Em novo livro sobre relacionamentos tóxicos, Isabela Freitas constrói o universo que deu origem ao best-seller Não se apega, não. Muito antes de decidir desapegar, Isabela passou por poucas e boas. De férias da faculdade de Direito e longe dos amigos Pedro e Amanda, às vezes ela se envolve com alguém para se distrair, mas nenhum ficante faz seu coração bater mais forte. Dessa vez, é só um garoto do curso de inglês. A única coisa que Isabela e Fábio compartilham são os beijos, e ela sabe que a história deles não tem muito futuro. A agitação da volta às aulas traz Gustavo Ferreira, que entra em sua vida de forma arrebatadora. Lindo e de uma tradicional família de Juiz de Fora (MG), ele a convida a embarcar em sentimentos totalmente novos. Isabela parecia ter encontrado o garoto dos sonhos… até despertar para uma realidade bem diferente. O que começa como conto de fadas logo muda de figura…
Páginas: 320 páginas; Editora: Intrínseca; Edição: 1 (2 de fevereiro de 2020); ISBN-10: 8551006096; ISBN-13: 978-8551006092; ASIN: B082KZ8X55
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Biografia do autor: Isabela Freitas, 29 anos, é autora dos best-sellers Não se apega, não, publicado em 2014, Não se iluda, não, de 2015, e Não se enrola, não, de 2016, que juntos venderam 1,5 milhão de exemplares. Sucesso nas redes sociais, a escritora mineira morou em São Paulo, no Rio de Janeiro e em 2019 retornou a Juiz de Fora, onde se dedica à maternidade e à literatura.
Leia trecho do livro
Para todos aqueles que ouvem
“eu te amo”,
mas não se sentem amados.
Quantas pessoas já disseram te
amar
enquanto te machucavam todos os
dias?
1
Não se diminua para caber no universo de alguém. O amor é para somar, nunca para diminuir.
2
É possível viver uma história de amor sozinho. Você se apaixona, ama e luta sozinho. Até que um dia percebe que, na verdade, sempre esteve sozinho nessa relação e que, em vez de dividir esse amor com alguém que não te ama, você deveria apenas SE amar. É bem melhor.
3
Nada em excesso faz bem. Ciúmes, desconfiança, obsessão e até amor demais… Muitas vezes as pessoas usam o amor como arma para machucar. E o amor deveria ser abrigo.
4
Aprenda a amar cada versão de si, sem o peso de querer ser quem você já foi ou a ânsia por ser alguém que você ainda não é.
5
Pessoas vêm, pessoas vão. Quem fica é você, só você. Fica também tudo que você aprendeu com as pessoas que passaram pela sua vida.
6
Um coração partido pode servir para duas coisas: ou você pega um caco dele, se machuca inteiro e machuca as próximas pessoas que passarão pela sua vida, ou você aprende a se reconstruir, a se reinventar, a colar pedaço por pedaço de si mesmo para ter um coração mais forte e mais bonito. Qual desses caminhos você prefere seguir?
7
O amor não oprime, não humilha, não cobra, não corta suas asas. O amor te quer sempre livre, voando cada vez mais alto.
8
O amor não oprime, não humilha, não cobra, não corta suas asas. O amor te quer sempre livre, voando cada vez mais alto.
9
Se afaste de quem diz que te ama só da boca para fora. Se afaste de quem quer viver um grande amor, mas não “se sente preparado”, de quem te quer sempre como refém, preso a possibilidades que nunca se concretizam.
10
A opinião dos outros não muda quem você é. Não ligue para o que as pessoas acham, falam ou supõem sobre você. Os acontecimentos têm a importância que damos a eles, por isso, opte por não dar importância alguma.
11
Se engana quem acha que as maiores decepções da vida são as amorosas. Não tem nada pior do que confiar em um amigo, contar seus sonhos, seus medos, dividir um pouco da sua vida, para no final ver tudo isso que você disse de peito aberto ser usado contra você para te ferir.
12
Pode largar aquilo que te machuca, vamos… Larga! A dor de tirar os espinhos que ficaram nunca será maior do que a dor de se agarrar ao que te machuca.
13
Não abandone seus amigos por causa de um relacionamento. Que tipo de amor é esse que pede para você se afastar do que te faz feliz?
14
O que as pessoas enxergam nos outros é o reflexo do que elas têm dentro de si. As pessoas são apenas seu espelho.
15
Você deveria se sentir feliz por ver as pessoas de quem já gostou seguindo em frente. Todos merecem seguir em frente. Inclusive você.
16
Aceitar que somos humanos e que erramos o tempo todo é libertador. Não se martirize por errar, mas se parabenize por continuar tentando até acertar. Vai, você consegue.
17
Quem ama quer enxugar suas lágrimas, quer achar uma solução para o que te deixa triste, quer tirar toda a dor do seu coração. Se a pessoa não faz isso, tenho más notícias: talvez ela não te ame tanto como diz.
18
Aceite seus sentimentos. Se permita sentir o que quer que esteja aí dentro… amor, raiva, tristeza. Deixe fluir, somos humanos, nós sentimos, é normal! O que não é normal é querer guardar os sentimentos e achar que isso não vai te prejudicar um dia.
19
Nunca apague seu brilho para que o outro brilhe mais do que você. Em um céu estrelado, todas as estrelas têm sua vez de brilhar.
20
Sabe por que a gente sempre encontra alguém melhor? Porque nós seremos melhores do que antes.
Me levantei sem entender muito bem onde eu estava e observei a cena ao meu redor. Ok. Definitivamente estava na casa do Gustavo. Eu seria capaz de reconhecer essa casa impecável em qualquer estado. Os móveis que antes estavam milimetricamente posicionados, talvez por obra de um designer de interiores, sem nem uma pecinha sequer fora do lugar, agora se encontravam revirados no chão. Mas, afinal, o que aconteceu aqui?! O nosso jantar da véspera estava todo espalhado pelo carpete caríssimo da Dona Carmem, em meio a um monte de cacos do que antes eram as louças chiques da família Ferreira. Eu não sabia quem tinha feito aquela bagunça, mas olha, de uma coisa eu sei: Dona Carmem não deixaria tudo isso barato.
Ah, mas não deixaria mesmo.
Tentei me levantar do sofá e senti uma dor no braço direito sem igual. Poxa vida. Eu nem estava malhando o suficiente para sentir dores musculares.
Percorri a sala como um detetive numa cena de crime.
Estava um caos.
Sem tirar nem pôr.
De repente, senti um calafrio percorrer meu corpo. Tentei me lembrar da noite anterior, mas não conseguia me lembrar de praticamente nada. Meu Deus, será que aquele caos era culpa minha? Eu tinha feito aquilo? Não, né? Pensamento positivo, Isabela, pensamento positivo. Veja bem, você não reviraria a mesa de jantar e deixaria tudo daquele jeito. Olhei novamente para a mesa, que estava mesmo de pernas para o ar. É. Com certeza eu não teria conseguido virar a mesa daquele jeito, porque, como já disse, não estava pegando nem um pesinho de dois quilos na academia, que dirá uma mesa de madeira maciça de não-sei-quantos-mil-quilos! Bem… Não eram mil quilos, mas vocês entenderam. Eu sou sagitariana, exageros são comuns por aqui.
Como é que as pessoas fazem mesmo nos filmes? Elas tentam reconstituir todos os seus passos. Vamos lá. Eu consigo. O Gustavo tinha me chamado para jantar na casa dele. Isso. Isso! Gustavo era meu namorado. E era lindo. Nossa, sim, muito lindo. Mas também era ciumento. Nossa, ele era muito ciumento. Inclusive, eu estava de saco cheio de ter que podar minhas atitudes para evitar cenas de ciúme, mas isso é papo para outra hora. Naquele momento, eu estava no meio do apocalipse e precisava me lembrar de quem eu era para conseguir me salvar. Rá-rá. Achar graça de tudo e fazer piada quando o mundo está desmoronando é comigo mesma. Prazer, Isabela. Vinte anos. Moro em Juiz de Fora e estudo na federal de Direito do meu estado, Minas Gerais. Eu amo gatos, o número 7 e batom vermelho. É. Acho que isso era o máximo que eu conseguia lembrar sobre mim mesma naquela situação.
De novo a dor no braço.
Pensei que talvez fosse melhor conferir como eu estava.
Olhei para baixo.
Minha saia vermelha estava rasgada. Rasgada . Era só o que me faltava. Não bastava ser universitária com medo de um futuro falido, eu ainda tinha rasgado minha saia favorita! Ah, não. Mexeram com a minha saia, mexeram comigo. Tá doido, tive que juntar dois meses da bolsa do estágio para conseguir pagar as parcelas. Isso não ia ficar barato mesmo. Dona Carmem, tô contigo! Esses assaltantes iam se ver com a gente. Ah, se iam. Porque só podiam ser assaltantes, certo? Quem mais reviraria a casa inteira e deixaria as coisas nesse estado? E ainda rasgaria uma pobre saia que não fez mal a ninguém? Assaltantes , é claro!
Comecei a revirar as almofadas do sofá à procura do meu celular, que ainda não tinha dado as caras. Não estava lá. Droga. Os assaltantes provavelmente tinham levado meu celular, era óbvio. Tentei calcular em quantos meses de estágio eu conseguiria pagar um celular novo. Pensamento positivo, Isabela, não pensa nisso agora. Andei até a cozinha quase me arrastando e encontrei outra cena caótica. Pelo visto, uma garrafa de vinho havia caído no chão, e aquele líquido avermelhado se espalhara pelo mármore, deixando a cozinha com um ar bem… macabro. Era essa a palavra. Macabro.
De repente, escutei um celular tocar… Meu Deus, meu Deus do céu, era o meu celular! De onde estava vindo aquele som? Olhei para a lixeira no cantinho da cozinha. Ali! Ali! Peraí. Meu celular estava na lixeira? Que tipo de assaltante jogaria um celular na lixeira? Achei ofensivo, poxa, tudo bem que meu celular não era de última geração, nenhum daqueles modelos que estavam na moda, mas dava para o gasto, viu? Abri a tampa da lixeira e ali estava ele.
TODO QUEBRADO.
Ah, não.
Isso só podia ser um pesadelo, não podia ser real…
Tentei atender a ligação da minha mãe (sim, minha mãe era a única pessoa que tentava me ligar além do meu namorado) e não consegui. Com a tela quebrada, não dava para mexer em nada. Desculpa mamãe, fica para a próxima. Tenho uma invasão de domicílio para solucionar no momento. Será que ainda dá para ter pensamento positivo?
Comecei a me questionar. Onde estava o meu namorado depois daquela confusão toda? A família dele tinha viajado para Búzios e nós íamos passar o Dia de Finados na casa do Gustavo. Até aí tudo bem.
Mas depois de tudo isso? Por que ele não ficou aqui para me proteger? Será que ele foi sequestrado pelos assaltantes? MEU DEUS! MEU DEUS! E se os assaltantes, na verdade, fossem sequestradores?
Então, tudo fez sentido.
Por isso eles quebraram meu celular e jogaram no lixo, é claro. Para que eu não tivesse uma comunicação rápida com a polícia. Rá! Mas eles não contavam com o fato de eu não ser apenas uma donzela em perigo, ah, não, e eu iria pessoalmente à polícia. Sou uma donzela que corre atrás dos seus direitos.
Fui até o banheiro pentear os cabelos, trocar de roupa e dar uma melhorada no visual. Afinal, eu não ia chegar de saia rasgada na delegacia, né?
Mas aí eu me olhei no espelho.
E a verdade me atingiu como um soco.
Que irônico.
Meu rosto estava desfigurado. Os dois olhos roxos. Havia sangue seco no meu nariz e na minha boca.
Não.
Não.
O que tinha acontecido?
Não.
Eu não queria me lembrar.
Não.
Eu não podia me lembrar.
Não.
Para, Isabela, esquece.
Esquece.
E aí eu me lembrei.
E entendi por que esqueci.
Não existia assaltante algum.
Tampouco sequestrador.
Gustavo não corria perigo.
Minha dor no braço não era por causa da academia. Eu nem estava indo malhar.
Meu celular quebrado não era para me impedir de ligar para a polícia.
A verdade era uma só: EU corria perigo.
Gustavo tinha me espancado na noite passada após uma crise de ciúme por eu ter colocado aquela saia vermelha. Era isso.
Olhei para a minha sainha vermelha rasgada e desatei a chorar. As lágrimas tomaram conta de mim, e fui deslizando devagarinho pela parede até ficar toda encolhida no chão gelado do banheiro. Eu estava envergonhada, com medo, sem saber o que fazer. Senti o gosto do sangue seco misturado com lágrimas na minha boca.
Por que isso estava acontecendo comigo? O que eu tinha feito de errado? Era minha culpa o descontrole do Gustavo? Afinal, eu sabia que isso poderia acontecer em algum momento. Sabia. E por que não terminei com ele antes? Por que não dei ouvidos a minha melhor amiga, a Amanda? Por que afastei todo mundo que gostava de mim? Por que não ouvi os conselhos da minha mãe que sempre me dizia para nunca aceitar uma atitude agressiva de um homem que viesse para cima de mim? Por quê? POR QUÊ?
Essas eram as perguntas que ressoavam na minha mente.
E então, como se não pudesse ficar pior, eu escutei uma voz gritando meu nome do lado de fora do banheiro.
— ISABELA, ABRE A PORTA AGORA. NÃO ADIANTA SE TRANCAR AÍ!
Era o Gustavo.
Comecei a tremer, o maxilar batendo de tanto nervoso. O que eu poderia fazer? Será que se tornar adulto era isso? Não saber o que fazer, mas mesmo assim ter que tomar uma decisão? Ninguém apareceria ali para me salvar. Ninguém. Meus pais achavam que eu estava passando o feriado em uma verdadeira lua de mel com o meu namorado. Minha melhor amiga, pff , estávamos brigadas exatamente porque ela tentou me alertar sobre o Gustavo. Os vizinhos pelo visto não se importaram com o barulho, e os empregados da família Ferreira estavam de folga. Eu precisava fazer alguma coisa. E rápido.
— ISABELA! — O som era acompanhado por socos na porta. — SE VOCÊ SABE O QUE É BOM PRA VOCÊ, ABRE ESSA PORTA AGORA! — Mais socos, agora mais fortes.
É isso. Eu precisava enfrentar a consequência das minhas más decisões. Me levanto para abrir a porta, como um guerreiro que desiste de lutar e se entrega ao seu adversário. Quando abro, encontro Gustavo todo ensanguentado. E quando eu digo todo, é literalmente TODO MESMO. Não tinha um pedaço de pele que não estivesse vermelho.
Olho assustada.
— OLHA O QUE VOCÊ FEZ COM A GENTE! OLHA SÓ! — grita ele, enquanto me mostra o sangue escorrendo pelos braços.
Gente! O que está rolando aqui?
— Gustavo, eu… Tento falar alguma coisa, mas a voz simplesmente não sai.
Fecho os olhos com força.
Isso não era para estar acontecendo.
Era inacreditável.
Ele me tocou com o braço ensanguentado e começou a passar o sangue em mim enquanto esbravejava com raiva que eu tinha feito aquilo com nós dois… Como assim?
O que eu fiz?
O que eu poderia ter feito?
• • •
Eu acordo.
Abro meus olhos e vejo Gustavo deitado ao meu lado, roncando com uma expressão feliz, abraçado a uma almofada e enrolado no cobertor.
Ah.
Não acredito.
Nós apagamos no sofá enquanto assistíamos a um filme.
As louças do jantar estavam intactas.
A mesa, no lugar de sempre.
A sala voltou a ser como sempre foi, impecável, sem nada fora do lugar.
Pego meu celular para ver as horas, 2h10 da manhã.
— Amor… Volta a dormir, estava tão bom aqui…
Gustavo me puxa para baixo das cobertas novamente.
Então me enrolo com ele nas cobertas, mas não consigo pegar no sono. Meus pensamentos estavam a mil. Ufa. Tudo isso só podia ser um pesadelo mesmo. Claro. O Gustavo nunca faria isso comigo. Olho para minha saia vermelha. Não. Ele nunca faria isso. Ele só disse que essa saia estava curta demais. É só uma opinião, certo?
Certo.
É.
Ele nunca faria isso comigo.
Nunca.
Nunca mesmo…
Faria?
— Amanda, para, sério.
Essa sou eu tentando convencer minha melhor amiga a parar de olhar na direção do garoto novo que havia acabado de entrar no pátio da nossa faculdade.
— Deixa de bobeira, Isabela! A faculdade INTEIRA está olhando para ele, que mal tem? Ele nem vai notar nós duas. Eu sou discreta, você sabe. — Amanda joga os cabelos pretos lisos para o lado e dá um risinho de cumplicidade.
Devolvo o risinho e deixo pra lá. Afinal, ele não iria mesmo notar nós duas. Sei lá, desde que entramos na faculdade, e isso já tem um ano (agora não éramos mais calouras! Uhul!), nós nunca fomos as primeiras da sala a serem notadas. Ou as mais disputadas. Não que fizéssemos alguma coisa para realmente sermos disputadas. Amanda e eu não estávamos nem aí. E esse sempre foi um dos motivos para não sermos as mais desejadas.
Quer dizer, eu até que me importava com esse lance de amor. Na verdade, eu estava BEM AÍ quando o assunto era relacionamento. O que não me interessava mesmo eram os caras da faculdade. Deus me livre. Só mala.
Uma coisa importante sobre expectativas: não as crie. Mesmo que seja uma expectativa fofa, bonitinha, abandonada no meio da rua e segurando uma plaquinha de “Procura-se alguém para me criar”. Se houver alternativa, não pegue essa expectativa para você. Não existe uma situação em que a expectativa não acabe com pelo menos 1% da sua sanidade. Quando criamos expectativas, esperamos algo, almejamos algo. E quando queremos algo com muita vontade, fantasiamos todos os detalhes, criamos a cena na nossa cabeça, planejamos até a roupa que vamos usar na ocasião… E aí, quando você se dá conta, lá se foram longas horas imaginando como você realmente queria que uma situação acontecesse… para nada.
Essas coisas que fantasiamos nunca acontecem. Desiste, sabe? Ao longo dos meus anos de vida, uma expectativa nunca se cumpriu por completo, ao menos não do jeitinho que minha mente imaginou — isso até em situações em que criei expectativas que se cumpriram em parte —, e quando eu digo nunca, é nunca mesmo. Essas coisas não acontecem, entende? É difícil admitir em voz alta, afinal, seria muito mais fácil se tudo acontecesse exatamente do jeitinho que queríamos que acontecesse. Mas não acontecem. E está tudo bem.
Assim como também está tudo bem eu ter criado um milhão de expectativas em relação à faculdade e quase nenhuma ter se cumprido de fato.
Está ótimo.
Tudo bem mesmo.
Eu só queria que existissem muitas festas de fraternidade na faculdade. Só isso.
Ah! E que existissem armários para a gente guardar nossos livros pesados de Direito. Aproveitando, queria também garotos maduros e interessantes pelos corredores. E que eu e Amanda formássemos um grupo tipo o de Friends com mais alguns amigos legais, e que fôssemos amigos atééé ficar bem velhinhos, relembrando nossos tempos de faculdade.
Mas não. Não tem nada disso. Tudo que eu tenho é…
— ISA? ISA! Você está incrível… Deixa eu te mostrar minha bolsa nova! Você não vai acreditar… É couro fake de cro-co-di-lo! Marina vem de longe, balançando suas pulseiras cheias de pingentes (sinceramente, acho que ela só usa essas pulseiras para fazer barulho e anunciar quando está chegando), e chega toda esbaforida mostrando para nós a sua incrível bolsa de crocodilo que havia comprado em uma li-qui-da-ção.
Como definir a Marina? Ah, a Marina…
A Marina é uma colega de faculdade que eu mantinha perto, mas que, sinceramente, não tinha muito a ver comigo. Ela se vestia de um jeito bem chamativo e gostava de falar pau-sa-da-men-te. Como se não fôssemos entender caso ela não falasse dessa forma. Às vezes, chamávamos a Marina para fazer parte de algum trabalho em grupo quando estava faltando alguém, mas não passava disso. Acho que ela só não tinha mais amigos porque causava certo receio nas pessoas. Vai saber. Ela era extremamente linda. Dos pés à cabeça. Morena cor de jambo, olhos verdes, lábios grossos. Marina sabia como deixar os caras aos seus pés. Ela só tinha um probleminha…
— E aí, zoio puxado?! Sentiu minha falta? — diz ela para Amanda, como se só tivesse se dado conta da presença da minha amiga naquele instante. A Marina só pensava em si mesma e, às vezes, era bem… inconveniente. Essa é a palavra.
Amanda dá de ombros e continua observando o garoto novo.
Mandy nunca teve muita paciência com essa minha “amizade”. Ela sempre diz que a Marina é o tipo de pessoa que não é amiga de ninguém e, eu, às vezes, fico me perguntando se ela não teria razão em pensar assim. A Marina gosta mesmo de diminuir os outros sempre que surge a oportunidade.
— Estão de olho no garoto novo, hein? — Marina percebe o olhar da Amanda. — Segue a ficha completa, meninas… Gustavo Ferreira. Vinte anos. Libriano. Solteiro. Herdeiro de uma das famílias mais ricas e tradicionais de Juiz de Fora, os Ferreira. Eu o conheço há anos. Posso apresentá-lo, se quiserem — concluiu ela.
Me pergunto se ela realmente tem alguma intimidade com ele. Parece ser só mais uma das mentirinhas que a Marina conta para se sentir superior na rodinha de conversa.
— Isabela, 20 anos, sagitariana, pegando um garoto do curso de inglês, filha dos meus pais mesmo, procurando um estágio. Prazer — respondo para Marina.
Mandy dá uma gargalhada, me encarando com os olhos brilhando de tanta animação.
De repente, somos interrompidas por uma voz grossa e arrastada:
— Muito prazer… Isabela. Garoto do inglês, hein? Gostei, gostei. Me parece um relacionamento bem promissor.
O novato para do meu lado e dá aquela conferida em mim de cima a baixo. Poxa vida, que garoto mala . Chegou no meio do assunto e ainda quer zoar o garoto do inglês? Quer dizer, o Fábio? Tudo bem que ele não é o príncipe que eu pedi a Deus e que nossas conversas se resumem a… Bem, a gente não conversa muito. Mas quem precisa de conversas, né? Ninguém. Ninguém mesmo… O Fábio merecia mais do que isso, sinceramente.
— Espero que ainda não esteja cansada de mim, pois eu acabei de chegar. — Ele dá uma piscadinha muito brega com o olho esquerdo, depois fica parado em uma pose de vendedor de eletroeletrônicos anunciando alguma promoção e esperando minha reação. Olha, eu juro que me segurei para não rir. Ele acha isso sexy? Nossa. Com certeza ele achava. Meu Deus… Devia estar procurando mais uma garota para a sua coleção.
Olho de canto de olho para Mandy, que rapidamente entende o recado e me puxa pela mão. — Com certeza a Isa queria muito ficar aqui com vocês, mas o dever nos chama!
Com isso, Mandy belisca forte meu braço. Entendo o recado e entro no jogo.
— Putz! Eu esqueci completamente! Nosso grupo do trabalho deve estar nos esperando na biblioteca…
Ajeito a mochila nos ombros para passar um ar de garota-estudiosa-que-vai-para-a-biblioteca-fazer-muitos-trabalhos e dou um tchauzinho tímido com as mãos.
Gustavo e Marina apenas nos observam.
— Então é isso… — diz Mandy, saindo pelo lado direito do pátio.
Enquanto isso, pelas nossas costas, Marina cantarola com a voz fina, como uma sereia:
— “A biblioteca é para o outro laaadooo.”
— Mimimi, a biblioteca é para o outro ladooo — zomba Amanda, imitando a voz da Marina enquanto subimos os degraus de três em três até o terraço do prédio da faculdade de Direito. No fim da tarde, depois das aulas, nós gostávamos de nos reunir no terraço do nosso bloco. Não, não era permitido, masquem liga? O pôr do sol muitas das vezes era incrível, e só se vive uma vez, não é?
— Não sei como você suporta essa garota, Isa. Ela é muito chata! — desabafa Mandy.
— Ah, eu tenho pena… Ninguém gosta dela — respondo, meio envergonhada de admitir isso. Porque era verdade. A
Marina era muito querida entre os garotos. Em contrapartida, todas as meninas viravam a cara para ela e não faziam muita questão de se aproximar. Não posso dizer que ela colaborava para que fosse diferente, porque a Marina é do tipo que acha que as outras mulheres estão sempre competindo com ela, e esse clima de competição entre nós é muito chato. Apesar de tudo isso, eu sempre tentava relevar. Marina merece ter pelo menos uma amiga na faculdade. Ou colega. Ou o que quer que eu seja. Finjo que gosto da bolsa de couro de crocodilo falso, e, em troca, ela me passa informações sobre o novato. Vai dizer, é uma bela troca, hein?
— Sei lá… Ela não me passa confiança. Não sei… — Amanda morde o lábio inferior e abre a porta de incêndio que dá para o terraço.
Eu sei muito bem que quando minha melhor amiga morde o lábio é porque está preocupada. Claro. Amanda Akira é minha fiel escudeira. É a mais nova do grupo, porém, de longe, a mais inteligente. Pergunte qualquer coisa para a Amanda, tipo, qualquer coisa mesmo. E ela te responderá com detalhes, teorias, suposições, monografias de TCC e o que mais ela puder. Amanda pode parecer tímida de primeira, mas com certeza é a mais destemida do grupo. Por ser mais racional do que eu, por exemplo, ela consegue muito bem dizer o que pensa, o que acha, o que sente. Sem aquele medo do que vão pensar dela. É ela que puxa meus dois pés para o chão quando estou sonhando mais do que realizando, e é ela que me dá o ombro amigo para chorar quando faço (mais) uma das minhas burradas. Amanda Akira ama se vestir com camisetas largas de bandas de rock, adora estudar programação e fazer retiro espiritual com os pais. Era descendente de japoneses, por isso ostentava os olhinhos puxados e os cabelos bem lisos, que ela mantinha sempre na altura dos ombros, além de um sorriso que sempre me acolhia.
Definitivamente, nós nos entendíamos apenas com o olhar.
— Mas Mandy, pensa comigo… O que a Marina pode fazer com a gente? Nos atacar com um guarda-chuva feito de couro falso de um animal exótico da Tailândia? Queimar o nosso filme para o Gustavo? Rá-rá. Depois de hoje, nosso filme já está mais do que queimado. Se bobear, nem existe mais. Deixa essa paranoia pra lá, Mandy! Se ela tinha algo para falar, já falou para o novato quando fomos para o lado oposto da biblioteca, parecendo duas baratas tontas e perdidas. — Dou uma risadinha. — Ele deve ter nos achado duas idiotas… Que tipo de garota foge de um cara gato daqueles? É por isso que não somos as mais desejadas da faculdade… Mandy ajeita os óculos e prende o cabelo em um rabo de cavalo.
— Ele é realmente bonito, né? Coisa rara por aqui. Pena que parece chatinho …
— Sabe o que é pior? — pergunto.
— Pior do que errarmos o caminho da biblioteca?
— Hoje é o primeiro dia de aula, Mandy. Que trabalho teríamos para fazer?!
Amanda dá um tapa na testa.
— Você é uma idiota, Isa. Meu Deus… Como eu não pensei… E como senti falta disso! Da minha amiga que vive se metendo em encrenca e dando desculpas esfarrapadas…
Ela me abraça. Hoje é o primeiro dia de aula, passamos as férias todas sem nos ver. A saudade estava nos matando.
— Hum… Estamos carinhosas hoje? — A voz dele chega por trás, fazendo minhas costas ficarem arrepiadas. — Eu também ganho um abraço?
Dou um sorriso. Nem preciso me virar para saber de quem se trata.
Pedro Miller.
O último integrante do nosso grande grupinho de apenas três pessoas.
Conheci o Pedro em uma festa. Foi nessa época que meu melhor amigo de anos, Eduardo, de repente resolveu fingir que não me conhecia, porque a namorada dele havia “mandado”. Quem nunca teve aquele amigo que troca você pela namorada nova, e que ainda pede para que você “entenda”, que atire a primeira pedra. E é aquela história, a gente entende, claro que entende. Mas bem longe do tal “melhor amigo”, e com a certeza de que não haverá chances para arrependimento. Não existe isso. Deixar de ter amigos porque está namorando. Deixar de conversar com alguém do sexo oposto porque a pessoa com quem você está se relacionando pediu. Loucura, viu? Mas tudo bem.
Ao chegar na tal festa, vi meu melhor amigo de longe, e senti como se uma faca estivesse retalhando meu coração. Ele virou a cara para mim, como se não me conhecesse… Foi duro. Me senti o ser mais solitário de todos, sem ninguém para conversar, sem a pessoa que sempre foi meu porto seguro… Me senti vazia. Em meio a minha vontade louca de chorar, resolvi tomar um ar na área de fumantes e, naquele momento difícil, ele apareceu… como um anjo.
Tá.
Não como um anjo, anjo de verdade, daqueles vindos do céu.
Ele tinha os cabelos bagunçados e negros como a noite, os olhos azuis como o mar. Estava com uma jaqueta preta de couro, calças jeans rasgadas e All Star velho. Ah, e ele fumava também. Um anjo fumante de casaco de couro. Século XXI, né? Rá-rá.
Só sei que ele me salvou naquele dia.
E vem me salvando desde então.
Incrível quando encontramos pessoas assim em nossas vidas.
Pedro Miller também tem 20 anos, nasceu em São Paulo e se mudou aos seis anos com a mãe para Juiz de Fora. Além da mãe, tem o pai do Pedro, mas ele nunca me contou muito sobre a relação deles. Desconfio de que sua infância tenha sido conturbada, já que todas as vezes que tentei falar sobre os outros membros da família ele deu um jeito de desconversar, e eu consegui ver algo nos olhos dele… raiva. Concluí que essa não é uma história que ele queira partilhar com a gente, não ainda . Pedro é um cara no mínimo intrigante.
Ele adora passar horas e horas conversando sobre teorias da conspiração (ok, eu também amo), extraterrestres, destino, universo… É fascinado por tudo aquilo que não pode compreender.
Pedro foi a pessoa que me fez ficar apaixonada por esse tipo de assunto, já viramos noites formulando teorias, imaginando coisas, sonhando com as outras vidas que já tivemos antes dessa… Pedro é muito criativo, tem o dom da música, de vez em quando toca violão pra gente e se arrisca até a cantar. Pode não parecer, mas ele é extremamente carinhoso com as mulheres da sua vida (mesmo que seja um sacana! Ele é daqueles que te enganam fácil exatamente por isso), daqueles caras com quem você fica hoje e amanhã está apaixonada… Sabe aquele cara que para e te escuta, que presta atenção nas coisas que você gosta? Então…
Esse é o Pedro Miller.
Mas como nem tudo é perfeito, Pedro é aquariano e vive se esquivando de um relacionamento sério. E, apesar de acreditar nas mais diversas teorias, Pedro Miller não acredita no amor. Pelo menos é o que ele me diz. Apesar de gostar de se manter discreto e evitar os holofotes, ele acaba chamando a atenção aonde vai. Seus cabelos negros, jogados sem muita precisão para o lado, os olhos azuis profundos e intensos, o maxilar bem marcado, seus 1,87m de altura, e os músculos do abdômen bem definidos (ok, confesso que sim, eu já vi os músculos do meu melhor amigo) não passam despercebidos. Cada semana Pedro tem uma “companhia” diferente.
Não sei como ele consegue, sério. Não que ele esteja errado, de forma alguma. Cada um faz o que quiser da vida. Mas é que nessa minha vidinha de sonhar com contos de fada e príncipes perfeitos, eu não consigo imaginar como seria NÃO SE APAIXONAR.
A pior parte de entrar de férias com certeza é ficar.
fim da amostra…