Livro ‘A mulher que matou os peixes’ por Clarice Lispector

Livro 'A mulher que matou os peixes' por Clarice Lispector
"A mulher que matou os peixes infelizmente sou eu." Clarice Lispector começa confessando o "crime" que cometeu sem querer. E para explicar como tudo aconteceu, ela escreveu uma história de compreensão e afeto, contando sobre todos os bichos de estimação que já viveram em sua casa. Os que vieram sem ser convidados e foram ficando, e os que ela escolheu para criar, e que foram muitos: uma lagartixa que comia os mosquitos e mantinha limpa a sua casa, cachorros brincalhões, uma gata curiosa, um miquinho esperto, vários coelhos... Antes de mais nada, ela explica que sempre foi alguém que gosta de animais, de crianças e também de gente grande...
Editora : Rocco Jovens Leitores; 1ª edição (1 junho 1999)
Idioma: : Português
Capa comum : 32 páginas
ISBN-10 : 8532508146
ISBN-13 : 978-8532508140
Idade de leitura : 9 - 12 anos
Dimensões : 22.6 x 16 x 0.4 cm 

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Leia trecho do livro

Livro 'A mulher que matou os peixes' por Clarice Lispector
A Mulher que Matou os Peixes
Livro 'A mulher que matou os peixes' por Clarice Lispector

Para Nicole e Cássio
Para João, Mark e Giancarlo
Para Karin, Letícia, Mônica, Zilda e Azalia sobretudo
para a Campanha Nacional da Criança

Sumário

A mulher que matou os peixes
Créditos
A Autora

Livro 'A mulher que matou os peixes' por Clarice Lispector
A Mulher que Matou os Peixes

Essa mulher que matou os peixes infelizmente sou eu. Mas juro a vocês que foi sem querer. Logo eu! que não tenho coragem de matar uma coisa viva! Até deixo de matar uma barata ou outra.

Dou minha palavra de honra que sou pessoa de confiança e meu coração é doce: perto de mim nunca deixo criança nem bicho sofrer.

Pois logo eu matei dois peixinhos vermelhos que não fazem mal a ninguém e que não são ambiciosos: só querem mesmo é viver.

Pessoas também querem viver, mas felizmente querem também aproveitar a vida para fazer alguma coisa de bom.

Não tenho coragem ainda de contar agora mesmo como aconteceu. Mas prometo que no fim deste livro contarei e vocês, que vão ler esta história triste, me perdoarão ou não.

Não tenho coragem ainda de contar agora mesmo como aconteceu. Mas prometo que no fim deste livro contarei e vocês, que vão ler esta história triste, me perdoarão ou não.

Vocês hão de perguntar: por que só no fim do livro?

E eu respondo:

– É porque no começo e no meio vou contar algumas histórias de bichos que eu tive, só para vocês verem que eu só poderia ter matado os peixinhos sem querer.

Estou com esperança de que, no fim do livro, vocês já me conheçam melhor e me deem o perdão que eu peço a propósito da morte dos dois “vermelhinhos” – em casa chamávamos os peixes de “vermelhinhos”.

Vou contar antes umas coisas muito importantes para vocês não ficarem tristes com o meu crime. Se eu tivesse culpa, eu confessava a vocês, porque não minto para menino ou menina. Só minto às vezes para certo tipo de gente grande porque é o único jeito. Tem gente grande que é tão chata! Vocês não acham? Elas nem compreendem a alma de uma criança. Criança nunca é chata.

Por enquanto só posso dizer que os peixes morreram de fome porque esqueci de lhes dar comida. Depois eu conto, mas em segredo, só vocês e eu vamos saber.

Tenho esperanças de que até o fim do livro vocês possam me perdoar.

Eu sempre gostei de bichos. Tive uma infância rodeada de gatos. Eu tinha uma gata que de vez em quando paria uma ninhada de gatos. E eu não deixava se desfazerem de nenhum dos gatinhos.

O resultado é que a casa ficou alegre para mim, mas infernal para as pessoas grandes. Afinal, não aguentando mais os meus gatos, deram escondido de mim a gata com sua última ninhada.

Livro 'A mulher que matou os peixes' por Clarice Lispector
Livro 'A mulher que matou os peixes' por Clarice Lispector

E eu fiquei tão infeliz que adoeci com muita febre.

Então me deram um gato de pano para eu brincar.

Eu não liguei para ele, pois estava habituada a gatos vivos.

A febre só passou muito tempo depois.

Bem, vamos mudar de assunto.

Antes de começar, quero que vocês saibam que meu nome é Clarice. E vocês, como se chamam? Digam baixinho o nome de vocês e o meu coração vai ouvir.

Peço que leiam esta história até o fim. Vou contar umas coisas: minha casa tem bichos naturais. Bichos naturais são aqueles que a gente não convidou nem comprou. Por exemplo, nunca convidei uma barata para lanchar comigo.

Minha casa tem muitos bichos naturais, menos rato, graças a Deus, porque tenho medo e nojo deles.

Quase todas as mães têm medo de rato. Os pais não: até gostam porque se divertem caçando e matando esse bicho que detesto. Vocês têm pena de rato?

Eu tenho porque não é um bicho bom para a gente amar e fazer carinho. Vocês fariam carinho num rato?

Vai ver vocês nem têm medo e em muitas coisas são mais corajosos do que eu.

Tenho um amigo que, quando era menino, criou um rato branco. Fiquei com tanto nojo que só quero apertar a mão de meu amigo quando passar o susto. Seu rato era, na verdade, uma rata e se chamava Maria de Fátima.

Maria de Fátima morreu de um modo horrivelzinho (eu digo horrivelzinho porque no fundo estou bem contente): um gato comeu ela com a rapidez com que comemos um sanduíche.

Como eu ia dizendo, os bichos naturais de minha casa não foram convidados. Apareceram assim, sem mais nem menos.

Por exemplo: tenho baratas. E são baratas muito feias e muito velhas que não fazem bem a ninguém. Pelo contrário, elas até roem a minha roupa que está no armário.

Vocês sabem que tive uma guerra danada contra as baratas e quem ganhou essa guerra fui eu?

Eu fiz o seguinte: paguei um dinheiro para um homem que só faz isso na vida: matar baratas.

Esse homem faz uma coisa que se chama dedetização. Ele espalha esse remédio pela casa toda. Esse remédio tem um cheiro muito forte que não faz mal para a gente mas deixa as baratas muito tontas até que morrem.

Mas parece que uma barata, antes de morrer, conta baixo às outras baratas que minha casa é perigosa para a raça delas, e assim a notícia se espalha pelo mundo das baratas e elas não voltam para minha casa. Só seis meses depois elas ganham coragem de voltar, mas eu chamo de novo o homem dos remédios e elas fogem de novo.

Livro 'A mulher que matou os peixes' por Clarice Lispector

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