Com todo o esplendor que só a Hollywood do século passado pode oferecer, esta é uma narrativa inesquecível sobre os sacrifícios que fazemos por amor, o perigo dos segredos e o preço da fama. Lendária estrela de Hollywood, Evelyn Hugo sempre esteve sob os holofotes — seja estrelando uma produção vencedora do Oscar, protagonizando algum escândalo ou aparecendo com um novo marido… pela sétima vez. Agora, prestes a completar oitenta anos e reclusa em seu apartamento no Upper East Side, a famigerada atriz decide contar a própria história — ou sua “verdadeira história” —, mas com uma condição: que Monique Grant, jornalista iniciante e até então desconhecida, seja a entrevistadora. Ao embarcar nessa misteriosa empreitada, a jovem repórter começa a se dar conta de que nada é por acaso — e que suas trajetórias podem estar profunda e irreversivelmente conectadas…
Editora: Paralela; 1ª edição (21 outubro 2019); Páginas: 360 páginas; ISBN-10: 8584391509; ISBN-13: 978-8584391509; ASIN: B07XTNKQKF
Biografia do autor: TAYLOR JENKINS REID é autora de Os sete maridos de Evelyn Hugo, Daisy Jones and The Six, Amor(es) verdadeiro(s), Depois do sim, Em outra vida, talvez?, Para sempre interrompido e Malibu renasce. Seus livros tiveram seus direitos de adaptação para TV e cinema adquiridos. Ela mora em Los Angeles com o marido, a filha e um cachorro, mas pode ser facilmente encontrada em seu Instagram @tjenkinsreid.
Leia trecho do livro
Para Lilah
Destrua o patriarcado, querida
NEW YORK TRIBUNE
Evelyn Hugo leiloa vestidos
Por Priya Amrit
2 de março de 2017
A lenda do cinema e sensação dos anos 1960 Evelyn Hugo acaba de anunciar que vai leiloar doze de seus mais memoráveis vestidos na Christie’s a fim de arrecadar fundos para pesquisas de combate ao câncer de mama.
Aos setenta e nove anos, Hugo é considerada há décadas uma personificação do glamour e da elegância. Conhecida pelo estilo ao mesmo tempo sensual e recatado, muito de seus looks mais famosos são vistos como ícones da moda e da história de Hollywood.
Os interessados em adquirir uma parte da história de Hugo têm como atrativo não apenas os vestidos em si, mas também o contexto em que foram usados. Entre as peças leiloadas estão o Miranda La Conda verde-esmeralda que Hugo usou na cerimônia do Oscar de 1959, o vestido suflê em organdi com gola canoa com que compareceu à estreia de Anna Kariênina em 1962, e o Michael Maddax em seda azul-marinho que ela vestia em 1982 quando ganhou o prêmio da Academia por sua atuação em Tudo por nós.
Hugo se notabilizou por seus escândalos em Hollywood, entre eles seus sete casamentos, nos quais se inclui um relacionamento de longa data com o produtor cinematográfico Harry Cameron. O célebre casal hollywoodiano tinha uma filha, Connor Cameron, que sem dúvida é a maior influência por trás da iniciativa do leilão. A srta. Cameron faleceu no ano passado, vítima de câncer de mama, pouco depois de completar quarenta e um anos.
Evelyn Elena Herrera nasceu em 1938, filha de imigrantes cubanos, e foi criada no distrito de Hell’s Kitchen, em Nova York. Em 1955, foi para Hollywood, tingiu os cabelos de loiro e adotou o nome artístico Evelyn Hugo. Quase da noite para o dia, tornou-se membro da elite da indústria cinematográfica. Hugo permaneceu sob os holofotes por mais de três décadas, até se aposentar, no final dos anos 1980, e se casar com o executivo do mercado financeiro Robert Jamison, irmão mais velho da atriz Celia St. James, ganhadora de três Oscars. Hoje viúva do sétimo marido, Hugo vive em Manhattan.
Dona de uma beleza quase sobrenatural e sinônimo de glamour e sensualidade, Hugo é uma figura histórica do cinema, que desperta fascínio em cinéfilos do mundo inteiro. Espera-se que o valor de arrecadação do leilão ultrapasse os 2 milhões de dólares.
“Vamos até a minha sala um minutinho?”
Olho para as mesas ao redor e depois de novo para Frankie, para tentar saber com quem exatamente ela está falando. Em seguida aponto o dedo para mim mesma. “É comigo?”
Frankie não é lá muito paciente. “Sim, Monique, é com você. Foi por isso que eu disse: ‘Monique, vamos até a minha sala um minutinho?’.”
“Desculpa, é que eu só ouvi a última parte.”
Frankie se vira e sai andando. Pego meu caderno e vou atrás.
Há qualquer coisa em Frankie que chama a atenção. Não sei se dá para dizer que se trata de uma mulher atraente no sentido tradicional da palavra — suas feições são severas, os olhos muito separados —, mas é uma pessoa impossível de não olhar e admirar. Com sua silhueta magra, seu um metro e oitenta, seu cabelo afro bem aparado e seu gosto por cores vivas e joias grandes, quando Frankie aparece, todo mundo repara.
Ela foi um dos motivos para eu aceitar meu emprego. Já era uma admiradora sua desde a época da faculdade de jornalismo, quando lia suas matérias na revista que hoje ela dirige e para a qual eu trabalho. E, para ser bem sincera, é bastante inspirador ver uma mulher negra na chefia. Como eu mesma sou birracial — a pele morena e os olhos escuros puxei do meu pai, que é negro, e as sardas herdei da minha mãe, que é branca —, a presença de Frankie me faz acreditar que algum dia posso chegar a um alto cargo também.
“Pode sentar”, Frankie diz enquanto se acomoda no seu lugar e aponta para uma cadeira laranja do outro lado da mesa de tampo de acrílico.
Eu me sento sem pressa e cruzo as pernas. Deixo que ela fale primeiro.
“Então, tivemos uma reviravolta inesperada”, ela anuncia, olhando para o computador. “A assessoria da Evelyn Hugo veio nos sondar. Ofereceram uma entrevista exclusiva.”
Meu primeiro instinto é dizer Puta merda, mas também Por que você está me contando isso? “Sobre algum assunto específico?”, pergunto.
“Aposto que tem a ver com o leilão de vestidos que ela vai fazer”, diz Frankie. “Pelo que sei, ela está empenhada em arrecadar a maior soma possível para a Fundação Americana do Câncer de Mama.”
“Mas a assessoria não confirmou isso?”
Frankie faz que não com a cabeça. “Eles só confirmaram que Evelyn está disposta a falar.”
Evelyn Hugo é uma das maiores estrelas de cinema de todos os tempos. Mesmo se não estiver disposta a falar, as pessoas querem ouvir.
“Pode ser uma tremenda capa para a gente, né? Afinal, a mulher é uma lenda viva. Não foi ela que casou oito vezes ou coisa do tipo?”
“Sete”, diz Frankie. “E sim. O potencial é gigantesco. E é por isso que espero que você me ajude na parte que vou explicar agora.”
“Como assim?”
Frankie respira fundo e me olha de um jeito que me faz pensar que estou prestes a ser demitida. Mas aí ela diz: “Evelyn pediu para falar especificamente com você”.
“Comigo?” É a segunda vez em cinco minutos que fico surpresa por alguém demonstrar interesse em falar comigo. Preciso trabalhar melhor a questão da confiança. Por enquanto basta dizer que minha autoestima sofreu um tremendo baque há bem pouco tempo. Mas também não posso fingir que alguma vez já esteve nas alturas.
“Sendo bem sincera, foi essa a minha reação também”, diz Frankie.
Agora é a minha vez de ser sincera: esse comentário me deixou um pouco ofendida. Mas dá para entender por que ela falou isso, claro. Eu trabalho na Vivant há menos de um ano, e na maior parte do tempo escrevendo conteúdo patrocinado. Antes disso, eu alimentava o Discourse, um site de notícias e cultura que se define como revista mas na prática é um blog com manchetes chamativas. Eu escrevia principalmente para uma seção chamada “Vida Moderna”, cobrindo atualidades e fazendo artigos de opinião.
Depois de anos como freelancer, esse trabalho no Discourse foi a minha salvação. Mas, quando a Vivant me ofereceu um emprego, não dava para deixar passar. Agarrei a oportunidade de fazer parte de um veículo que é uma verdadeira instituição, de trabalhar com lendas do jornalismo.
No meu primeiro dia, passei por paredes decoradas com capas icônicas, de inegável importância cultural — uma com a ativista feminista Debbie Palmer nua, numa pose cuidadosamente estudada, no alto de um arranha- -céu em Manhattan em 1984; outra com o artista Robert Turner pintando um quadro com uma manchete que revelava que ele tinha aids, em 1991. Era uma sensação surreal fazer parte do mundo da Vivant. Sempre quis ver meu nome naquelas páginas de papel brilhante.
Infelizmente, porém, nas últimas doze edições, meu trabalho vem se resumindo a fazer perguntas antiquadas para gente velha e endinheirada, enquanto meus ex-colegas de Discourse estão tentando mudar o mundo com textos virais. Portanto, sendo bem direta, não estou muito orgulhosa de mim mesma.
“Olha, não é que a gente não goste de você”, diz Frankie. “Achamos que você tem futuro na Vivant, mas eu estava pensando em atribuir uma matéria como essa a uma pessoa mais experiente e tarimbada. Por isso eu quero deixar bem claro que nós não sugerimos o seu nome para a assessoria da Evelyn. Mandamos uma lista de cinco nomes de peso, mas eles responderam assim.”
Frankie vira o computador para mim e me mostra um e-mail de um homem chamado Thomas Welch, que suponho que seja o assessor de imprensa de Evelyn Hugo.
De: Thomas Welch
Para: Troupe, Frankie
Cc: Stamey, Jason; Powers, Ryan
Tem que ser Monique Grant ou a Evelyn está fora.
Olho de novo para Frankie, atordoada. E, para ser sincera, um tanto maravilhada por Evelyn Hugo ter vontade de fazer alguma coisa comigo.
“Você por acaso conhece Evelyn Hugo? O que está acontecendo afinal?”, Frankie me pergunta, virando o computador de volta para seu lado da mesa.
“Não”, respondo, surpresa inclusive com a pergunta. “Já vi alguns filmes dela, mas não são exatamente do meu tempo.”
“Você tem alguma relação pessoal com ela?” Faço que não com a cabeça. “Absolutamente nenhuma.”
“Você não é de Los Angeles?”
“Sim, mas a única ligação que posso ter com Evelyn Hugo é se meu pai tiver trabalhado em algum filme dela na época. Ele era fotógrafo de cena. Posso perguntar para minha mãe, se for o caso.”
“Legal. Obrigada.” Frankie fica me olhando com uma cara de expectativa.
“Você quer que eu pergunte agora?”
“Pode ser?”
Tiro meu celular do bolso e mando uma mensagem para minha mãe: O papai trabalhou em algum filme da Evelyn Hugo?
Vejo os três pontinhos aparecerem e, quando levanto os olhos, percebo que Frankie está tentando espiar minha tela. Ela parece sacar que está sendo invasiva e se inclina para trás.
Meu telefone apita.
Minha mãe responde: Talvez. Foram tantos filmes que fica difícil lembrar. Por quê?
É uma longa história, respondo, mas estou tentando descobrir se tenho algum tipo de ligação com Evelyn Hugo. Você acha que o papai a conhecia?
Minha mãe responde: Ha! Não. Seu pai nunca se envolvia com os famosos no set de filmagem. Por mais que eu pedisse que ele arrumasse uns amigos celebridades para a gente.
Eu dou risada. “Pelo jeito não. Não tenho nenhuma ligação com Evelyn Hugo.”
Frankie assente com a cabeça. “Certo. Bom, então a outra teoria é que o pessoal dela escolheu alguém com menos calibre para poder controlar você e, por tabela, a história que vai ser contada.”
Sinto meu celular vibrar de novo. Bem lembrado, preciso te enviar uma caixa com uns trabalhos antigos do seu pai. Umas coisas lindas. Gosto de ter tudo por aqui, mas acho que você vai saber apreciar melhor. Mando ainda esta semana.
“Você acha que eles estão procurando uma presa fácil”, digo para Frankie. Ela abre um sorrisinho. “Tipo isso.”
“Então a assessoria da Evelyn deu uma olhada no expediente da revista, viu meu nome entre o pessoal do baixo escalão e acha que pode me manipular. É essa a ideia?”
“É esse o meu medo.”
“E você está me dizendo isso porque…”
Frankie mede bem as palavras. “Porque não acho que eles consigam manipular você. Estão subestimando a sua capacidade. E eu quero essa capa. Quero essa visibilidade.”
“O que você está me dizendo, exatamente?”, pergunto, me mexendo de leve na cadeira.
Frankie bate as mãos na mesa e se inclina na minha direção. “Estou pedindo para você ir criando coragem para encarar um tête-à-tête com Evelyn Hugo.”
De todas as coisas que pensei que pudessem me pedir hoje, essa deve ser a milionésima nona da lista. Se eu tenho coragem de ficar cara a cara com Evelyn Hugo? Não faço ideia.
“Sim”, respondo por fim.
Eu quero essa oportunidade. Quero escrever essa matéria. Estou cansada de ficar na base da pirâmide alimentar. E preciso me dar bem alguma vez na vida, ora essa. “Hã, sim, porra?”
Frankie balança a cabeça, pensativa. “Assim é melhor, mas ainda não estou convencida.”
Tenho trinta e cinco anos de idade. Sou jornalista há mais de uma década. Quero escrever um livro algum dia. Quero propor minhas próprias pautas. Quero ser o primeiro nome que lembram quando alguém como Evelyn Hugo entra em contato. E estou sendo subutilizada aqui na Vivant. Para chegar aonde quero, alguma coisa precisa acontecer. Alguém vai ter que sair do meu caminho. E precisa acontecer depressa, porque a porcaria da minha carreira é a única coisa que me resta. Se eu quero que as coisas mudem, tenho que mudar a maneira como faço as coisas. E provavelmente de uma forma bem drástica.
“Evelyn quer falar comigo”, digo. “Você quer Evelyn na revista. Não me parece necessário ter que te convencer de nada, Frankie. Pelo jeito é você que precisa me convencer.”
Frankie fica em silêncio, me encarando com os dedos apoiados na mesa. Eu estava tentando causar um impacto positivo. Mas posso ter exagerado na dose.
Foi a mesma coisa quando comecei a fazer musculação e fui logo pegando os halteres de vinte quilos. Querer dar um passo maior que a perna é um sinal claro de que a pessoa não sabe o que está fazendo.
Preciso me esforçar ao máximo para não retirar o que disse e começar a pedir mil desculpas. Minha mãe me ensinou a ser educada, a ser contida. Sempre me guiei pelo princípio de que a subserviência é um requisito da civilidade. Mas esse tipo de postura não me levou muito longe. O mundo prefere respeitar as pessoas que querem dominá-lo. Nunca entendi isso, mas cansei de nadar contra a corrente. Estou aqui para assumir o lugar de Frankie algum dia, talvez até um cargo mais alto que o dela. Realizar trabalhos importantes, que me deem orgulho. Deixar minha marca. Ainda não cheguei nem perto disso.
O silêncio se prolonga tanto que me sinto prestes a capitular. A tensão cresce a cada segundo. Mas é Frankie quem se manifesta primeiro.
“Muito bem”, ela diz, estendendo a mão e ficando de pé.
Uma mistura de choque e orgulho intenso me domina quando a cumprimento. Faço questão de que meu aperto de mão seja bem firme. A mão de Frankie parece uma prensa.
“Arrasa, Monique. Pela revista e por você, por favor.”
“Pode deixar.”
Nós nos afastamos e eu me viro para sair. “Ela pode ter lido sua matéria sobre suicídio assistido para o Discourse”, Frankie comenta quando chego à porta.
“Quê?”
“Foi muito impressionante. Talvez seja por isso que ela queira falar com você. Foi assim que te descobrimos. A matéria é ótima. Não só pela quantidade de cliques que atraiu, mas por sua causa, pelo belo trabalho que você fez.”
Essa foi uma das primeiras matérias relevantes que fiz por iniciativa própria. Sugeri a pauta depois que me fizeram escrever sobre a popularidade cada vez maior dos microvegetais, sobretudo nos restaurantes do Brooklyn. Fui à feira do Park Slope para entrevistar um produtor local, mas, quando confessei que não via a menor graça nas folhas de mostarda, ele me falou que eu parecia a irmã dele, que era uma carnívora convicta até o ano anterior, quando tinha adotado uma dieta vegana e totalmente orgânica enquanto lutava contra um tumor no cérebro.
Conversando um pouco mais, ele me falou sobre um grupo de apoio ao suicídio assistido de que sua irmã fazia parte, e que servia tanto para quem queria encerrar a própria vida como para ajudar seus familiares. Havia um monte de gente no grupo lutando pelo direito de morrer com dignidade. A alimentação saudável não ia salvar a vida da irmã dele, e ninguém queria que ela sofresse além da conta.
Nesse momento senti que queria muito, muito mesmo, dar voz às pessoas que faziam parte desse grupo de apoio.
Voltei para a redação do Discourse e sugeri a pauta. Imaginei que seria recusada, porque antes disso só vinha escrevendo sobre as últimas tendências entre os hipsters e artigos de opinião sobre o comportamento de celebridades. Mas, para minha surpresa, recebi o sinal verde.
Trabalhei incansavelmente na matéria, comparecendo a reuniões em porões de igrejas, entrevistando membros do grupo, escrevendo e reescrevendo até achar que tinha um texto que desse conta de toda a complexidade do ato de ajudar a encerrar a vida de pessoas submetidas a um sofrimento extremo — tanto em termos de compaixão como do dilema moral por parte dos médicos.
É a matéria que mais me orgulho de ter escrito. Mais de uma vez, já cheguei em casa do trabalho e reli esse texto, para lembrar a mim mesma do que sou capaz, e da satisfação de sentir que compartilhei uma verdade, por mais difícil que seja encará-la.
“Obrigada”, digo para Frankie.
“Só estou tentando dizer que você tem talento. O motivo pode ser esse.”
“Mas provavelmente não.”
“Pois é”, ela responde. “Provavelmente não mesmo. Mas, se você escrever essa matéria como se deve, da próxima vez vai ser.”
fim da amostra…