Trecho do livro
Passaram-se alguns meses desde a fatídica reunião em que foram esclarecidos todos os porquês que levaram a morte da minha irmã e tantas outras. Foi um período muito tenebroso até chegarmos aqui.
Nos últimos meses, estou aguardando o retorno de Ezra, que saiu da casa de Killz sem dizer para onde iria assim que terminou a reunião. Agora estou em seu apartamento, aguardando sua volta para poder jogar na sua cara o quanto foi egoísta ter deixado seu filho para trás.
Observo Dylan brincando no carpete com os brinquedos que os tios haviam dado. Meu menino está crescendo, uma criança muito dócil e inteligente, nem acredito que já está com sete anos.
— Mãe, os carrinhos que tio Spencer me deu são os mais bonitos — fala meu menino, seus olhinhos brilhando em minha direção.
Toda vez que ele me chama de mãe, meu coração derrete e me seguro para não o encher de beijos, uma vez que não é muito fã. Deve ter herdado a personalidade ranzinza do pai.
— São sim, meu bem — falo docilmente ao vê-lo sorrir para mim. O nosso amor é recíproco.
Como o tempo passa rápido, penso, deixando uma lágrima deslizar em minha bochecha. Eu o peguei no colo e o vi crescer… cuidei dele desde os seus primeiros passos e ouvi suas primeiras palavras. Fui mais mãe do que a minha irmã, apesar de ela ter dado a ele todo auxílio que pôde até seus últimos dias de vida, mas fui eu que estive ao lado de Dy, dei amor e carinho, tudo que um filho precisa de uma mãe.
Jamais pensei em ocupar o lugar de Scarlet na vida do pequeno, contudo, quando meus olhos pousaram naquele par de olhos verdes — tão parecido com o do pai — me encarando com uma certa curiosidade, eu meu apaixonei, minhas pernas ficaram bambas e meu coração bateu tão forte, que senti como se tivesse acabado de correr uma maratona. Naquele instante eu descobri algo que nunca havia passado pela minha mente: meu desejo enorme de ser mãe e proteger um serzinho tão lindo. O que senti por Dylan foi amor à primeira vista.
Meu celular começa a tocar ao meu lado, rapidamente eu o pego e vejo o nome de Alessa brilhando na tela.
— Alô — respondo e me afasto um pouco de Dy para que ele não ouça a nossa conversa. Por mais que seja pequeno, ele é muito inteligente.
— Olá. Tudo bom, Hailey? Liguei para saber como vocês estão? — Sua voz soa animada.
— Dy está brincando com os seus carrinhos — meus olhos pousam no pequenino brincando distraidamente — e eu estou bem, e você… Como está?
— Estou ótima! Halley, na verdade, eu gostaria de te fazer uma proposta. — Ela está com a voz séria agora.
— E o que seria, Alessa? — Coloco uma mão na cintura e mordo o lábio, ansiando a sua resposta.
— Pretendo ir à Rússia, estou avaliando tomar à frente, como é o desejo de Viktoria. Segundo ela, o posto de liderança foi designado a mim e… Você aceitaria trabalhar comigo, caso eu faça isso? — A pergunta me surpreende, nem sei o que responder.
— Você… você… vai à Rússia? — Faço uma careta.
— Pretendo ir. E se você aceitar ser minha melhor amiga e conselheira, será mais fácil. Preciso de uma pessoa que eu admiro e confio — diz de maneira confiante.
— Obrigada por isso. Saber que você confia em mim me deixa feliz… Mas tenho Dylan e pretendo voltar para a minha casa o quanto antes — falo as últimas palavras com pesar.
— Voltar para a sua casa? Você já está em casa, Halley, sua casa agora é aqui, conosco. Com meu sobrinho e meu irmão. — Alessa parece estar sendo sincera e carinhosa comigo, mas ainda não me acostumei com o convívio da família. — Sua morada é aqui em Londres, sua vida está aqui.
— É estranho ouvir que… você e Ezra são irmãos. — Reprimo uma risada.
— Aos poucos estou me adaptando com a ideia.
— Faz um tempo que conversei com Ezra, e chegamos à conclusão de que assim que Dy estiver mais próximo dele, eu vou embora. — Quase não consigo completar a minha fala.
— Não pode, Halley, o seu sobrinho precisa de você. Além disso, eu preciso de uma amiga. Hai, você salvou a minha vida, quase morreu por mim. — Jogo a cabeça para trás ao perceber o modo Alessa dramática ativado.
— Talvez eu esteja sendo egoísta ao deixar Dy, mas… é horrível conviver com alguém por quem tenho um sentimento platônico e que só me olha com amargura e desprezo, Alessa. Eu me sinto magoada por tudo. Aprendi a amar o ex da minha irmã gêmea através de uma mentira, e isso tudo me consome, sabe? O seu irmão me fez apagar aquela visão que eu tinha dele. Eu achava que Ezra era um homem maduro, bem centrado, mas me enganei — falo um pouco mais baixo, enquanto limpo meu rosto molhado pelas lágrimas.
— Dê uma chance para vocês, nem tudo está perdido, querida.
— Nunca houve nós, Lessa. O Ezra está irreconhecível —confesso, decepcionada.
— Sabe de uma coisa, aceite minha proposta e logo você mostrará a esse ogro quem manda — fala, tão certa de suas palavras, que até eu gostaria de acreditar nisso.
Quando abro minha boca para responder, fico assustada ao ouvir a porta da sala sendo aberta com brutalidade. Meu coração bate descompassadamente e minhas mãos ficam trêmulas, mas um alívio desconhecido me toma quando vejo que é Ezra. Porém, fico desesperada ao notar que o homem está com a camisa branca manchada de sangue.
— Oh meu Deus. O que houve, Ezra? Quem fez isso?
Ele está bem machucado, e meu desespero é tanto, que mal ouço Alessa ao fundo, simplesmente finalizo a chamada sem explicação, porque preciso ajudá-lo. Não serei tão insensível em um momento como este.
— Onde estava? Quem fez isso com você? — sondo-o, correndo até ele, que cambaleia até conseguir se sentar no sofá. Engulo meu orgulho e a vontade louca de deixá-lo sozinho quando ouço sua risada sarcástica. Ele me odeia, posso sentir. Mesmo assim, respiro fundo e procuro não levar para o lado pessoal. —Pelo menos me deixe cuidar disso — murmuro, evitando fazer contato visual.
Me ajoelho de frente para ele e toco em seu rosto machucado. A sobrancelha esquerda tem um corte profundo, o lábio inferior está partido e o olho direito está começando a ficar roxo.
— Não toque em mim, sua cópia imprestável! Não preciso da sua ajuda, porra! — grunhe, apertando meus pulsos com força e empurrando meu corpo para trás.
Paciência, Hailey. Paciência!
— Precisa sim! Pegue esse seu maldito orgulho e enfie no rabo — retruco, voltando a olhar os ferimentos. — Vou procurar alguma coisa para limpar isso.
— Você é surda, caralho? — Ele parece embriagado.
Apesar da arrogância de Ezra, permaneço firme e convicta do que devo fazer no momento, cuidar dos ferimentos dele. Embora tenha muitos hematomas, o desgraçado continua lindo. Merda, acho que sou masoquista. Ele me machuca com palavras, mas eu continuo aqui, esperando-o.
Quando sinto as mãos dele tentando me afastar mais uma vez, somos interrompidos pelo som da campainha. Provavelmente é a Alessa, ela deve ter ficado preocupada. Mas ela não poderia estar aqui em tão pouco tempo.
Quem será?
— Não ouse se levantar — ameaço.
— Desde quando vadias me dão ordens? — Ele despreza as minhas palavras. — Vá logo ver quem está tocando essa merda barulhenta e pare de tagarelar.
Me afasto do abutre furiosamente, mesmo desejando dar uns tapas na cara dele para ver se os ferimentos ficam piores. Eu entendi que sou superior a Ezra em vários aspectos, e essa ação poderia me levar para o mesmo caminho da minha irmã. E eu não seria louca de correr o risco de me afastar do meu Dylan, pelo menos, não totalmente.
Abro a porta e me deparo com uma mulher, que arregala seus olhos ao me ver.
— Sou Fergie — ela estende a mão em minha direção como se quisesse me cumprimentar, só que eu recuso —, eu trouxe Ezra. Ele estava impossível hoje e não queria vir embora, mas consegui essa proeza. Ele vem se mantendo bêbado há dias, e arrumou muitas brigas por aí. Eu posso entrar para cuidar dele? — pergunta de maneira tão gentil, que fico desconfiada das suas intenções.
De que buraco essa garota saiu?
Fergie é linda, cabelos curtos e loiros, olhos mel com um tom esverdeado, e, para completar, tem a voz melosa. A garota é supereducada, suponho que ela tenha sido a razão de Ezra esquecer o caminho de casa.
— Como? — Dou uma risada alta para esconder a raiva que me corrói.
— A senhora é funcionária dele também? — questiona, tentando se fazer de inocente.
— Vai morar na porta, Slobodin? —grita Ezra.
— Está vendo? Meu gatinho precisa de ajuda e você está dificultando as coisas. — A garota tenta passar por mim.
— Menina, quem você pensa que é para invadir o meu espaço? Dê o fora agora! — ordeno, empurrando-a para trás.
— E você quem é? Ah, sim. A tia do filho dele, irmã do ex-amor… Nada mais que isso — diz baixinho enquanto me encara com o ódio refletido em seu olhar, como se o que tivesse dito não passasse de um segredo que Ezra havia soltado sem querer.
— De que buraco você saiu? Acha que sabe tudo da minha vida? Você nem me conhece, pirralha! — Desvio o olhar para que ela não veja meus olhos marejados.
— Não preciso de muito para saber que é apaixonada por ele — declara, me fazendo olhar para trás e ver o Knight jogado no tapete vermelho da sala que antes meu filho estava brincando, graças a Deus ele foi para o quarto.
Quando se tornou tão autodestrutivo? Eu nunca tinha visto Ezra tão acabado.
— Fergie, não é? — falo com desdém. — O seu chefe acabou de cair em um sono profundo e duvido que irá acordar. Faz um favor para mim? Dá o fora, sua oferecida.
— Escute aqui, queridinha… Sabe com quem o seu amor esteve esse tempo todo? — a loira fala em um tom de voz alterado.
— O sr. Knight é só o pai do meu sobrinho, mas estou impressionada com a quantidade de informação que acha que carrega. Felizmente, tenho que cuidar da minha vida — retruco e me viro para entrar e fechar a porta.
— Alguma vez ele já lhe disse que arrastou uma dançarina do palco pensando que era eu em uma boate? Ele estava morrendo de ciúmes — ela tenta me provocar ao sorrir.
— Não tem motivo algum para ele me contar uma história tão sem cabimento como essa, como eu disse, sou somente a tia do filho dele. — Tento soar firme, mas falho miseravelmente. Essa revelação só demonstra a intimidade entre os dois.
— Já pensou que talvez seja comigo que ele queira ficar e não com você? Afinal, estivemos juntos nos últimos meses. Sem contar que quando ele pronuncia seu nome, deixa nítido o nojo que sente, mas, infelizmente, o coitado não pode fazer nada, o pequeno Dy é muito apegado a você. Por enquanto. — Ela insinua algo que não quero descobrir o que é.
— Saia daqui agora, vagabunda! — Eu seguro em seu braço magro, mas ela se debate e consegue se livrar do meu aperto.
— Até breve, Halley Slobodin. — Fergie dá ênfase ao meu nome e segue até o elevador.
Simplesmente dou as costas para ela e fecho a porta com força. Vou até Ezra, que resmunga algumas palavras desconexas enquanto mantém seus olhos fechados. Silenciosamente, eu me sento ao seu lado e começo a acariciar seu cabelo castanho-escuro que agora está um pouco mais comprido do que costuma usar. Por alguns minutos, eu choro e sinto uma imensa vontade de arrancar do meu coração o sentimento proibido que carrego desde o dia em que comecei a fingir ser a minha irmã para descobrir os culpados da sua morte. Quando vi Ezra pela primeira vez, descobri que eu era fraca, tanto que cheguei ao ponto de amá-lo silenciosamente, e os sentimentos foram aumentando conforme as visitas que ele fazia a Dylan iam crescendo.
Me apaixonei pelos seus gestos nobres, e não pela sua posição dentro da máfia. Às vezes, a vontade de fugir é grande, sumir para bem longe e nunca mais poder encará-lo, só que existe algo muito mais importante na minha vida, e não me deixarei cometer uma loucura por um sentimento não correspondido. Se for para suportar as humilhações, assim o farei, mas será pelo meu sobrinho, porque prometi a minha irmã que Dylan ficaria seguro e seria amado enquanto eu vivesse.