Você pode conhecer Rick Chesther como “o cara do vídeo da água” ou“o ambulante que usa o isopor da Mangueira”. Você pode até ter ouvido dizer que ele foi palestrar em Harvard ou assistido a uma de suas palestras no Brasil. Mas ele é muito mais que um vídeo, que um livro, que uma palestra. Rick é um cidadão que virou um gigante quando se levantou e conseguiu inspirar milhares de pessoas a fazerem o mesmo. Um cara que nasceu sem muita escolha, mas provou que só as escolhas o fariam chegar aonde queria. Sem grana, mas com a esperança do brasileiro que não perde o brilho nos olhos quando sabe que desistir não é uma opção. Em Pega a Visão, você saberá toda a história dele, desde o tempo em que vendia verduras que ele mesmo havia plantado no quintal de sua casa, aos 8 anos. A vida de Rick nos ensina que não há lugar no topo para quem para de lutar…
Editora: Buzz Editora; 1ª edição (20 setembro 2018); Páginas: 208 páginas; ISBN-10: 9788593156724; ISBN-13: 978-8593156724; ASIN: 23 x 15 x 1.2 cm
Leia trecho do livro
Dedico essa obra, em memória, à minha avó, Dona Ida, “a mãe Ilda”, mãe de meu pai e matriarca maior de nossa família. Ela faleceu durante o período que eu escrevia o livro, e quis Deus que ela não vivesse para ver o livro de seu neto. Descanse em paz Vó.
Prefácio
Desde pequenos, somos forjados dentro de uma linha de montagem que nos apresenta um único modelo de vida: estudar, se formar, arrumar um emprego e comprar uma casa financiada em trinta anos por um banco do governo. Se tudo der certo, será nessa casa que passaremos a nossa velhice ao receber a aposentadoria do INSS . O mundo mudou, o modelo tradicional de emprego entrou em declínio e pouca gente percebeu isso. Estabilidade não existe.
Pensando nisso, decidi separar uma parte do meu tempo para assumir uma missão pouco tangível, mas, desde quando as redes sociais começaram a bombar no Brasil, percebi que nelas eu teria um canal para realizá-la. Que missão é essa? Procurar transmitir uma mensagem pouco difundida dentro das salas de aula, das conversas nos bares e nos meios de comunicação: uma mensagem de incentivo ao empreendedorismo. De lá pra cá, incentivos, choques de realidades e exemplos de casos de sucesso foram utilizados no sentido de apresentar para as pessoas que é possível sair dessa caixa, é possível construir projetos que nos proporcionem independência financeira e, ao mesmo tempo, continuar colaborando com a sociedade. Em meio a mais de 5 milhões de seguidores, não foram poucos os exemplos de jovens que ousaram sair do padrão e se libertaram do modelo tradicional. Jovens que empregam em vez de fazerem parte das estatísticas dos desempregados, que enriqueceram em vez de serem um a mais na lista dos 63 milhões de brasileiros endividados e que descobriram que são capazes de muito mais do que o mundo lhes apresentou, em vez de nutrirem incertezas sobre o futuro. Definitivamente, valeu a pena todo o esforço.
No mês de abril de 2018, um amigo me mandou um vídeo no WhatsApp. Nele, aparecia um homem negro, aparentemente pobre, mas que articulava uma oratória notável. Seus argumentos lógicos, executados em meio a uma aritmética precisa, provavam por A + B, a existência de uma fórmula – já executada pelo interlocutor – para quem estava desempregado no Rio de Janeiro. Vender água na praia de Copacabana mostrava-se um negócio factível para quem tivesse disposição para, de forma definitiva ou provisória, sair das agruras do desemprego. Em seguida, ele disparava: “Ah, vender água não é pra você? Então a crise não está no país. Está dentro de você”. Finalizava, cortando como uma espada afiada.
Em apenas sessenta segundos, percebi que ele ostentava um poder de confronto e choque de realidade maior do que eu mesmo possuía. Por mais que eu viesse de classes baixas e tendo construído tudo que construí nos últimos vinte anos, sempre pairava uma dúvida no ar: “Para o Flávio falar é fácil. Ele não entende a minha realidade”. É claro que entendo a realidade de quem começa sem apoio, pois passei por tudo isso, porém, a percepção comum me tirava o poder de ajudar quem precisava desse choque, bem como de enxergar algumas verdades. Infelizmente, eu não conseguia mais ajudar a um determinado grupo que precisava ouvir o mesmo que eu teria a dizer. Porém, transmitir essa mensagem se tornou possível através de alguém que estivesse mais próximo da sua realidade e que tornasse crível a verdade que poderia mudar sua vida.
Assim que terminei de assistir ao famoso vídeo da água de Rick Chesther, que acabei de descrever, postei em meu Instagram e perguntei se alguém o conhecia. Em pouco tempo, Rick falou comigo ao telefone, nos encontramos em Curitiba, ele foi até São Paulo, onde assinou com a editora Buzz, compareceu a dezenas de palestras, palestrou em Harvard, me visitou em Orlando, assinou contratos publicitários e hoje, apenas três meses depois de tudo isso, estou aqui, tendo a honra de escrever o prefácio de seu livro.
Rick tem experiência de vida – duras experiências – ao mesmo tempo que tem alguns valores que ficam muito claros para quem convive com ele. Lealdade é um desses valores. Hoje, o seu talento e a missão de transmitir essa mensagem foram abraçados por meios de comunicação e eventos corporativos por todo o Brasil. Suas palavras são simples, sinceras e com a firmeza para fazer com que você saia do lugar. É bonito ver a simplicidade da sabedoria e a destreza de um mensageiro.
Como ele mesmo diz, é “a palavra de um mensageiro. Apenas um mensageiro e nada mais.”
Flávio Augusto da Silva
Fundador da Wise Up, proprietário do Orlando City Soccer Club e Presidente da Wiser Educação.
o Mensageiro aprendiz
Quando comecei a escrever este livro, não sabia que muitas mudanças ainda estavam previstas em minha trajetória. Nem sonhava que um dia palestraria em Harvard. Eu era um vendedor de água que persistia nas areias de Copacabana, insistindo em não desistir.
Alguns começaram a me ver como embaixador do empreendedorismo porque eu levava o empreendedorismo em minhas falas, que eu era um palestrante, embora eu só usasse a palestra para dizer que devemos falar ao invés de calar diante das situações. Outros diziam que eu deveria escrever um livro. Mas perguntei a mim mesmo “como assim, eu, escritor?”. Nunca fui escritor, apenas identifiquei que eu poderia usar o livro como forma de contar uma história e fazer com que outras pessoas pudessem enxergar a si próprias e, assim, conseguissem transformar suas dificuldades em possibilidades. Foi então que enxerguei que, em forma de livro, eu poderia levar aquela mensagem.
Descobri também que não sou um milionário, mas, em forma de mensagem, sigo dizendo para as outras pessoas que qualquer um pode, desde que quem pleiteie essa regalia esteja disposto a pagar o preço.
Descobri que não sou empreendedor, mas através de minhas próprias experiências de vida provei que, no empreendedorismo, toda pessoa pode sair de ‘menos dez’ e chegar onde quiser. E, assim sendo, levo também essa mensagem a todos.
Por fim, descobri que também não sou empresário, mas mostrei que qualquer um que tiver o mínimo de organização e o máximo de empenho para lutar as lutas que devem ser lutadas, sem se acovardar, pode abrir uma empresa e prosperar dentro do nosso país.
Concluo dizendo que não sou um empresário, escritor, empreendedor, palestrante ou milionário.
Sou apenas um mensageiro aprendiz. Isso mesmo: um mensageiro convicto de que não sabe uma vírgula sequer a mais que ninguém, mas, sim, alguém que, dia a dia, aprende algo novo e repassa através de sua mensagem.
Um mensageiro aprendiz que só quer deixar, por meio de mensagem, o fato de que todo ser humano é uma esponja e, como tal, todos temos a possibilidade de escolher o que iremos sugar, quando iremos sugar, o que iremos descartar e quando iremos descartar.
Cada um absorve o que quer do meio em que vive.
Um mensageiro aprendiz disposto a rodar o mundo promovendo a libertação através do conhecimento. O que me levou a escrever o livro é que leio muito desde 1999. Período em que abandonei a sala de aula, mas não o conhecimento. Foi aí que passei a ser um apaixonado pela leitura e defensor declarado de tal prática. Eu passei a ler nessa época três a quatro livros por semana. Sempre que eu pisava em livrarias e bibliotecas, via que eram como hospitais equipados para curar pessoas.
Toda vez que a pessoa entra numa livraria, ela está buscando remédio para se curar. Toda vez que uma livraria fecha, é como um lugar de cura fechando as portas para pessoas que estão doentes e necessitam que aquele lugar se mantenha aberto para que elas também se mantenham vivas.
Vivemos, hoje, um tempo sombrio, onde é cada vez mais comum o fato de nos depararmos com livrarias baixando as portas, tempo de pessoas que se dizem na era da informação e avanços tecnológicos, mas que não estão tendo e nem repassando o hábito de ler. Sinto que devemos reverter esse quadro. Reverter esse quadro é falar de leitura, escrever livro, vender livro, ler e consumir livros, incentivando outras pessoas a lerem também. Hoje, essa é minha missão. Escrever o livro e mandar a mensagem através dele, sabendo que podemos transformar esse mundo.
Essa transformação só virá através do conhecimento, e uma das formas de se adquirir conhecimento é através da leitura. Esse é um dos maiores fundamentos que sigo e, agora, quero repassar para aqueles que querem realmente se destoar da manada e caminhar fora da curva.
Sou apenas um mensageiro aprendiz e, sendo mensageiro, meu compromisso é ser uma voz de uma nação. Então, nas páginas seguintes, este humilde mensageiro-aprendiz se sente um privilegiado por poder compartilhar alguns ensinamentos adquiridos ao longo desses 41 anos. Vamos lá!
Tudo “da Silva”
A infância difícil, porém honesta e digna
Meu nome é Richesther Paaltiel da Silva, na infância eu era o Tuca, depois o Rick e hoje sou Rick Chesther da Silva. Só para constar, eu sou assim mesmo. Assim como a água, eu modelo meu curso de acordo com a natureza do solo por onde vou passando.
Sou o mineiro mais carioca que você vai conhecer na sua vida. Filho do Sr. Roxo e da Dona Pretinha – ou melhor: filho de José e Maria. Meu pai é José Raymundo da Silva. Minha mãe, Maria Antônia Silva.
Sou um brasileiro raiz, com tudo que tenho direito. Tenho “da Silva” no nome. Um pé na Mangueira, que é a escola de samba mais querida do planeta, e outro no empreendedorismo – um nome que aprendi depois de muito tempo “trabalhando por conta”.
Esse Rick que está escrevendo um livro hoje já tem passaporte no bolso e vê o Rio de Janeiro lá do avião, enquanto olha emocionado o Cristo Redentor bem à sua frente, como se ele abrisse os braços só para mim.
Mas esse Rick só está aqui porque vendeu muita verdura no carrinho de mão, vendeu muito picolé, sacolé, vendeu muita água em seu isopor na areia quente e pesada de Copacabana. Esse Rick ainda anda de trem, de metrô, sobe o morro e se mistura, mesmo tendo acesso a muitas outras coisas hoje.
Para você entender melhor meu jeito de ver a vida, vou lhe contar a minha história.
Nasci lá em Pitangui, Minas Gerais, e fui criado em Campina Verde. Terceiro filho do Sr. Roxo e da Dona Pretinha. Somos cinco filhos: Ringo, Cláudia, Dila e Rôn, além, é claro, desse que vos fala. Eu sou o do meio. Tem um casal antes e um casal depois de mim. Desde que nasci, vejo meu pai trabalhar. Muito.
Ao longo do livro, você vai perceber que falarei muito desse cara. Se você tivesse um pai que nem o meu, também iria se orgulhar. Meu pai chegou no que eu chamo de “topo”. Mas calma que eu vou chegar lá.
Sr. Roxo é pedreiro, é motorista, é gestor de obra, é carpinteiro, é operador de máquina. Sr. Roxo é aquele cara que sempre empreendeu. Que sempre colocou comida na mesa de casa, aquele cara que não deixa a peteca cair, não deixa a engrenagem parar. Aquele cara que já levanta com brilho nos olhos, dá um beijo na esposa, reza junto com ela, dá a bênção para os cinco filhos e sai para trabalhar. Sr. Roxo é meu herói.
Para falar de onde eu vim, eu tenho que falar dele. Porque ele é a minha raiz.
Meu pai é movido por família. Um cara que nunca teve ambição com posses, mas que nunca escondeu uma enorme preocupação em deixar o melhor para quem vem depois dele. Ou seja, ele fazia no presente para que isso determinasse o futuro. O nosso futuro.
Eu digo que meu pai soube direitinho como deixar um tesouro para os filhos.
Movido por sua família, ele tinha como causa principal contribuir com a formação pessoal dos filhos e se empenhava nisso. Ele sabia muito bem que tipo de filho queria deixar para o mundo.
Você até pode achar um exagero, mas o Sr. Roxo merece um capítulo todinho só para ele, porque, se todo pai agisse como ele agiu com seus filhos, eu tenho certeza de que todo brasileiro pensaria de forma diferente.
Meu pai sabia que educação se dava dentro de casa e fazia isso da melhor forma possível.
Eu nasci em 1977. Para ser mais exato, em 24 de maio de 1977. Era o terceiro da fila de filhos. O último dos cinco irmãos nasceu em 1982.
A molecada estava sempre reunida brincando lá em casa. Éramos muito unidos e eu tenho uma lembrança bem bonita desse período. Nós não tínhamos televisão nem celular, e já tínhamos nos mudado várias vezes em virtude das dificuldades.
Mesmo assim, éramos felizes. Ou melhor, éramos muito felizes.
Eu e meus irmãos brincávamos de rodar pneu na rua, de fazer o que sabíamos com os instrumentos que tínhamos em mãos ali no terreiro. O período mais feliz da minha vida seria aquele em que vivi junto com a turminha lá de casa. Apesar dessa infância feliz, eu não precisei crescer muito para conhecer de perto o sofrimento.
Aí você se pergunta:
Mas Rick, por que você disse que nessa época conheceu o sofrimento de verdade, se era a melhor fase da sua vida?
Eu vou chegar lá.
Talvez você ache que sofrimento seja queimar o pé descalço na areia de 40° C de Copacabana carregando 68 quilos dentro de um isopor com a alça cortando o ombro e as costas. Talvez você ache sofrimento ter que dividir um pequeno pedaço de carne com seus irmãos por não ter muito o que comer.
Mas eu acho que sofrimento mesmo nós vivemos no dia em que vimos nossa mãe ser desenganada pelos médicos.
Naquele dia, ela teve um derrame cerebral. Eu tinha cinco anos e não entendia muito bem o que estava acontecendo, mas sabia que algo não estava nada bem. Meu pai ali, visivelmente emocionado, tentando conseguir um carro para levar minha mãe para o hospital. Eu estou falando de 1983, quando carro era considerado artigo de luxo. Nenhum vizinho tinha. Não me lembro como, mas alguém conseguiu um carro e todo mundo foi correndo para o hospital. Imagina só aquela criançada toda numa sala de emergência olhando para o médico, que dizia:
– O quadro dela é muito delicado. Nesses casos a medicina não pode fazer quase nada…
Eu era muito novo, mas me lembro direitinho desse dia. Um homem vestido de branco chamou toda a família. A máquina que vê o batimento cardíaco estava ligada e eu ficava olhando o coração da minha mãe bater por aquela tela. Aquele risquinho subia, descia e me dizia que ela ainda respirava e que o coração dela ainda funcionava. Para mim, a minha mãe estava viva, mas para o médico, a vida dela tinha acabado ali.
– Humanamente, nós não podemos fazer nada. Mas essa máquina está aqui dizendo que ela ainda vive. Se esses risquinhos pararem, significa que nós perdemos a paciente.
Tinha duas palavras ali que eu tinha prestado bem atenção. Era criança, mas entendia um bocado de coisa.
Primeiro ele tinha dito “humanamente”. Ou seja: ele dizia que nenhum ser humano poderia fazer nada. Só que desde bem pequeno eu já sabia que existe um Ser Superior que definiria isso. Quem iria salvar minha mãe não era homem nenhum. Era Deus. E foi ali que descobri o que digo até hoje: “Deus não dorme”. O médico tinha tido a felicidade de usar o “humanamente” para provar que restava apenas a fé. E fé nós tínhamos de sobra.
O que ele não sabia é que estava falando aquilo para a família “da Silva”. A família “da Silva” não conhecia limites. Sempre fomos uma família de muita fé, que acreditava que Deus estava no comando. Ou seja: se humanamente não era possível salvá-la, a nossa fé nos dizia que não deveríamos desistir daquela luta. A outra palavra que me chamou atenção foi quando ele se referiu à mamãe como “paciente”.
Tinha duas palavras ali que eu tinha prestado bem atenção. Era criança, mas entendia um bocado de coisa.
Primeiro ele tinha dito “humanamente”. Ou seja: ele dizia que nenhum ser humano poderia fazer nada. Só que desde bem pequeno eu já sabia que existe um Ser Superior que definiria isso. Quem iria salvar minha mãe não era homem nenhum. Era Deus. E foi ali que descobri o que digo até hoje: “Deus não dorme”. O médico tinha tido a felicidade de usar o “humanamente” para provar que restava apenas a fé. E fé nós tínhamos de sobra.
O que ele não sabia é que estava falando aquilo para a família “da Silva”. A família “da Silva” não conhecia limites. Sempre fomos uma família de muita fé, que acreditava que Deus estava no comando. Ou seja: se humanamente não era possível salvá-la, a nossa fé nos dizia que não deveríamos desistir daquela luta.
A outra palavra que me chamou atenção foi quando ele se referiu à mamãe como “paciente”.
Cara, aquela ali era minha mãe. Talvez para ele fosse só mais uma paciente, só que aquelas cinco crianças perderiam a mãe. Minha mãe não era só uma paciente. Dona Pretinha tinha que tratar de ficar viva.
Ali a galerinha sentiu o impacto. As palavras do doutor faziam todo mundo ficar quieto. Só que confiávamos muito em Deus e, em silêncio, falávamos com Ele.
Eu via Dona Pretinha naquela cama e me lembrava da mãe forte que eu tinha, trabalhando, limpando a casa, fazendo comida, costurando, batalhando sempre para ajudar meu pai. Mas minha mãe sempre fumou: eram quase dois maços de cigarro por dia e isso era muita coisa.
Ela fumou até sofrer aquele derrame.
Agora, entra outra personagem importante da história: também é Maria. Só que essa é Maria de Jesus. A irmã mais velha da minha mãe.
A tia Maria morava no Rio de Janeiro, mas quando soube do derrame cerebral de minha mãe largou tudo que estava fazendo no Rio e viajou imediatamente para ajudá-la. Ela chegou determinada a não deixar a irmã morrer e não tinha quem a convencesse do contrário.
Lembro-me como se fosse hoje, minha tia chegou e a primeira pergunta que ela fez foi:
– Cadê a Tonha? – É assim que ela chama minha mãe. E ela repetiu:
– Cadê a Tonha? Eu quero ver minha irmã agora.
Minha tia entrou no meio de todos os médicos e perguntou se tinha alguma chance de a irmã sair viva. Ela disse em voz alta:
– Ela não pode morrer. Tem cinco filhos ali esperando por ela.
O médico disse que sim. Disse que tinha uma cirurgia, mas que o sangue estava todo derramado dentro da cabeça da minha mãe e que não tinha muita chance da cirurgia dar certo.
– Se abrirmos a cabeça da paciente, a chance de ela viver pode ser menor ainda. Mas é uma possibilidade.
Todo mundo ficou se olhando, um para a cara do outro. Todo mundo menos minha tia. Ela não pensou duas vezes. Acho que ela tinha uma intuição forte, ou sabia ouvir Deus falando com ela. E então ela disse:
– Eu quero que faça a cirurgia.
Só que ela e meu pai precisavam assinar um termo para dizer que todo mundo estava “ciente” de que minha mãe poderia morrer na mesa de operação. Meu pai assinou. Os olhos dele estavam secos. Já não tinha mais lágrima para chorar.
A fé deles era muito grande e ele confiou que era tudo ou nada.
Foi aí que autorizaram a cirurgia. Ficamos todos juntos rezando, enquanto abriam a cabeça da minha mãe.
A intuição da minha tia, toda aquela fé e as nossas orações deram certo: minha mãe saiu com vida da mesa de operação. O Ser Superior tinha um plano maior para a Dona Pretinha. Mais uma vez, Deus se mostrou muito mais poderoso do que a ciência, do que a medicina. Que alegria saber que ela estava viva!
Porém, com a tal da cirurgia, minha mãe acabou perdendo a visão. Mas Deus foi rápido na resolução e ela ganhou um olho novo. Uma doação de córnea que veio de repente, no mesmo dia. Foi como se Deus estivesse nos afirmando, nas pequenas coisas, que estava ali o tempo todo.
Mal sabíamos que essa novela ainda duraria um ano: para se recuperar totalmente e poder voltar para casa, ela teria que ficar internada.
Foi aí que veio o problema. Minha mãe estava viva, mas ainda não poderia ir para casa.
Minha tia era “sabida” demais. Eu era muito pequeno, mas sei que era ela quem conduzia as coisas junto com meu pai e isso nos passava segurança. Meu pai não estava sozinho. Ela entrou ali, viu que a irmã ia se recuperar, mas sabia que não teria como meu pai trabalhar e cuidar das cinco crianças ao mesmo tempo.
E então surgiu a ideia de uma divisão. Metade dos filhos iria para o Rio para ficar na casa dela e a outra metade iria para Martinho Campos, que era onde morava minha avó paterna, a Dona Ilda.
Por falar em casa da avó, lá também só tinha Marias: todas as irmãs de meu pai são Maria. Era tudo Maria. Era tudo “da Silva”.
Eu faço parte da metade que foi para Martinho Campos (os meninos foram para lá e as meninas para a casa da minha tia). E assim, pela primeira vez na vida, nos separamos. Pai e mãe para um lado, irmãs para outro e irmãos para um outro.
Imagina como aquilo nos doeu! Afinal, até então, isso jamais havia acontecido.
Desde esse dia, minha tia passou a ser minha segunda mãe. Essa distribuição fez com que fisicamente nos distanciássemos, mas, por dentro, nunca nos separamos. O coração de um “da Silva” sempre bate junto com outro “da Silva”.
Eu tentava manter a lembrança da minha mãe viva, esperando meu pai chegar do trabalho. Da felicidade dele quando chegava em casa mesmo tendo trabalhado o dia todo como pedreiro, motorista e o que mais aparecesse. Eu sabia que ficaríamos todos “juntos e misturados” novamente e que meu pai iria segurar a barra de trabalhar e cuidar da minha mãe no hospital.
Para tudo se dava um jeito. Só para morte que não.
Para tudo se dava um jeito. Só para morte que não.
Eu e meus irmãos mais novos ficamos um ano, metade no Rio de Janeiro na casa da tia Maria e metade em Minas na casa da vó.
Depois de um ano nessa divisão, recebemos a tão esperada notícia de que minha mãe ia sair do hospital: foi uma felicidade enorme. A maior felicidade de todas. Só que ela ouviu o que não queria. O médico disse, com cara de quem sabe do que tá falando:
– Olha, vai para casa, vamos te dar alta, mas a senhora não pode mais fumar.
Todo mundo sabia que o maior adversário da vida dela era justamente o cigarro.
O reencontro de todos aconteceu em Pitangui, na casa de outra irmã de minha mãe, a Maria do Carmo ou Tia Do Carmo, que era como a chamávamos. Lembro de minha mãe chegando lá com a cabeça toda enfaixada e o cabelo todo raspado e reclamando de dor de cabeça, porém, aquela mulher desenganada pelos médicos estava ali na minha frente “vivinha da silva”. Minha mãe estava viva e isso era o que valia. Deus realmente não dorme.
Voltamos para casa depois do choque, e sabíamos que não tínhamos só pai e mãe naquela história. As cinco crianças sabiam que, dali em diante, poderiam contar com tia Maria, avó, e com todo mundo que pudesse ajudar. Ali eu aprendi o valor que tem a família.
Eu vejo que desde cedo, a vida me pregou algumas peças. Como se Deus dissesse: “Vou começar a te testar desde agora e ver até onde você suporta”.
Com os filhos de volta ao lar, meu pai reuniu todo mundo na sala. Sabia que era hora de dar uma lição das boas. Olhou para cada um de nós de um jeito bem carinhoso. Mesmo quando ele dizia coisas difíceis de serem ouvidas, ele sabia quais palavras usar para que o que ficasse fosse o aprendizado, e não o trauma.
Sr. Roxo não tinha sofrimento nas palavras. Tinha só atitude e verdade.
– Olha, a partir de agora vocês têm que ajudar sua mãe a cuidar e criar uns aos outros. Ela fez uma cirurgia delicada na cabeça, que ainda dói, e pode acontecer, do nada, dela ter alguma coisa. Então estejam muito organizados, pois, se porventura Deus recolher sua mãe, vocês têm que estar prontos para o baque e para continuar – e ali ele nos ensinava que, na vida, devemos sempre estar prontos, seja para encarar a dor ou para abraçar uma oportunidade. Esteja pronto e ponto.
Eu lembro que naquele dia olhamos um para o outro. A regra era o mais velho ir cuidando do mais novo, que nem escadinha. Todo mundo tinha uma responsabilidade. Ninguém queria perder a mãe, mas sabíamos que, se porventura isso viesse a acontecer, tínhamos uns aos outros e que seria sempre assim.
Naquele dia, minha mãe reclamou muito de dor de cabeça. Ninguém achou que era frescura, mas ela continuou com a cabeça doendo muito e por um bom tempo.
Somente 30 anos depois, ela descobriria que o médico tinha esquecido um bisturi dentro da cabeça dela durante a cirurgia, e que este já não poderia ser retirado porque seria mais arriscado tirar do que deixar. Mas, em 30 anos, muita coisa ainda ia acontecer e se um bisturi dentro da cabeça não era capaz de parar minha mãe, filho nenhum reclamaria da vida.
A gente era tudo “da Silva”. e quer saber? Um “da Silva” é um “da Silva”.
Graças a Deus.