Apenas Um Toque – Livro de M.S. Fayes

Apenas Um Toque - Livro de M.S. Fayes

Trecho do livro

Se aquele ali não fosse um dia de merda, eu com certeza não saberia definir o que era. Definitivamente. Como todos os dias da minha vida, tive que acordar cedo, muito cedo, criar coragem para tomar banho, me enfiar em um milhão de roupas e sair para o vento congelante de pleno mês de janeiro em Nova York. Some a este fato, ter que enfrentar um metrô lotado, vestindo aquele mesmo milhão de roupas para me aquecer, que se tornava um martírio por causa do calor humano infernal dentro do vagão.

Quando desci na minha estação, percebi tardiamente que tinha esquecido a papelada necessária para um requerimento de novo aluguel. Droga. A rua estava belíssima. Uma visão simplesmente de tirar o fôlego. Literalmente. O vento gelado que bateu no meu rosto foi como um tapa dolorido de uma mão de ferro. Levei um pequeno escorregão numa poça de gelo derretido. Sim. Estava nevando. Mais um item para o meu dia sensacional.

Precisava admitir que estava com um humor do cão. Meu último semestre de faculdade estava acabando. Até aí, tudo ótimo, isso era maravilhoso. Mas com ele acabava também a boa vida de alojamento e aluguel irrisório. Eu estava naqueles dias em que toda mulher quer e necessita assassinar alguém, e ainda vinha acompanhada de uma puta cólica. A única parte boa de tudo aquilo é que, com o desejo absurdo de comer chocolate, poderia se dizer que eu era uma garota privilegiada. Eu trabalhava numa delicatessen supercharmosa em plena Wall Street, em Manhattan. Logo, chocolate eu tinha à minha disposição…

Quando entrei na loja superquentinha, obrigada, aquecimento central, imediatamente comecei a me desfazer de todo o meu equipamento externo que me protegia do frio do lado de fora. Depois de tudo retirado, ainda assim eu mantinha as curvas acentuadas que faziam parte de mim desde que me conhecia por gente. Embora deva admitir que com todo aquele agasalho, eu mais parecia um grande boneco de Marshmallow caminhando pela cidade. Mas como eu, outros milhares de pessoas — naquela época do ano —, pareciam todas iguais e no mesmo barco.

— Sra. Doodley! gritei entusiasmada.

Sim. Eu estava entusiasmada agora. Toda a chateação do dia, do momento em que saí de casa até chegar ali, havia sido esquecida. Porque aquele lugar, para mim, tinha “cheiro” de lar. Vivia uma sensação de acolhida, como há muito tempo não sentia. A Sra. Doodley era como a avó que nunca tive o prazer de ter. Stevie e Marylin, os outros dois funcionários, eram adoráveis e mais parecíamos um belo trio de mosqueteiros do açúcar. E Lilly, a doceira, era fabulosa porque sempre separava pra gente, aquilo que cada um mais amava. Eu era fanática compulsiva por Donuts: recheados, açucarados, pequenos, grandes, de qualquer sabor.

E para completar, ainda tinha a presença sempre ilustre do meu visitante anônimo. Ele era de tirar o fôlego, e qualquer garota, mulher ou idosa do pedaço quase desfalecia na presença dele. Seu charme permanecia na delicatessen, mesmo quando ele saía e horas já haviam se passado. Moreno, alto, com olhos tão azuis que tudo o que você via era a profundeza da sua alma refletida neles, tal qual um espelho. Os olhos daquele homem eram absurdamente fabulosos e magnéticos. A barba bem aparada no rosto lhe conferia um aspecto peculiar, como se ele fosse um leopardo perigoso. Eu imaginava que por baixo daquelas roupas que ele usava, devia haver muitos músculos ocultos.

E para maior surpresa e alegria de Mila, a garçonete mais eficiente da deli, no caso, eu, ele gostava de ser atendido por mim. Somente por mim, já que fazia questão de sempre sentar-se na área em que eu atendo. E claro que gosto de subir minha autoestima imaginando que ele realmente fazia questão da minha presença.

Olá, Sr. Adam — eu disse ao me aproximar da mesa onde ele acabara de se sentar. — Em que posso servi-lo?

Essa era sempre nossa primeira conversa.

O de sempre, gracinha — ele disse, um sorriso com covinhas aparecendo em seu rosto.

Ah, meu Deus… tenho certeza de que algum dia eu me derreteria como uma poça de sorvete no chão. Porque sempre uma piscadinha vinha acompanhada daquele sorriso.

Eu não tinha ilusões concretas e firmadas de que ele estava flertando comigo. Éramos de ligas completamente diferentes. Eu não era feia. Minha autoestima era bem resolvida quanto à minha humilde pessoa. Era uma pessoa comum, mas me achava bonita e conseguia ficar até surpreendentemente sexy quando me arrumava bem.

Meus cabelos caíam logo abaixo dos ombros e brilhavam num tom castanho com algumas mechas um pouco mais claras, por conta do sol e não artificialmente. Minha pele era clara, branca até demais, mas culpem o sol ou a falta dele, por favor. Meus olhos eram o meu grande trunfo. Eram num tom castanho-esverdeado que ganhavam tonalidades de verde fulgurante quando eu chorava. Quando eu era mais nova, fazia questão de chorar sempre antes de alguma festinha só pra causar efeito. Ainda havia os relatos de que quando eu ficava furiosa, a cor dos meus olhos ganhava uma tonalidade assustadora. Achava hilário. Era raro eu ficar puta, então esperar meus olhos atingirem a tal tonalidade somente com aquela vibe, seria como esperar a passagem do cometa Halley: a cada 75 anos.

Quando cheguei à bancada, apenas pisquei freneticamente para a Sra. Doodley.

Aquele pedaço de pão quente quer o mesmo, queridinha? — ela perguntou.

— Sim, senhora. — Eu ri e olhei por cima do ombro para ele, mas quase caí dura porque ele me flagrou no ato.

Fiquei quieta e tentando me concentrar em respirar para não morrer ali em pé, enquanto eu aguardava a bandeja.

Tentei não tropeçar quando levei o pedido à mesa.

Aqui está, Sr. Adam — eu disse colocando as coisas à sua frente. — Um cappuccino delicioso, um brownie quentinho e um copo d’água gelado.

Ele sorriu lindamente para mim e, antes que eu pudesse me retirar, segurou minha mão.

— Por que você não me chama apenas de Adam, Mila? — ele perguntou e meu coração deu um salto. Eu tive que fechar a boca com medo de que ele saltasse por entre meus dentes.

Ahn… não sei. Acho que por força do hábito, Sr… Adam.

Adam.

Olhei meio sem saber o que falar.

— Diga apenas isso: Adam — ele instigou. — Vamos… você consegue. Tenho certeza.

Engoli em seco por alguns instantes e coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha.

— Vamos lá. Sente-se aqui.

Okay. Agora era oficial. Eu ia desmaiar. Olhei para o balcão e vi que a senhora Doodley estava ocupada e a delicatessen estava num movimento tranquilo para o horário.

Acabei convencida pelo brilho magnético daqueles olhos pidões e me sentei à sua frente.

— Você percebe que esta é uma situação estranha, certo? — perguntei, rindo meio constrangida.

— Não vejo nada de estranho — ele falou calmamente. — Eu sou um cliente, que pode ser considerado amigo de longa data. Vamos lá. Basta apenas conversar tranquilamente.

Engoli a saliva bruscamente. Não foi sexy, mas era melhor que babar loucamente.

— Então… Adam.

Ahá! — ele gritou me assustando. — Viu? Foi fácil, não?

Eu sorri pela sua espontaneidade.

— Foi. Se você imaginar que quase engoli as palavras.

Ele riu deliciado. E tomou o seu café como se fôssemos amigos de infância.

— Você trabalha aqui há um bom tempo, não é?

Minha nossa… eu estava acompanhando o movimento do pomo de Adão dele. Até aquilo era sexy. Céus… Adam… o nome tinha tudo a ver.

Ahn… sim. Acho que uns dois anos.

— E eu a conheço há quanto tempo?

— Bem, não sei… você vem aqui já faz um tempinho, né? — perguntei incerta. É claro que eu sabia daquele detalhe, mas não ia dizer o prazo certo, sob o risco de ele achar que eu fosse uma espécie de perseguidora louca.

— Acredito que já faço ponto aqui há uns oito meses, gracinha.

Senti meu rosto corando. Muito provavelmente, eu estava com a cor de um tomate ultramaduro.

Ahn… se você diz… — tentei desconversar.

Ele apenas bebericou o cappuccino enquanto me olhava atentamente pela borda da xícara.

— Acho que podemos trocar as formalidades, já que somos amigos há tanto tempo — disse calmamente. — Acho, inclusive, que você poderia me falar um pouco da sua vida.

Fiquei completamente estática. Como assim? Falar um pouco da minha vida? Minha tão patética vida? Tá! Não era tão patética, mas não achava que tinha tanto conteúdo interessante assim para passar numa conversa informal.

— Nossa… será totalmente enfadonho pra você.

— Por quê?

— Porque minha vida não é lá cheia de tantas coisas empolgantes que poderiam render histórias e risadas — admiti e engoli rapidamente. — Quero dizer, eu estudo e trabalho. Muito, por sinal. Mas tudo bem, já que o futuro deve ser forjado no suor.

Quem disse isso? — ele perguntou rindo.

— Eu.

Senti meu corpo esquentar quando ele riu e simultaneamente agarrou minhas mãos.

— Você realmente é uma gracinha, sabe? — ele disse, ainda me analisando.

Minha vontade era arrancar as mãos das dele, pois minhas unhas, muito provavelmente, estavam lascadas e descuidadas. Eu não queria que ele tivesse essa visão do inferno.

Como eu não sabia o que mais falar naquele instante embaraçoso, senti que deveria achar uma desculpa para sair e fugir correndo para os fundos da loja. Assim eu poderia sentir minha vergonha em mal conseguir me comunicar com o cara, sozinha.

Ah… acho que devo ir. Mais clientes podem chegar…

Ele olhou em volta e retornou a olhar para mim.

— Não vejo clientes em potencial no local.

Ahn… eu devo ir checar a cozinha. — Estava sentindo um calor subindo pelo meu pescoço. — Você não gostaria de mais uma xícara de cappuccino?

Por Deus… ele tinha que me deixar sair.

— Não, obrigado.

Quando comecei a me levantar, ele segurou minha mão novamente.

Mila… você não se sente à vontade comigo? — ele perguntou assim, à queima-roupa.

Ah… não é isso. Eu sou um pouco retraída em conversas…

Era uma mentira deslavada. Eu era retraída apenas com ele. O cara mexia com meus brios femininos. E já tinha um tempo que eu não me envolvia com ninguém. Logo, eu estava fora de forma sobre assuntos e bate-papos de paqueras. Isso, se ele estivesse realmente me paquerando… o que eu duvidava veementemente.

Sacudindo a cabeça, para afastar aquelas ideias errôneas, consegui me desculpar rapidamente e saí dali, deixando-o estupefato. Corri para a cozinha na tentativa de conseguir um pouco da paz de espírito que o Sr. Adam conseguira me roubar.


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