Livro ‘Querida Konbini’ por Sayaka Murata

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Irasshaimasê! Observando as konbinis japonesas (abreviação do termo em inglês para loja de conveniência) Sayaka Murata identificou o cenário perfeito para seu romance. As onipresentes cadeias de minimercados são parte fundamental da vida urbana no Japão: refeições prontas, revistas, artigos de higiene pessoal, peças de roupa, serviços como entregas ou pagamentos de contas, tudo isso é oferecido, 24 horas por dia, 365 dias por ano. A protagonista e narradora de Querida konbini é Keiko Furukura. Aos 36 anos, Keiko nunca se envolveu romanticamente e, desde os 18, trabalha numa konbini – todos insistem que ela arranje um trabalho sério ou, pior ainda, um marido...
Editora: Estação Liberdade; KONBINI edição (13 setembro 2018)  Páginas: 152 páginas  ISBN-10: 8574482951  ISBN-13: 978-8574482958

Sobre o Autor: SAYAKA MURATA nasceu em 1979 em Inzai, na província de Chiba, próxima a Tóquio. Fã de mangás e ficção científica, desde a infância já escrevia histórias. Seu romance de estreia QUERIDA KONBINI (Estação Liberdade, 2018) ― que já vendeu mais de 1 milhão de exemplares em todo o mundo ― rendeu-lhe o prêmio Akutagawa em 2016. Antes, havia recebido os prêmios Gunzo e Noma, em 2003 e 2009, ambos voltados para novos escritores, e o prêmio Yukio Mishima, em 2013. Os temas abordados por ela costumam se relacionar à não conformidade dentro da sociedade japonesa nas relações de gênero, trabalho e na sexualidade, muitas vezes incorporando aspectos distópicos ou de horror. Seu conto “Um casamento limpo”, sobre um casal que deseja conceber um filho sem fazer sexo, foi publicado na Granta Vol. 13: Traição, também em tradução de Rita Kohl.

Leia trecho do livro

A konbini — a loja de conveniência — é repleta de sons. O sino que toca quando um cliente entra e a voz de uma atriz famosa anunciando novos produtos na rede interna de rádio. Os cumprimentos dos funcionários e o apito do leitor de códigos de barras. Um produto que cai na cesta de compras, a mão que aperta uma embalagem plástica, os saltos dos sapatos caminhando pela loja. Tudo isso forma o “som da konbini”, que agita meus tímpanos incessantemente.

Alguém pega uma garrafa da geladeira e, com um pequeno ruído — krrr —, a esteira põe outra garrafa no lugar. Levanto o rosto. Geralmente, os clientes pegam as bebidas geladas por último e se dirigem ao caixa, então meu corpo reage sozinho ao ouvir esse som. A cliente que pegou uma água mineral gelada ainda não foi para o caixa, está escolhendo uma sobremesa. Volto a baixar o olhar para as minhas mãos. Enquanto capto os incontáveis sons espalhados pela loja de conveniência e registro suas informações, meu corpo organiza na prateleira os oniguiris¹ que acabaram de ser entregues. Eles são os itens mais vendidos durante esta parte da manhã, junto com sanduíches e saladas. Do outro lado da loja, outra funcionária temporária, Sugawara, inspeciona os produtos com um pequeno escâner. Sigo organizando metodicamente os oniguiris assépticos, preparados por máquinas. No centro, coloco duas fileiras do lançamento desta estação, recheado de ovas e queijo. Depois, duas fileiras dos de atum com maionese, os mais populares da casa, e, na extremidade, os de flocos de peixe bonito, que não vendem muito. Praticamente não uso a cabeça. Nessa função, o mais importante é a velocidade, e meus músculos apenas obedecem às regras já gravadas dentro de mim.

Ouço um leve ruído de moedas — tlim! — e meus olhos se voltam em direção ao caixa. Sou bastante sensível a esse som, pois quando os clientes tilintam moedas, na palma da mão ou no bolso, em geral é um sinal de que estão com pressa e só querem comprar rapidamente um cigarro ou um jornal. De &to, um homem caminhava em direção ao caixa, com uma mão no bolso e a outra segurando um café em lata. Atravesso a konbini num instante, deslizo para a área do caixa e o cumprimento antes que ele precise esperar.

Irasshaimasê, bom dia!

Com um cumprimento discreto, recebo a lata de café que ele entrega.

— Vê para mim um maço do cigarro número 5, também.

— Pois não.

Pego imediatamente um Marlboro Light Mentol, exposto na prateleira com o número 5, e escaneio seu código de barras.

— Por gentileza, confirme sua idade na tela.

Enquanto o homem toca a tela para assegurar que é maior de idade, noto que seus olhos se movem para a vitrine de fast-food e interrompo meus gatos. Uma opção neste momento seria perguntar se ele deseja mais alguma coisa, mas quando um cliente está considerando se compra ou não algum produto, prefiro aguardar sua decisão.

— E uma salsicha empanada.

— Pois não, senhor, só um instante.

Esterilizo as mãos com álcool, abro a vitrine e embrulho uma salsicha empanada.

— Coloco a bebida gelada e o lanche quente em sacolas separadas, senhor?

— Não, não. Pode botar tudo junto.

Sem demora, acondiciono o café em lata, os cigarros e o salgado em uma sacola plástica tamanho P. O homem, que mexia nas moedas dentro do bolso, parece se lembrar de alguma coisa e leva a mão ao bolso da camisa. Por esse gesto, já concluo que ele irá pagar com cartão.

— Vou pagar com o cartão Suica.

— Claro. Encoste o cartão no leitor, por gentileza. Meu corpo se move por reflexo, lendo cada pequeno movimento e olhar dos clientes. Meus olhos e ouvidos são sensores indispensáveis para assimilar cada gesto e cada intenção. Ajo de acordo com as informações captadas, sem hesitar, sempre tomando cuidado para não encarar demais o cliente e deixá-lo desconfortável.

— Seu recibo. Volte sempre!

O homem pega o recibo com um breve aceno de cabeça e sai da loja.

Irasshaimasê! Bom dia, desculpe a demora!

Cumprimento a cliente seguinte, que aguardava na fila. Sinto a manhã fluindo normalmente dentro da pequena caixa iluminada que é a loja.

Do lado de fora dos vidros perfeitamente polidos, sem uma única marca de dedo, vejo as pessoas caminhando às pressas. Mais um dia começa. É a hora em que o mundo desperta e todas as suas engrenagens se põem a girar. Também estou em movimento, como uma dessas engrenagens. Sou uma peça no mecanismo do mundo, rodando dentro da manhã.

Estou prestes a voltar à organização dos oniguiris quando Izumi, a líder dos funcionários temporários, me chama.

— Furukura, há notas de cinco mil aí no caixa?

— Só duas.

— Puxa, que coisa! Hoje todo mundo resolveu usar notas de dez mil… Talvez seja melhor eu ir trocar dinheiro, depois que o pico da manhã acalmar e as entregas acabarem.

— Seria ótimo!

Ultimamente está faltando mão de obra durante a noite, então o gerente tem vindo no turno da madrugada. Durante o dia é Izumi quem cuida da loja, como se fosse uma empregada efetiva da empresa. Ela é uma mulher da minha idade que trabalha como temporária para complementar a renda do marido.

— Então acho que vou ao banco lá pelas dez! Ah, mais uma coisa. Hoje vai chegar uma encomenda de inari sushi, atenda o cliente quando ele vier retirar, por favor.

— Pode deixar!

Olho o relógio. São nove e meia. Em breve a hora mais movimentada da manhã vai terminar. Será o momento de organizar rapidamente os produtos que acabaram de chegar e preparar a konbini para o horário de pico do almoço.


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