunta: — Por que eu não te levo para almoçar ao invés de te encontrar aqui? Assim a gente pode colocar a conversa em dia também.
Umedeço os lábios e abro a boca para ensaiar uma recusa educada, mas sou salva de precisar falar qualquer coisa porque um furacão de um metro e vinte e cinco entra pela porta.
— Maman!
Zoe vira a cabeça em direção à voz, e vejo, pelo seu rosto de perfil, a surpresa encher seus olhos enquanto Aaron cone na minha direção, dentro do uniforme da escola, com a mochila saltando nas costas. Ele pula no meu colo e gruda no meu pescoço.
— Papa me levou para tomar milkshake depois da aula — ele diz animado, arrumando os óculos que escorregam pelo rosto.
Levo meus olhos para o homem que entrou na loja logo atrás dele, dentro de jeans escovados e uma T-shirt preta, contrastando com os fios claros do seu cabelo. Darrell acena com a mão.
— Oi — Aaron diz quando se ajeita no meu colo e vira de frente para Zoe. — Eu sou o Aaron.
Meu coração para de bater por um segundo enquanto vejo seu olhar analítico sobre o menino. Ela está fazendo as contas, eu sei. A interrogação está bem clara no seu olhar quando o lança de relance na minha direção antes de voltar a atenção para ele. Sei que vai perguntar, e essa não é uma história que gosto de contar.
— Oi, Aaron — responde e estende a mão para apertar a palma pequena dele. — Eu sou a Zoe.
Aaron pula do meu colo e contorna a mesinha de centro.
— É sua filha? — pergunta, apontando para Ava.
— Chéri… — repreendo, mas Zoe sorri para mim, tranquilizando-me.
— Está tudo bem — diz e volta sua atenção para ele. — É minha filha. Fascinado pela bebê, ele desembesta a fazer mais perguntas do que achei ser possível. Assisto à conversa animada entre os dois e só noto que Darrell ainda está ali quando solta um pigarro baixo.
— Posso falar com você? — ele pergunta, e olho dele para Zoe.
— Fique à vontade — ela diz, o olhar alternando entre nós três agora.
— Aaron — chamo, e ele olha para mim. — Comporte-se, sim? — digo, levantando-me.
Sigo Darrell pela loja, até o canto oposto onde estão expostas algumas amostras de flores. Ele recosta em uma parede e cruza os braços na frente do peito.
— Você realmente precisa parar de dar porcaria para ele de almoço. É terça-feira — repreendo. Ele abre um sorriso pequeno, debochado, corno sempre é quando me atrevo a questionar suas habilidades paternas.
— Pardon — diz, e eu reviro os olhos, porque o tom zombeteiro consegue me tirar do sério com apenas uma palavra. Ele suspira e me olha com seriedade. — Nós precisamos conversar. Sobre o Aaron.
— O que aconteceu? — pergunto, imediatamente inquieta.
— Aqui não. Podemos almoçar amanhã?
Cruza os braços na frente do peito.
— Não, não podemos. Você não pode me arrastar para um canto, dizer que precisa falar comigo sobre meu filho e me pedir para esperar até amanhã.
Fale logo.
Olho por sobre o ombro e vejo que Zoe está muito entretida com ele, ouvindo com atenção ao que quer que o menino esteja dizendo. Sua filha acordou em algum momento nos últimos minutos e está sentada no seu colo, agitando os bracinhos na direção de Aaron.
— Minha empresa quer me transferir de novo para a França — ele diz e volto a encará-lo.
— Por quanto tempo?
Ele ergue as mãos como quem diz não ter ideia.
— Permanentemente, até segunda ordem. Tenho alguns meses para colocar tudo em ordem aqui, mas não posso demorar muito. A companhia aérea limita voos internacionais a vinte e oito semanas de gestação. Camille não vai poder voar depois disso — explica, citando a namorada.
Camille e ele se conheceram tão logo ele se mudou para cá, dois anos atrás. Estão juntos desde então e, há poucas semanas, ela descobriu a gravidez. É recente, se não estou enganada ela está com pouco mais de dois meses.
Mordo o lábio e suspiro.
— Droga, Daffell. Aaron vai ficar devastado — murmuro, arrastando as mãos pelo rosto. — Você não pode fazer isso. Não pode ir e vir desse jeito.
…