Por milhares de anos, os judeus, e depois os cristãos, passaram a ser conhecidos como “o povo do Livro”, dada sua reverência às Escrituras. Acontece que a Bíblia é uma construção histórica e espiritual que envolveu não apenas a revelação divina gradual, mas também a participação de pessoas divinamente inspiradas, cada uma a seu tempo e dentro de um contexto específico. Em A Bíblia de álef a ômega, Rodrigo Silva ― uma das maiores autoridades brasileiras sobre o tema, com doutorado em Teologia e Arqueologia ― mostra como a Palavra de Deus chegou aos nossos dias e por que é digna de credibilidade. O autor aborda todos os aspectos envolvidos nesse processo: os redatores do Antigo e do Novo Testamento, os idiomas utilizados, os originais usados como fontes e os critérios de autenticidade...
Editora: Ágape; 1ª edição (30 junho 2020) Páginas: 352 páginas ISBN-10: 6557240072 ISBN-13: 978-6557240076 ASIN: B08JWG8Z3D
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Biografia do autor: Rodrigo Silva possui graduação em Teologia pelo Instituto Adventista de Ensino do Nordeste (1992), graduação em Filosofia a pela Unifai (1999), mestrado em Teologia Patrística pela Faculdade Jesuíta de Filosofia a e Teologia (1996), especialização em Arqueologia pela Universidade Hebraica de Jerusalém (1998), doutorado em Teologia Bíblica pela Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. Assunção (2001) – atualmente vinculada à PUC -SP –, doutorado em Arqueologia Clássica pela Universidade de São Paulo (2012) e estudos pós-doutorais com concentração em Arqueologia Bíblica pela Andrews University, EUA (2008). É professor de Teologia e Arqueologia do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp), curador do Museu de Arqueologia da Unasp e apresentador do documentário semanal Evidências, transmitido pela TV Novo Tempo.
Leia trecho do livro
Ágape
“O dr. Rodrigo Silva conseguiu uma proeza da alquimia literária: fundir elementos tão distintos e divergentes numa solução elegante e honesta. A magia desta obra consiste em nos guiar passo a passo ao mundo descrito nos textos bíblicos. O autor abrange desde noções de crítica textual, passando pelos delicados e complexos temas da canonização, até nos convidar a confiar na veracidade das Sagradas Escrituras. Um texto singular por dizer tanto em tão poucas páginas. Mais que um texto, um convite à teologia bíblica.”
Evandro L Cunha, Ph.D., professor de Teologia, Religião e Filosofia no Uninta, doutor em Línguas e Culturas Antigas pela Universidade de Barcelona
“Compreender as nuances da construção do texto bíblico sempre se demonstrou um grande desafio para todos os que buscaram empreender essa nobre tarefa. Neste livro, o dr. Rodrigo Silva apresenta um estudo detalhado sobre elementos imprescindíveis e basilares da constituição do livro sagrado para os cristãos, a Bíblia. O livro trata da Bíblia como obra divino-humana e suas nuances históricas, literárias e teológicas. E para todos os que desejam ampliar seu conhecimento e tentar mudar a realidade temerária da desculturalização bíblica emergente brasileira, o estudo desta literatura é uma ótima opção.”
Pr. Clodoaldo Tavares dos Santos, professor de Grego e Novo Testamento na Faama, mestre em Teologia — EST, doutorando em Novo Testamento na TLAP
INDRODUÇÃO
A Bíblia, um livro fascinante
Ainda me lembro com nostalgia quando, aos sete anos, pedi a meus pais uma Bíblia Ilustrada de presente. Era uma manhã de domingo e um vendedor chegou à minha casa oferecendo o precioso livro, já que meu pai não comprara dele a enciclopédia que tentou lhe vender. Com muita insistência, acabei ganhando aquele exemplar sob a forte advertência de que aquele seria meu presente de Natal e que não adiantava pedir outra coisa. Eu nem liguei. Já tinha o que queria. Apesar de crescer num ambiente não religioso — meus pais eram “católicos não praticantes” —, minha devoção pelo Santo Livro começara desde cedo.
Era uma Bíblia grande, capa preta e dourada, ilustrada a quatro cores, repleta de quadros renascentistas, alguns Caravaggio e outros tipos que ilustravam as histórias do Antigo e do Novo Testamentos. Eu decorei cada desenho e ficava me exibindo para as visitas, passando uma por uma as páginas ilustradas e dizendo do que se tratava. Coisa de criança.
Depois vieram os estudos teológicos, o tempo passado em Israel e outros estudos mais. Porém, nunca me desliguei desse livro. Eu sempre soube que alguma coisa dentro dele daria um rumo especial à minha vida. Não deu noutra: aqui estou eu publicando pela Editora Ágape mais um título, visando tornar conhecido o conteúdo do maior livro de todos os tempos.
A emoção é tanta que tomei a liberdade de escrever esta introdução num tom autobiográfico. Como dizia Karl Barth, “tenho lido muitos livros, mas a Bíblia é o único livro que me lê”. Verdade! Nas páginas do Gênesis, sinto-me objeto do desejo do Deus que a si mesmo bastava, mas resolveu contar com a humanidade. Quando vou para Êxodo, é como se estivesse fugindo a pé do Egito na companhia dos hebreus. O livro de Jó parece falar das minhas tragédias e o de Eclesiastes, de minhas inquietudes. Os evangelhos falam do meu herói (Jesus) e o Apocalipse, da minha esperança.
Dizem que um casal resolveu, certa vez e por conta própria, estudar junto uma velha Bíblia que tinha em sua casa. Depois de uma semana lendo todos os dias vários capítulos, o marido virou para a esposa e falou:
— Se esse livro estiver certo, nós estamos errados.
Uma semana depois, foi a vez de a esposa falar para o marido:
— Se esse livro estiver certo, nós estamos é perdidos!
Na terceira semana, o marido concluiu, maravilhado:
— Se esse livro estiver certo, acho que nós podemos ser salvos!
E eu posso garantir para você: o livro está certo! São anos de investigação acadêmica confirmando isso. Contudo, a convicção com a qual escrevo agora ultrapassa em muito as ideias expressas nesta pesquisa. Trata-se de uma certeza que advém da experiência com o Autor do livro, Deus. Aquele que nos criou e inspirou os profetas a traduzir verdades celestes num “sotaque” humano.
Homilético demais? Talvez. Então venha comigo conhecer a história da Bíblia Sagrada. Aprenda como seus livros foram escolhidos, como podemos saber que se trata de um livro divino, quem o dividiu em capítulos e versículos, como podemos confiar na transmissão de seu conteúdo… essas e outras temáticas, tenho certeza, falarão à sua alma e fascinarão sua mente. Se você permitir, o mesmo Deus que tocou em minha vida tocará hoje na sua. A Bíblia ainda continua fascinando pessoas. Seja mais um a se deixar ler pelo Sagrado Livro.
CAPÍTULO UM
A BÍBLIA COMO
LITERATURA
O que é a Bíblia?
A Bíblia Sagrada é, sem dúvida, um dos maiores livros da História. Para aqueles que possuem a fé judaica ou cristã, ela é muito mais que um livro antigo e interessante. É a voz de Deus expressa em linguagem humana. Um compêndio por meio do qual o Espírito Santo usou homens para se dirigir com amor à humanidade e revelar os propósitos divinos para ela.
Victor Hugo declarou: “A Inglaterra tem dois livros principais, Shakespeare e a Bíblia. A Inglaterra fez Shakespeare, mas a Bíblia fez a Inglaterra.” Poderia ter dito mais. A Bíblia quase fez o mundo inteiro. Praticamente todo o Ocidente e boa parte do mundo oriental. Em que pesem as críticas feitas ao Livro Sagrado, há de se admitir que muitas vidas foram transformadas pela Bíblia, e pessoas dotadas de grandiosíssima envergadura intelectual creram piamente no que ela diz. Logo, não se trata de um livro qualquer.
Ninguém nega que seu texto foi produzido por homens. A Bíblia não caiu pronta do céu nem foi ditada por anjos. Contudo, seus autores não falaram sozinhos, eles foram inspirados e movidos pelo Espírito de Deus. Noutras palavras, emprestaram sua voz e estilo para que Deus pudesse falar com “sotaque” humano. E o que o Todo-Poderoso tinha de tão importante para nos dizer? Que ele nos ama e que, aconteça o que acontecer, ainda temos um Pai celestial que em breve intervirá uma última vez na História para trazer a justiça e inaugurar a eternidade.
Essa mesma visão da inspiração bíblica como um todo pode ser vista em 2Timóteo 3:16: “Toda Escritura é divinamente inspirada por Deus” (theópneustos, lit. “soprada pelo Espírito de Deus”; em hebraico, beruach há-kodesh). Logo, pode-se dizer que a Bíblia foi um presente dado pelo céu a cada um de nós.
Nenhuma obra literária enfrentou maior questionamento crítico-científico do que o texto da Bíblia Sagrada. Muitos a acusaram de ter sido modificada ao longo dos anos para satisfazer os interesses políticos da Igreja. Mas isso não é verdade. Graças a diferentes critérios acadêmicos e laboratoriais, podemos dizer que temos em mãos praticamente o mesmo conteúdo dos livros canônicos originais, da forma como saíram das mãos dos autores inspirados. Ainda que um texto ou outro seja tema de disputas hermenêuticas e tenhamos reconhecidos problemas de crítica textual (como algumas discrepâncias entre os diferentes manuscritos), aquilo que era importante para a salvação dos homens foi maravilhosamente preservado.
Tanto a origem como a preservação do texto bíblico são fortes argumentos para a existência do Deus que inspirou essas páginas. Afinal de contas, sempre que alguém precisa confirmar algo a seu favor, apela-se para uma testemunha superior (ainda que circunstancialmente) que possa apresentar um depoimento em sua defesa. É assim que funcionam os procedimentos jurídicos em geral, e também algumas questões corriqueiras do dia a dia. Um pai que confirma para o diretor que o filho de fato esteve doente pode ajudar tremendamente na reposição de uma prova.
Por isso, pode-se dizer que a testemunha tem autoridade singular, pois confere certeza ao depoimento de uma pessoa. Deus, no entanto, por ser incomparavelmente maior, não precisaria de outro (circunstancialmente superior) que desse testemunho a seu respeito. Ele em si mesmo se basta. Contudo, por sua infinita bondade, Deus preferiu contar conosco. É neste sentido que sua Palavra é, ao mesmo tempo, um testemunho que ele dá de si usando seres humanos para reproduzi-la. A Bíblia é, em síntese, um grande testemunho da existência de Deus.
O livro mais famoso do mundo
A Bíblia é, sem dúvida, o livro mais impresso e divulgado no mundo inteiro. Seria também o mais estudado? Difícil dizer. Mas o fato é que uma pesquisa das Sociedades Bíblicas Unidas (UBS, a sigla em inglês) concluiu que cerca de 2,5 bilhões de cópias tinham sido impressas e distribuídas entre 1815 e 1975. Porém, mais recentemente, o livro Guiness de recordes publicou que esse número superaria 5 bilhões de exemplares distribuídos em 349 idiomas (algumas fontes falam em 6 bilhões). Se considerarmos ainda aqueles que têm pelo menos partes da Bíblia em seu vernáculo, esse número saltaria para mais de 2,4 mil línguas e dialetos ao redor do mundo que possuem a Bíblia traduzida no todo ou em parte.
Somente os Gideões Internacionais distribuem por dia mais de 170 mil exemplares da Bíblia em todo o mundo. Isso significa que, a cada minuto — ou o tempo em que você levar para ler toda essa página —, 120 novas bíblias foram entregues em diferentes cantos do planeta.
O segundo livro no ranking dos mais publicados e distribuídos do mundo seria o famoso Livro Vermelho, do lider comunista Mao Tsé-Tung, que trazia citações do ditador chinês compiladas por Lin Piao, seu ministro da Defesa. Diferentemente da Bíblia, a distribuição e a leitura eram obrigatórias, impostas pelo governo. Mesmo assim, o que se tem aqui é um distante segundo lugar, pois, de acordo com as fontes oficiais, o Livro Vermelho estaria disponível em menos de quarenta idiomas, com uma tiragem de pouco mais de 1 bilhão de cópias distribuídas pela China e restante do mundo.
Que contraste, não é mesmo? E as diferenças não param por aí. O conteúdo de ambos os livros é assombrosamente diferente. De acordo com o Livro Vermelho de Mao, “devemos apoiar tudo o que o inimigo combate e combater tudo o que o inimigo apoia”. E mais: “A revolução é uma insurreição, um ato de violência pelo qual uma classe derruba a outra.”
Já na contramão dessa cultura, temos os ensinos de Cristo, que diz: “Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós a eles; porque esta é a lei e os profetas” (Mateus 7:12). Além disso, temos o conselho de Paulo: “Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem” (Romanos 12:21).
O Livro Vermelho tornou-se uma espécie de bíblia para a juventude chinesa dos anos 1960 e 1970, e foi peça-chave do maior fervor ou fanatismo revolucionário do século 20, a chamada Revolução Cultural, que ceifou a vida de muitas pessoas e tornou a China um dos países mais isolados do mundo inteiro.
Alguns podem argumentar que a Bíblia também provocou muitas mortes nos tempos da Inquisição, mas isso não é verdade. Foi a autoridade eclesiástica de então que mandou matar em nome da fé. A leitura da Bíblia, além de proibida para a população em geral, era um dos motivos da pena capital, pois muitos foram mortos apenas por ter em casa um exemplar do Livro Sagrado ou tentar lê-lo por conta própria sem autorização da Igreja. Autoridade eclesiástica e ensinamentos bíblicos não são, necessariamente, sinônimos perfeitos. A história, portanto, das Escrituras Sagradas está bem distante daquela relacionada ao Livro Vermelho da China comunista.
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