Trecho do livro
O ano era 1985 e em uma das salas prívé no Jockey Clube do Rio de Janeiro, Mário Mancuso, juntamente com seu amigo e parceiro de negócios Willy Van den Berg, abria um Royal Salute para comemorar a chegada do primeiro neto da família Mancuso. Minha mãe, Vivian Mancuso, tinha dado à luz a um menino saudável naquele dia, que chamou de Enrico.
Meu avô e seu amigo – e maior concorrente na indústria siderúrgica naquele momento – apenas sacramentavam o que já tinham discutido diversas vezes. Ponderavam, principalmente, sobre como se daria a fusão de suas empresas com a união das famílias Mancuso e Van den Berg. O que afetava diretamente a mim e a mulher que seria a minha esposa um dia porque, quando eu nasci, meu destino já estava completamente traçado.
— Querido Willy, trate de acelerar as coisas com Daniel, para que ele nos traga uma filha mulher, para assim assinarmos de vez a união de nossos negócios com a benção deste casamento de meu neto com sua neta. Você sabe melhor do que ninguém que temos segredos guardados a sete chaves que precisam permanecer como estão. Contudo, somente mantendo o controle e a hegemonia das empresas de nossas famílias, poderemos garantir a supremacia de nossas corporações pelas gerações que ainda virão. Trata-se do fruto do nosso trabalho para o qual dedicamos toda nossa vida. Não podemos permitir que quem virá depois de nós ponha tudo a perder. Em outras palavras, seu filho Daniel precisa engravidar logo a esposa.
E o discurso de meu avô continuava:
— Com o casamento de nossos netos, conseguiremos unir nossas companhias e passaremos a ter o domínio total da produção do aço no país e ainda, com a expansão da empresa para o exterior, quando pensarem em aço, imediatamente, irão associar ao Grupo Mancuso-Van den Berg. Acredito que o Império já está sendo construído. — Ele sempre repetia a mesma coisa e foi assim por anos. O mesmo argumento sempre.
Meu avô, Sr. Mário Mancuso, sempre foi megalomaníaco e o que o freia é minha avó, a nonna Geovana, uma italiana sábia que sempre esteve à frente do seu tempo e até mesmo da sua idade. Realmente, sem ela, meu avô não seria nada. Mas é aquele velho ditado: por trás de um grande homem, existe uma mulher maior ainda. E eu aprendi isso na marra.
Entre um gole e outro de seu whisky caubói, o senhor Van den Berg já considerava que precisava ter uma conversa séria com Daniel, já que seu filho não conseguia levar o casamento a sério e sabia que isso poderia causar problemas, ainda mais com os casos extraconjugais que ele colecionava. Daniel não poderia ser o elo fraco nessa corrente.
Sairia dali imediatamente para a casa do filho, para que pudessem ter uma conversa definitiva. Ele pensava que em chegada a hora de dar um basta. Exigiria uma mudança de atitude de seu herdeiro. Não permitiria mais que as atitudes impensadas dele afetassem a família e seu legado, colocando o futuro dos negócios em risco daquela forma.
E a conversa continuava entre os barões da siderúrgica:
— Você tem razão, Mário. Daniel precisa parar com toda essa gandaia que ele vive e fazer logo uma filha em Glória. — Eles brincavam de deuses, sabendo que o primeiro filho de Daniel e Glória, meus futuros sogros, já seriam uma menina.
— Claro, Willy! Ele precisa sossegar em casa. Mas me conte como andam os negócios? Precisamos começar a pensar em deixar a papelada pronta para todos. Já estamos velhos e sabemos para onde a juventude está caminhando. Então, melhor deixar isso lavrado para, no futuro, não ter nenhum problema para os meninos. — Meu avô sempre foi astuto e sabia que, no futuro, eu e minha pretendente poderíamos acabar com todos estes planos, por isso era melhor deixar tudo sacramentado mesmo.
Terminaram seu whisky de comemoração e meu avô já ligou para sua secretária, dizendo que era para deixar uma reunião agendada com o advogado da empresa no primeiro horário do dia seguinte, pois tinha uma papelada urgente para tratar.
Willy Van den Berg dirigia seu carro a caminho da casa do seu filho, prevendo a discussão que teria pela frente. Não entendia por que ele levava uma vida tão desregrada e ainda demonstrava tamanho desinteresse pelos negócios da empresa da família. Tinha recebido a melhor educação que o dinheiro poderia pagar e sempre o orientaram quanto aos valores da família e da igreja. Realmente, ele não entendia o motivo daquele comportamento de moleque em um homem adulto com quase quarenta anos.
Ao estacionar o carro, refletiu por mais alguns instantes, contemplando a bela mansão no Alto da Boa Vista que seu filho morava com sua esposa Glória, uma mulher encantadora, temente a Deus e integralmente dedicada ao marido e à casa. Novamente, não conseguiu compreender por que seu filho não conseguia dar valor àquilo tudo.
— Senhor Van den Berg! Que prazer tê-lo conosco esta noite. Ficará para o jantar? A Dona Carmem também virá? — Glória sempre era muito receptiva, amável e fazia qualquer um se sentir bem em sua presença e em sua casa.
Carmem Van den Berg era a esposa de Willy e uma senhora submissa, assim como eram as mulheres de sua época. Enfrentou a Segunda Guerra e seus efeitos de maneira firme e obstinada junto de seu marido, ajudando-o a reerguer a empresa e os negócios. Seu temperamento equilibrado e perspicaz foi essencial para conduzir o nome da família à prosperidade.
— Ligue para Carmem e peça para o motorista trazê-la. Vamos jantar com vocês, sim. Temos alguns assuntos para conversar. Meu filho está em casa?
— Está, sim. Está no escritório, mas não está trabalhando. Então, sintase à vontade para interrompêlo.
Glória, apesar de amável, tinha um ar triste, pois sabia das aventuras do marido e a visita dos sogros sempre trazia uma esperança de que eles pudessem fazer Daniel mudar.
Willy nem se deu ao trabalho de bater à porta e já entrou no escritório de Daniel, que estava ao telefone com os pés sobre a mesa, rindo e com a voz melosa.
Ao ver seu pai já sentado em sua frente, se endireitou sobressaltado e desligou o telefone, agradecendo o contato como se estivesse falando com algum cliente, tentando disfarçar a situação em que foi flagrado.
— Papai, que bela visita! O que o traz aqui? Se soubesse que você e mamãe viriam jantar, tinha mandado preparar o cordeiro que vocês tanto gostam. Já falaram com Glória?
Daniel, mesmo sendo fanfarrão, tinha muito respeito pelo pai e o admirava, apesar de sempre ter sofrido com a pressão que ele o impunha para que assumisse os negócios da família.
Quando Daniel nasceu, a família Van den Berg já estava se reerguendo e começando a prosperar, fechando inúmeros contratos milionários e muito vantajosos, passando a dividir o monopólio do mercado do aço com a Companhia Siderúrgica Mancuso S.A. e, por essa razão, os dois CEOs concordaram que seria melhor ter o inimigo perto do que longe.
A união das empresas através de um casamento entre as famílias foi uma ideia pulverizada sutilmente por Carmem Van den Berg em um jantar social que todos sabiam se tratar de uma transação de negócios. Porém, o mundo enfrentava as consequências e sequelas do período pós-guerra e como não foi possível unir as famílias através dos filhos, já que ambos nasceram homens, sabiam que através dos netos conseguiriam.
Contudo, Daniel cresceu com esse fantasma de ser o substituto do pai, apesar de nunca gostar disso ou ter qualquer aptidão. Exercia o cargo de Diretor Geral na empresa e, mesmo assim, pouco ia ou, de fato, cumpria com suas funções.
O que gostava era de passar os seus dias no Jockey Club com amigos bebendo e apostando.
— Daniel, não vim fazer social. Vim conversar sério com você! Você sabe que estamos perdendo a liderança nos negócios para o Mancuso e sabe do acordo que temos, de unir nossas famílias e nossas empresas. Você precisa parar imediatamente com essa vida de vagabundo rico e começar a dar atenção à sua família, dando a mim e à sua mãe uma neta o quanto antes.
— Pai, como vocês sabem que meu primeiro ou segundo filho será uma menina? Vocês estão começando a enlouquecer com essa história. Além disso, sei muito bem por que você está assim hoje. O primeiro neto do velho Mancuso nasceu. Enrico o nome dele, não é?
— Claro, Daniel!!!! — esbravejou o senhor Van den Berg, continuando sua explanação quase sem respirar. — Sua mãe está vindo para cá e durante o jantar conversaremos também com Glória, vocês precisam ter filhos. Uma dúzia, se for preciso. Pelo menos um deles há de ser uma menina. Você precisa cuidar da sua mulher, dar atenção a ela. Onde já se viu agir dessa forma, como você age?
— Pai, tenho meus casinhos aqui e ali, mas dou tudo a Glória. Nada lhe falta. Cumpro com todas as obrigações de marido.
— Entenda, meu filho… Só quero deixar tudo em seu devido lugar antes de partir desse mundo. Saber que nossos negócios e nossa família terão herdeiros competentes para não deixar que todo o esforço que tivemos vire poeira de aço. Você sabe que minha nora apoia nossos negócios e o nosso acordo de união com os Mancuso.
— Eu sei, papai. Eu sei!
Willy Van den Berg sabia que ele e sua esposa tinham criado Daniel com muitos mimos e vontades. Eles passaram muitas penúrias durante a vida até chegarem aonde chegaram e não queriam o mesmo para seu único filho, por isso acabaram dando tudo que ele desejava.
Naquele momento, Willy refletia arrependido de inúmeras coisas que fez e que gostaria de mudar tanto na criação do filho quanto em decisões comerciais. Isso lhe roubava a paz durante o sono.
Ele sabia que tinha feito coisas horríveis no decorrer de sua vida, apenas para reerguer sua empresa. E, talvez, agora estivesse sendo condenado por suas ações vergonhosas. A justiça divina lhe apresentava a conta de seus pecados, pensou.
— Com licença, rapazes — brincou Glória —, Dona Carmem chegou. Vou pedir para servirem o jantar.