Livro ‘Perolas de Sabedoria’ por Sri Ramana Maharshi

Este livro reúne três obras de Sri Ramana Maharshi, um dos maiores sábios da Índia. Aos 16 anos, ele alcançou a realização espiritual, atraindo devotos do mundo todo com seus ensinamentos e presença transformadora.

Este livro reúne três obras essenciais de Sri Ramana Maharshi (1879-1950): Pérolas de Bhagavan, Vida e Ensinamentos do Autor e Quem Sou Eu?. Considerado um dos maiores sábios da Índia, Ramana atingiu espontaneamente a realização espiritual aos 16 anos. Após anos em silêncio profundo, imerso em estados de pura Consciência, ele gradualmente retornou à vida exterior, irradiando uma aura de paz que atraiu devotos e estudiosos de todo o mundo. Até o fim de sua vida, viveu aos pés da sagrada montanha Arunachala, transformando milhares de vidas com seus ensinamentos e presença.

Páginas: 162 páginas; Editora: Teosófica (3 de janeiro de 2010); ISBN-10: 8579220017; ISBN-13: 978-8579220012

Leia trecho do livro

Nota do Tradutor

O objetivo do presente trabalho é apresentar uma tradução fiel e acessivel de três obras originais de Ramana Maharshi: Gems of Bhagavan de três obras (Pérolas originais de Sabedoria), de Ramana Maharshi: Bhagavan Ramana (A Vida de Sri Ramana Maharshi), e Who am I? (Quem sou eu?), tendo como paradigma o ponto de vista do leitor que pouco ou nada conhece a seu respeito. Tal orientação não nos impediu, entretanto, de buscar as fontes originais das quais foram tiradas as inúmeras citações que compõem a primeira parte deste livro – a partir das versões a que se teve acesso –, de submetê-las a um processo de comparação crítica no intuito de determinar a melhor forma de expressar os ensinamentos de Ramana Maharshi.

Cada palavra foi cuidadosamente escolhida, e não raro dicionários foram consultados mesmo para tradução de palavras e expressões já conhecidas. Os trechos entre parênteses referem-se aos termos em sânscrito ou tâmil utilizados, e em sua maior parte aparecem do mesmo modo que no original. Os demais termos estrangeiros foram tratados de maneira diversa sendo que, com o fito de manter o texto o mais claro e limpo possível – e também para evitar repetições desnecessárias – tais termos foram colocados entre parênteses, com a tradução em português aparecendo no corpo principal. Outros termos de maior importância, tais como Brahman, māyā e jñāna, frequentemente foram deixados na parte principal do texto.

Por outro lado, o que se encontra entre colchetes são comentários acrescidos pelos tradutores com a intenção de esclarecer o significado da passagem ou do ensinamento, quando uma tradução literal não bastava, ou quando a comparação com outras fontes indicou ser desejável tal medida.

O texto original não contém um glossário. Entretanto, atentando ao fato de que muitos termos que já são conhecidos pelos leitores de língua inglesa interessados no assunto e não o são pelo público geral brasileiro, teve-se como oportuna a inclusão de um glossário ao final do livro, onde as palavras de origem estrangeira estão brevemente explicadas. O glossário foi desenvolvido com base nos glossários presentes em outros livros de Ramana Maharshi (tais como: The Collected Works of Ramana Maharshi[1]; Be As You Are[2]; Ensinamentos Espirituais[3]; Ramana Maharshi e o Caminho do Autoconhecimento[4]; Talks with Sri Ramana Maharshi[5]) e também por meio de livre pesquisa dos tradutores em outras fontes relacionadas.

O nome completo pelo qual o mestre era conhecido é Bhagavan Sri Ramana Maharshi. No texto ele é em geral chamado Bhagavan, mas a fim de evitar a deselegância e o desgaste da repetição, também por vezes o chamamos Sri Ramana, Ramana Maharshi ou apenas Maharshi[6].

Outras palavras também frequentemente utilizadas no texto são Sat e Ānanda. Sat foi às vezes traduzida como “Existência”, outras vezes como “Ser”, tendo também o significado de “Verdade” e “Realidade”. Ānanda foi em geral traduzida como “Bem-Aventurança”, tendo-se às vezes usado as palavras “Felicidade” e “Beatitude” a fim de evitar a repetição e de transmitir toda a amplitude do significado original. Todos esses termos devem ser entendidos como sinônimos.

Um dos pontos mais difíceis da tradução foi a palavra Ātma ou Ātman. Em outros livros já publicados no Brasil (sobre Yoga, filosofia oriental, e sobre Ramana Maharshi também), a palavra Ātma foi traduzida como “Eu Superior”, “Si”, “Si-Mesmo”, “Espírito” e “Verdadeiro Eu”. Em inglês o termo utilizado é sempre Self, para Ātma¸ e I ou self (com minúscula) para o ego (em sânscrito, ahamkāra). Em português é mais difícil manter essa distinção. Optamos por traduzir ahamkāra (ou self) por “ego” ou “eu” (letra minúscula); e Ātma (Self) por “Eu Real”, “Eu” ou “Ser”. Isso porque Sri Ramana era categórico ao afirmar que não existem dois “eus”, um superior e outro inferior, mas que existe apenas um Eu, e que o ego – que os seres não iluminados têm como seu “eu” – é irreal, sendo apenas um reflexo do verdadeiro Eu[7].

Devem ser ditas algumas palavras, ainda, sobre a tradução de outros termos recorrentes. Um deles é a palavra realize, que é uma tradução geralmente utilizada em inglês do termo sânscrito sakshatkara, que denota o estado ou “fenômeno” no qual o yogi se torna idêntico ao Ātman dentro de si[8] . As três traduções possíveis para esse termo em português seriam: compreender, conhecer, estar ciente do Eu; alcançar o Eu; realizar o Eu (no sentido básico de “tornar real”). Traduzir como “alcançar o Eu” não é adequado tendo em vista que, de acordo com os ensinamentos do Bhagavan, o Eu Real não é alcançado, mas já está presente, e também não é algo exterior. O que nos resta, portanto, são os outros dois termos e, como nenhum deles expressa perfeitamente o significado original (já que o Ser é nem compreendido nem “tornado real” – ele já é sempre real e sempre conhecido), optamos, ao longo da tradução, por utilizá-los ambos, intercaladamente.

O texto original utiliza também em vários pontos o termo householder, que é uma tradução do sânscrito grishastha, o qual denota uma das quatro “fases da vida” (asramas) tradicionais do hindu, prescritas pelos Vedas. Trata-se da fase da vida em que a pessoa já completou sua formação pessoal e encontra-se “vivendo no mundo”, trabalhando e envolvido com a vida familiar. Na falta de um correspondente em português (assim como em inglês), optamos por utilizar a tradução normalmente adotada de “chefe de família”. Contudo, gostaríamos de salientar ao leitor que, em um sentido mais amplo, esse termo quer dizer todo aquele que vive “no mundo”; ou seja, que não o renunciou fisicamente para se tornar um monge ou asceta.

Qualquer imperfeição ou erro encontrado no presente livro deve ser atribuído à tradução, e não aos editores dos livros originais, A. Devaraja Mudaliar e T.M.P. Mahadevan, muito menos ao Sábio de Arunachala.

Por fim, gostaria de agradecer sinceramente a: Sri Ramanasramam por nos ter cedido os direitos autorais, abrindo mão dos royalties, e por nos ter confiado a tarefa da tradução; Fernando Guedes de Mello OM, por ter sido o precursor desta tarefa e pela valiosa contribuição na tradução da primeira parte do livro; A.L.F, que optou por manter-se anônima, pela contribuição na tradução da segunda parte do livro e na revisão final; Pavani, por todo o apoio e assessoramento.

Que esta obra sirva como uma luz para orientar os buscadores da Verdade.

Niraj ([email protected]; www.advaita.com.br)

Parte I

Pérolas de Bhagavan

Prefácio

Há algum tempo, tenho considerado seriamente que um livro contendo um conjunto dos mais importantes ensinamentos de Bhagavan é uma aspiração de todos. Assim, por meio deste livro eu busquei, a meu modo, e de acordo com a luz e o melhor das minhas habilidades, prestar um pequeno serviço neste sentido. Espero que este serviço seja de grande valia aos leitores em geral e aos devotos de Bhagavan em especial, e possa ele ser aceito por Bhagavan como um esforço desta Sua criança em fazer algo de bom e útil.

A. Devaraja Mudaliar

Capítulo 1

Felicidade

Todos os seres desejam sempre a felicidade, uma felicidades sem qualquer traço de tristeza. Ao mesmo uma tempo, todos amam a si mesmos acima de tudo. A causa para o amor é só a felicidade. Assim sendo, essa felicidade deve residir dentro de nós mesmos. E mais, essa felicidade é experimentada diariamente por todos ao dormir, quando não há mente. Para atingir essa felicidade natural, temos que conhecer a nós mesmos. Para tal, a autoinvestigação “Quem sou eu?” é a melhor maneira.

A natureza do Eu Real é felicidade. Elas não são diferentes. A única felicidade que existe é a do Ser. Eis a verdade. Não existe felicidade nos objetos do mundo. É por causa da ignorância que imaginamos que ela deriva deles.

Se, como os homens normalmente imaginam, a felicidade depende de causas externas, é razoável concluir que sua felicidade deve aumentar com o acúmulo de posses e diminuir com a sua redução. Portanto, sua felicidade deveria ser nula se ele fosse desprovido de posses. No entanto, qual é a experiência do homem? Será que ela confirma esse ponto de vista? No sono profundo, o homem fica desprovido de todas as suas posses, inclusive o próprio corpo. Ao invés de ser infeliz, ele é completamente feliz. Todas as pessoas gostam de dormir profundamente. A conclusão, portanto, é que a felicidade é inerente ao homem, não se originando de causas externas. Você deve realizar o Eu a fim de acessar a fonte da pura felicidade.

Há uma história no Panchadasi ilustrando como nossas dores e prazeres são devidos às nossas ideias, e não aos fatos:

Dois jovens de um povoado fizeram juntos uma peregrinação ao Norte da Índia. Um deles morreu por lá. O outro, tendo conseguido um emprego, decidiu voltar para o povoado só algum tempo depois. Nesse ínterim, ele encontrou um peregrino no caminho e enviou um recado por meio dele com notícias suas e do amigo morto. O peregrino transmitiu a notícia e, ao fazê-lo, trocou inadvertidamente os nomes do vivo e do morto. Em consequência, a família do homem morto alegrou-se que ele estava bem e a família do homem vivo ficou pesarosa acreditando que seu jovem membro estava morto.

Eu costumava sentar no piso e deitar no chão. Nenhuma coberta para atrapalhar. Isso é liberdade. O sofá é um estorvo, uma prisão para mim. Não me é permitido sentar onde e como eu quiser. Não é mesmo uma prisão?[9] Devemos ser livres para fazer o que nos agrada e não sermos servidos por outros. “Nenhum querer” é a maior felicidade. Isso só pode ser realizado através da experiência. Nem mesmo um imperador é páreo para um homem sem desejos.

Capítulo 2

O Ser e o Não Ser: A Realidade e o Mundo

A existência ou Consciência é a única Realidade. Nós chamamos a Consciência o despertar, de despertar; a consciência com o sono, de sono; a Consciência com o sonho, de sonho. A Consciência é a tela na qual todas as imagens vêm e vão. A tela é real; as imagens são meras sombras sobre ela.

O Eu Real (Ātma) e as aparências que surgem nele – tal como a corda e a cobra que se “sobrepõe” a ela – pode ser ilustrado da seguinte maneira: Existe uma tela. Nela aparece primeiramente a figura de um rei. Ele senta no trono. Então, diante dele e na mesma tela, começa um jogo com várias pessoas e objetos; o rei na tela observa o jogo na mesma tela. O observador e a coisa observada não passam de sombras na tela, a qual é a realidade única que abriga todas as imagens. No mundo também, o observador e o observado constituem juntos a mente, que é sustentada pelo ou baseada no Eu Real.

A escola ajata do Advaita diz: “Nada existe a não ser a realidade única. Não há nascimento e nem morte, nem projeção e nem atração[10], nem buscador, nem aspirante à Libertação, nem ser Liberto, nem prisão e nem Libertação. Só a Unidade existe para sempre.” Aos que acham difícil apreender essa verdade e perguntam: “Como ignorar o mundo sólido que nos rodeia?”, a experiência do sonho é apontada e lhes é dito: “Tudo o que você vê depende do observador. Sem o observador, não há a observação”. Isso se chama drishti-srishti vāda, o argumento segundo o qual nós criamos a partir da nossa mente e, em seguida, vemos o que a própria mente criou.

Para aqueles que não podem compreender nem isso e argumentam: “A experiência do sonho é tão curta, ao passo que o mundo existe sempre. A experiência do sonho limita-se a mim, já o mundo é sentido e visto não só por mim, mas por muitos, e não podemos dizer que este mundo não existe”, o argumento inverso chamado srishti-drishti vāda lhes é endereçado: “Deus criou primeiro tais e tais coisas a partir de tal e tal elemento e então algo mais, e assim por diante”. Somente isso vai satisfazer-lhes. De outra forma, suas mentes não ficarão satisfeitas e eles se perguntarão: “Como pode toda a geografia, todos os mapas, todas as ciências, estrelas, planetas e leis naturais, serem totalmente falsos?”. Para essas pessoas é melhor dizer: “Sim, Deus criou tudo isso, e é por isso que vocês o percebem”. Todas essas teorias existem apenas para se adequar à capacidade dos ouvintes. O absoluto só pode ser um. Há primeiro a luz

Há primeiro a luz branca do Ser, digamos assim, que transcende tanto a luz como a escuridão. Nela, nenhum objeto pode ser visto. Não há nem observador e nem objeto observado. Então há também escuridão total (avidyā ou ignorância) na qual nenhum objeto é visto. Mas do Eu Real provém uma luz refletida, a luz da mente pura, e é essa luz que dá lugar à existência de todo o filme do mundo, o qual não é visto nem na luz total [Eu Real] nem na escuridão total, mas apenas na luz reduzida ou refletida [mente].

Do ponto de vista de Jñāna (Sabedoria) ou Realidade, o sofrimento do qual você fala certamente é um sonho, assim como o mundo inteiro, do qual esse sofrimento é uma parte ínfima, também o é. Em seu sonho, enquanto dorme, você sente fome e vê os outros sofrendo de fome. Você se alimenta e, movido por compaixão, alimenta os outros que você vê sofrerem de fome. Enquanto o sonho durava, todo aquele sofrimento era tão real quanto é o sofrimento que você vê no mundo agora. Foi só depois de acordar que você descobriu que aquele sofrimento era irreal. Você pode ter comido bastante antes de dormir, mas mesmo assim você sonhou que estava trabalhando o dia inteiro sob o sol ardente e que estava cansado e com sono. Então você acorda e descobre que seu estômago estava cheio e que você não saiu da cama. Mas isso não significa que enquanto você está no sonho você pode agir como se o sofrimento que sentisse não fosse real. A fome no sonho deve ser satisfeita pela comida do sonho. As outras pessoas famintas que você encontra no sonho devem ser alimentadas com a comida do sonho. Você nunca pode misturar os dois estados, o sonhar e o estar desperto. Da mesma forma, até que você alcance o estado de Jñāna (Realização), e assim desperte de māyā, você deve aliviar o sofrimento alheio sempre que entrar em contato com ele. Mas mesmo assim você deve agir sem ego (ahamkāra), isto é, sem o sentimento de que é você quem está agindo e ajudando. Em vez disso, você deve sentir: “Eu sou o instrumento de Deus”. Você também não deve ser vaidoso e pensar: “Eu estou ajudando um homem que está numa situação pior do que eu. Ele precisa de ajuda e eu posso ajudá-lo. Eu sou superior e ele é inferior”. Você deve ajudá-lo como um meio de venerar a existência de Deus nele. Todo serviço feito assim é um serviço prestado ao Eu Real, e não a ninguém em particular. Você não está ajudando ninguém além de si mesmo.

O livro Kaivalya Navaneeta responde a seis perguntas sobre māyā (ilusão), as quais são muito instrutivas:

  1. O que é māyā? A resposta é: Ela é indescritível.
  2. Para quem ela surge? A resposta é: Para a mente ou para o ego que se sente como uma entidade separada e que pensa “Eu faço isso” ou “Isso é meu”.
  3. De onde procede e como se originou? A resposta: Ninguém pode saber.
  4. Como apareceu? A resposta é: Decorre da falta de autoinvestigação (avichāra), do não se perguntar, “Quem sou eu?”.
  5. Se ambos existem, o Eu Real e māyā, isso não invalida a teoria do Advaita? A resposta é: Não necessariamente, uma vez que māyā é dependente do Eu Real assim como uma figura é [dependente] da tela. A figura não é real, no sentido de que a tela o é.
  6. Se o Eu Real e māyā são um, pode-se dizer que o Eu Real é da mesma natureza de māyā e, portanto, ilusório também? A resposta é: Não, o Eu Real é capaz de produzir ilusão sem ser ilusório. Para efeito de entretenimento, um ilusionista pode criar a ilusão de pessoas, animais e coisas, e nós os vemos tão claramente quanto vemos o próprio ilusionista; mas, após o espetáculo, só ele permanece e todas as ilusões que ele criou desaparecem. Ele não faz parte da visão, mas é sólido e real.

Os livros usam a seguinte ilustração para ajudar a explicar a criação: O Eu Real é como a tela para pintura. Primeiro uma pasta é espalhada para cobrir os pequenos orifícios na tela. Essa pasta pode ser comparada ao Espírito (antaryāmin) em toda a criação. Então, o artista traça um esboço na tela. Isso pode ser comparado ao corpo sutil (sūkshma sārīra) de todas as criaturas; por exemplo, a luz e o som (bindu e nāda), dos quais todas as coisas surgem. Dentro desse esboço, o artista pinta as figuras com cores, etc., e isso se compara com as formas grosseiras que constituem o mundo.

O Vedanta afirma que o cosmos surge junto com quem o vê. Não há uma criação passo a passo. É similar à criação no sonho, no qual o experimentador e os objetos da experiência surgem simultaneamente. Aos que não estão satisfeitos com essa explicação, as teorias de criação gradual são oferecidas nos livros.

Não é nada correto dizer que os seguidores do Advaita da escola de Shankara negam a existência do mundo ou que o consideram irreal. Pelo contrário, para eles o mundo é mais real do que para os outros. Seu mundo sempre existirá, ao passo que para as outras escolas de pensamento o mundo teve uma origem, tem um crescimento e terá um declínio – de forma que, como tal, não pode ser real. Os seguidores do Advaita dizem apenas que o mundo enquanto “mundo” não é real, mas que o mundo enquanto Brahman (o Absoluto) é real. Tudo é Brahman; nada existe a não ser Brahman, e o mundo enquanto Brahman é real.

O Ser é a única Realidade existente, e é pela luz do Ser que tudo o mais se torna visível. Nós esquecemos o Eu Real e nos concentramos naquilo que aparece. A luz do salão brilha, quer as pessoas estejam ou não presentes; ou, como no teatro, o palco está lá, quer as pessoas estejam ou não representando. É a luz em si que nos permite ver o salão, as pessoas e a representação, mas estamos tão absorvidos nos objetos ou aparências reveladas pela luz que não prestamos atenção à luz em si. Nos estados de vigília ou de sonho, nos quais as coisas aparecem, e no estado de sono profundo, em que nada vemos, a luz da Consciência ou do Eu Real está sempre presente, assim como as lâmpadas do salão que estão sempre brilhando. O que resta fazer é manter o foco no observador e não nos fenômenos observados; não nos objetos, mas na Luz que os revela.

Perguntas sobre a realidade do mundo e a respeito do sofrimento ou do mal no mundo cessarão quando você se perguntar: “Quem sou eu?” e descobrir o observador. Sem um observador, o mundo e seus alegados males não existem.

O mundo é formado pelas cinco categorias de objetos dos sentidos, e nada mais. Estas cinco espécies de objetos são percebidas pelos cinco sentidos. Como tudo é percebido pela mente através dos cinco sentidos, o mundo nada mais é do que a mente. Existe um mundo separado da mente?

Embora o mundo e a consciência surjam e desapareçam ao mesmo tempo, o mundo se manifesta ou é percebido somente através da consciência. Essa Fonte, na qual ambos surgem e desaparecem – sendo que ela mesma não aparece nem desaparece –, é a perfeita Realidade.

Se a mente – a fonte de todo conhecimento e atividade – se aquieta, a visão do mundo cessa. Assim como o conhecimento da corda real não surge até que a noção fantasiosa de uma cobra desapareça, a visão (experiência) da Realidade não pode ser alcançada, a menos que a visão sobreposta do universo seja abandonada.

A única coisa que realmente existe é o Ser. O mundo, jīva (a alma individual ou ego) e Deus (…shwara) são criações mentais, como a aparência de prata na madrepérola. Todas essas coisas aparecem e desaparecem simultaneamente. O Ser em si é o mundo, o ego e Deus.

Para o Iluminado (Jñānī), é irrelevante se o mundo aparece ou não. Aparecendo ou não, sua atenção está sempre focada no Eu Real. Tome, por exemplo, as letras e o papel em que estão escritas. Você está inteiramente absorto nas letras e não presta qualquer atenção ao papel. O Iluminado só vê o papel como sendo real substrato, apareçam ou não as letras.

Você faz todo tipo de doces com vários ingredientes e em vários formatos, e todos eles têm sabor doce porque têm açúcar, e doçura é a natureza do açúcar. Do mesmo modo, todas as experiências e mesmo a ausência delas contêm a iluminação, que é a natureza do Eu Real. Sem o Eu Real as experiências não podem ser vivenciadas, assim como sem o açúcar nenhuma das receitas que você faz ficará doce.

O Ser Imanente é chamado Deus (…shwara). A imanência só ocorre com māyā.…shwara é o Conhecimento do Ser juntamente com māyā. Do conceito sutil emerge a Consciência universal (Hiranyagarbha); da Consciência universal emerge a manifestação física e concreta. O Eu-Consciência é apenas puro Ser.

No que diz respeito à existência da dor no mundo, o Sábio fala a partir de sua experiência: se nos recolhemos no Eu Real, toda dor cessará. A dor é sentida apenas enquanto o objeto é diferente do sujeito; quando o Eu Real é reconhecido como um todo indivisível, quem resta para sentir o quê?

O texto do Upanishad “Eu sou Brahman” significa apenas que o Absoluto existe como “Eu”.


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