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Capítulo 1
Nunca consegui entender por que as pessoas ficavam nervosas em determinadas situações. Na hora de uma prova, por exemplo, se tiver estudado o necessário para adquirir boas notas, certamente obterá. Sempre pensei assim na escola, na faculdade, na vida. Sempre me esforcei muito para sair-me bem em tudo que me propus a fazer, até nas mínimas coisas eu dava o meu melhor. Passava a noite acordada mesmo tendo que trabalhar duro no dia seguinte, dava-me garantias de que não haveria tropeços no momento do teste. Eu era advogada em um escritório de renome, e na hora de uma audiência importante, como aquela, se tivesse feito tudo certo, com a ajuda do meu sangue frio e do alto controle, não teria falha, não haveria mãos frias, coração acelerado, pernas bambas e muito menos branco na mente.
Entretanto, não foi o que realmente aconteceu.
— Meritíssimo, o meu cliente… — Respirei fundo tentando fazer a minha mente voltar a funcionar, tudo estava aos poucos se tornando sem sentido, distante. Um borrão. Entretanto, a tentativa de manter-me lúcida pareceu ter fracassado, pois a tontura piorou ainda mais — O meu… ai… eu… — Não consegui terminar a frase, um zumbido estranho dentro dos ouvidos me fez fechar os olhos com força.
Tudo estava rodando, rodando… apoiei minha mão na mesa do juiz e a outra tapando a minha boca, mas não consegui mais segurar, o jato de vômito saiu rápido e involuntariamente, forte, contínuo, alcançando uma distância impressionante e sujando tudo à minha frente. Inclusive o Excelentíssimo Senhor Juiz.
— Ai meu Deus, o que é isso? — Alguém gritou.
Toda vergonha que um ser humano poderia sentir tinha acabado de cair sobre mim. Ergui os meus olhos e encontrei os olhos enrugados e arregalados do homem mais exigente e severo que já conheci no mundo jurídico. Então levei a mão suja de vômito que tentei, sem sucesso segurar, até a testa, e deixei que a tontura me dominasse. Mesmo se eu realmente não estivesse a ponto de desmaiar, eu o teria feito, me jogaria no chão e fingiria um desmaio, mas jamais iria encarar as pessoas naquela sala.
Naquele dia pela manhã, eu tinha acordado com o estômago ruim, nauseado, mal consegui tomar café da manhã. Até pensei ser um nervoso atípico por causa da audiência, que era a primeira realmente importante depois de meses trabalhando no caso super difícil. E o que eu fiz? Vomitei na mesa do juiz. Certamente virei motivo de piada no mundo jurídico. Serei lembrada sempre como a advogada inexperiente que vomitou de nervoso.
Abri os olhos pensando que ainda estava no fórum e arrega-lei-os espantada quando percebi que estava em um quarto de hospital.
— Ai, Senhor, o que estou fazendo aqui? — Meus olhos desceram para o acesso do soro em meu braço. Estava certo que havia tido um piti por conta do nervoso, mas não era para tanto, não precisava ter me levado para um hospital e espetar a minha veia, muito menos me entupir de remédios.
— Olá, Raquel. Você passou mal, não acordava — informou uma moça de aproximadamente 30 anos que presumi ser enfermeira.
— Certo, mas não precisavam ter me trazido para cá. Tenho pavor de hospitais. já acordei, já posso ir embora? — inqueri fazendo movimento para levantar-me, que foi interrompido pela voz autoritária da enfermeira.
— Não senhora, vai ficar quietinha aí. Está desidratada, estamos fazendo alguns exames, por isso vai precisar ficar algumas horas aqui até os resultados de todos ficarem prontos.
— Como assim? Eu como muito bem, obrigada. Ultimamente minha gastrite nervosa estava atacada por conta do estado emocional, imagino que devem ter várias causas para o desmaio, a minha, com toda certeza foi o nervoso, estresse. Eu fiquei preocupada e acabei não aguentando a pressão. Apesar de que faz algum tempo que venho me sentindo um pouco enjoada. Só que você não sabe o que tenho passado no trabalho. É muita pressão para uma novata como eu. Mas desidratada? Eu como muito bem, e me hidrato muito, obrigada.
— Veremos nos seus exames que logo ficam prontos.
— O quê? Quanto tempo faz que estou aqui?
— Cerca de duas horas ou mais. — Uma moça entrou e respondeu sorrindo ao entregar uma prancheta para a outra mulher de mais ou menos 30 anos, vestida de branco que entrou com ela no quarto.
— Olá. Que bom que acordou. Sou a Dr@. Lola, está se sentindo melhor? — perguntou segurando o meu pulso.
— Estou ótima, já posso até ir para casa.
— Que bom que se sente bem, mas digamos que ótima você não está. Precisa se hidratar e se alimentar direito. Os seus exames deram muito ruins para uma gestante. Já está fazendo o pré-natal? — perguntou apalpando minha barriga.
Choque.
— O que você disse? — Senti a bile invadir minha garganta.
Meu estômago gelou, meu coração disparou e ainda bem que Pensei que iria precisar de respirador mecânico, pois não conseguia respirar.
— Perguntei se algum médico já está acompanhando a sua gravidez? O pré-natal é de suma importância, tanto para a mamãe quanto para o bebê desde o início da gestação.
Eu fiquei em choque olhando para a cara da médica. Ela, tranquilamente, arrastou um aparelho de ultrassom, despejou o gel sobre a minha barriga.
— Eu não posso estar grávida, Dr., deve ter algum engano.
Mal acabei de falar e um barulho estranho soou pela sala, algo como uma corrida de cavalos. Olhei muito assustada para ela.
— O que é isso?
— O som do coração dele batendo. — Meus olhos se encheram de lágrimas. — Olha só, são dois corações, que coisa mais linda.
Linda? Ela estava maluca? Eu morrendo e ela achando lindo?
— O dele e o meu que vai ter um ataque agora mesmo. E isso da de lindo.
— Não, querida, você certamente está grávida de gêmeos. Ouço dois corações batendo, se prestar atenção vai…
— O quê? — gritei assustando a médica que afastou-se dando alguns passos para trás.
Essa seria uma boa hora para desmaiar novamente.
Como se fosse um raio, a minha irmã entrou pela porta do quarto. Renata é mais velha do que eu, temos uma diferença de 8 anos, ela meio que se acha minha mãe, uma vez que era ela quem tomava conta de mim para nossa mãe ir trabalhar. Com uma mãe severa como a nossa, nos apegamos uma a outra mais do que o normal. Somos amigas e cúmplices.
Fisicamente erámos parecidas, os mesmos cabelos ondulados, olhos cor de chocolate, lábios desenhados e nariz arrebitado, como dizia a minha mãe, pura petulância.
Renata se casou há três anos e ainda não tem filhos. Eu ainda morava com a nossa mãe, mas estava com planos de logo mudar-me para um canto só meu, pois liberdade era uma coisa que nunca tivemos em casa, muito menos paz. Nunca pude levar nenhum namorado em casa, nem amigos. Exceto os que a minha mãe escolhia.
Mamãe é religiosa e segue à risca os preceitos da religião. Inclusive não se relacionou com ninguém depois que o meu pai foi embora. Às vezes, eu pensava que ele teve seus motivos para deixá-deve ter sido muito difícil ser casado com alguém como ela. Amarga, severa, não sorri nunca e só vive para a igreja. Ou talvez ela tenha se tornado assim por conta do abandono. Não sei. Nós temos uma grande mágoa por meu pai não ter lembrado que tinha duas filhas para criar, e deixou tudo a cargo da mulher que precisava trabalhar dobrado para sustentar duas garotas e as tratava com severidade e pouco carinho.
— Raquel, o que houve? Por que não me ligou antes? — perguntou aflita segurando a minha mão.
— Estava esperando para ver se acordava do terrível pesadelo. Só pode ser um sonho ruim, Renata, um terrível pesadelo.
Mais uma vez tentei segurar o choro. Um bolo estava preso no meio da minha garganta e não me deixava respirar.
— Você está doente? O que está fazendo aqui?
Comecei a chorar feito uma desesperada novamente. Não bastava estar grávida, tinha que ser de dois? Talvez a médica estivesse enganada. Talvez fosse só um, nem foi um exame de verdade, ela só ouviu o coração e poderia não ser duas batidas como ela garantiu. E aquelas duas coisinhas que ela viu na tela podem muito bem ser cistos. Depois que ela saiu, eu liguei e marquei com a minha ginecologista, e só depois liguei para a Renata dizendo que estava em um hospital.
— Eu… eu estou… desnutrida, anêmica, desidratada e… grávida. — A última palavra foi dita tão baixa e sem nexo que nem eu mesmo entenderia.
— O que disse?
— Gêmeos, estou ferrada, grávida de gêmeos. Renata, o que vou fazer da minha vida? Isso não pode estar acontecendo.
Ela não disse nada de cara. Ao contrário de mim que sou histérica e falo demais às vezes, ou sempre, Renata é mais calma, centrada e analisa as coisas antes de falar. Tudo que eu nunca serei.
— Calma, Kel, não é o fim do mundo, você pode contar com o pai dos bebês…
— Como? Eu não sei onde encontrá-lo? Você se lembra que te contei que… da viagem há três meses?
— Eu não acredito que é ele o pai? Não foi só uma vez?
— Ficamos juntos por uma semana.
— E não cogitou usar preservativo? — o seu tom foi de repreensão. — Francamente, Raquel. Uma mulher tem que ser responsável quando decide ser livre. Liberdade e responsabilidade devem andar juntas, pois sempre, todas as atitudes terão consequências.
— Essa é a questão, nós usamos, em nenhum momento transamos sem camisinha. Como isso foi acontecer?
— Você tem certeza?
— Absoluta. Eu já pensei muito, tentei lembrar de algum deslize, mas não houve nenhum…
— Talvez a camisinha estourou e ele não quis te falar.
…
—