Comprada por Miguel: Site Secreto – Livro de Jéssica Macedo

Comprada por Miguel: Site Secreto - por Jéssica Macedo

Trecho do livro

Para minha leitora Karina, do grupo do WhatsApp “Leitores da Jéssica”.

Acordei com patinhas batendo nas minhas costas, que logo foram substituídas por uma língua áspera lambendo o meu rosto. Revirei na cama e esfreguei os meus olhos, que ainda estavam grudados pelo sono.

— Bom dia para você também, Mond. — Sentei-me na cama e ela se acomodou no meu colo, afofando o cobertor por algum tempo até começar a miar. — Quer dar uma volta lá fora?

Ela continuou miando até que eu abri a janela e deixei que a minha gatinha saísse e fosse para a rua. Mond era uma gata de três cores, roliça e muito esperta, mas nem sempre as coisas foram assim. Eu a havia encontrado em uma noite de lua cheia após a pobrezinha ter sido atropelada, isso há pouco mais de um ano, e o doutor Wolf, meu chefe, cuidou dela. Teve que passar por vários procedimentos cirúrgicos e, ainda assim, doutor Wolf não achava que a gatinha fosse sobreviver, mas, quase por um milagre, alguns dias depois, ela estava melhor. Acho que, na verdade, foi ela que me adotou, porque me acompanhava até a rua todos os dias quando ia para casa. Eu sempre a levava de volta para o petshop, até que um dia resolvi levá-la comigo. Depois de todo esse tempo, eu já nem imaginava mais como seria a minha vida sem ela.

Meu despertador tocou e deixei a cama, indo até o banheiro no corredor para me preparar para o trabalho. Não era um grande emprego, nem me pagava o melhor salário do mundo, mas eu gostava muito do que fazia. Ficar cercada pelos animais, ultimamente, me proporcionava os melhores momentos dos meus dias.

Voltei para o quarto a fim de arrumar a minha cama e me aproximei da janela, na esperança de ver a Mond, mas meus olhos logo foram atraídos pela janela da frente que pertencia ao quarto da minha melhor amiga.

Não havia entrado para a faculdade e me afastara dos meus colegas da escola há um bom tempo, então, fora a minha família e o meu chefe, Hannah era a única pessoa com quem eu convivia e geralmente trocava confidências.

— Olá, Hannah. — Sorri para ela ao chamar a sua atenção.

— Bom dia, Karina. Como estão as coisas por aí?

— Na mesma. — Dei de ombros, suspirando, ao pensar no quanto a minha vida havia se complicado nos últimos meses. Contudo, logo me lembrei que para ela também não estava sendo nada fácil. — Conseguiu um emprego?

— Nada ainda — disse tão baixo que foi quase impossível ouvi-la, mas não insisti, pois sabia que ela ainda não havia contado a avó que estava desempregada. — Vou para o centro visitar mais lojas.

— Não sei como está dando conta estando sem dinheiro. Mesmo com uma renda, estou entrando em desespero.

— A esperança ainda não morreu. Hoje será um dia melhor.

— Assim espero, porque estou ficando sem opções e as despesas médicas da minha mãe estão cada vez mais altas. Se, pelo menos, meu irmão ajudasse…

— Meu estômago revirou ao me recordar de outro problema enorme na minha vida.

— Estou sobrevivendo com as últimas economias que eu tinha. Preciso pensar em outra forma de fazer dinheiro, já que ser vendedora não está funcionando. Tem duas contas da ONG atrasadas. — Hannah passou a mão pelo rosto, parecendo bastante aflita.

Ficar sem dinheiro realmente era uma sensação horrível.

— Não tem nenhuma joia que você possa penhorar? — Sugeri aquilo, pois já havia vendido todas as que a minha mãe herdara para pagar as despesas com clínicas e hospitais.

— A única coisa preciosa que tenho é minha virgindade. — Hannah riu, mas logo a sua expressão voltou a ficar séria. —Oh, droga.

— O que foi?

— Lembrei de algo que pode ser útil para resolver nosso problema financeiro, mas é insano.

— Você sabe como posso conseguir dinheiro? — Fiquei curiosa, apesar da expressão dela não me sugerir a melhor das alternativas.

— Até que ponto está disposta a resolver o que te preocupa?

Franzi o cenho e fiquei pensativa. Até onde eu estava disposta a ir? A possibilidade me assustou.

— Não aparece na pesquisa habitual da internet, é um site secreto onde homens e mulheres pagam para ter uma noite conosco. — Hannah às vezes até tinha ideias malucas, mas aquela era absurda demais. Me submeter a algo assim estava fora de cogitação. — Todos os valores expostos lá são altos, principalmente se a garota é virgem. — Ela riu, demostrando que era apenas uma brincadeira, ou foi o que deixou transparecer. — Uma loucura, eu sei.

— Sim, claro — concordei. Era uma loucura total realmente. — Quem faz isso, precisa estar muito desesperada.

— Ainda não chegamos nesse ponto, né? — Abriu um sorriso amarelo. — Mas se quiser acessar o site para dar uma espiada, ele é o www.sit3secreto.com.

— Acho melhor nem chegar perto. — Fiz um gesto com a mão, dispensando. O que a minha mãe pensaria só de imaginar que eu havia entrado em um site como esse? Ela havia me criado para ter uma vida bem diferente dessa.

— Preciso terminar de me aprontar para ir trabalhar.

— Tenha um bom dia, Karina.

— Boa sorte, Hannah. — Acenei para ela e voltei para o interior do quarto.

Deixei a janela aberta para que a Mond entrasse depois do seu passeio matinal.

Terminei de me arrumar para ir trabalhar e saí do quarto. Entrei no da minha mãe e vi que ela ainda estava dormindo. Fui então até a cozinha, peguei um copo com água e os seus remédios. Retornei ao cômodo e os coloquei sobre o móvel de cabeceira.

— Karina? — Ela se moveu na cama e se espreguiçou.

Mama. — Sorri ao acariciar o seu rosto. — Eu trouxe seus remédios.

— Não precisava, eu mesma pegava na cozinha daqui a pouco.

— É o mínimo que eu posso fazer.

— Não diga isso, tesouro. Você já faz tanto!

— Minha mãe acariciou o meu ombro e eu sorri para ela.

— Eu preciso ir trabalhar agora. Volto mais tarde.

— Bom trabalho para você. mein Engelein. — Ela acariciou o meu rosto.

Deixei seu quarto, fui buscar a minha bolsa e me dirigi para a sala. Meu irmão estava jogado no sofá, dormindo, com uma garrafa de cerveja na mão e a boca aberta, que chegava a babar nas almofadas que eu lavara no final de semana.

— Bom dia! — gritei, ao me aproximar do sofá e fazer com que ele saltasse com o susto.

— Ficou doida, Karina?

— Eu não estou doida. Já você, nem sei dizer. — Cruzei os braços, irritada. Por que não levanta desse sofá e vai trabalhar, Klaus? Você é o mais velho aqui e, depois da morte do papai, deveria ser o homem da casa, mas não passa de um bêbado viciado.

— Ainda não encontrei nenhum emprego a minha altura.

— E a altura das contas, achou algum? — Apontei para os envelopes que o zelador havia jogado por debaixo da porta. Mesmo sem os abrir, tinha certeza de que a maioria deles era de despesas médicas e os demais, gastos da casa que estavam atrasados.

— Ah, vamos dar um jeito nisso.

— Um jeito? Quando? Antes ou depois de sermos despejados? A mamãe precisa desse apartamento e nós dois também.

— Então deveria ter pensado nisso antes de hipotecar o imóvel com o banco para pagar os médicos. Se formos despejados, a culpa é sua!

Peguei um bloquinho de papel sobre uma mesa redonda onde ficava o nosso telefone e o arremessei contra o meu irmão, bufando de raiva. Não conseguia acreditar que ele estava jogando aquilo na minha cara.

— Se eu não tivesse hipotecado o apartamento, iriam deixar a mama morrer.

— Talvez seja a hora dela.

— Cala a boca, Klaus! — Eu gritei, chorando quando a raiva transbordou pelos meus olhos.

Não conseguia mais ficar ali ouvindo as besteiras que o meu irmão dizia. Já não bastava não mexer uma unha para ajudar, ele ainda se dava ao trabalho de julgar as minhas decisões.

Fui na direção da porta, recolhi as correspondências do chão e saí do apartamento pisando duro.


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