Livro ‘A Arte da Imperfeição’ por Brené Brown

O livro de Brené Brown destaca como coragem, compaixão e conexão podem transformar vidas. Em um mundo obcecado por perfeição, Brown ensina a aceitar vulnerabilidades para relações próximas e vida significativa.

 Abandone a pessoa que você acha que deve ser e seja você mesmo. O livro de Brené Brown destaca como coragem, compaixão e conexão podem transformar vidas. Em um mundo obcecado por sucesso e perfeição, somos levados a atender expectativas externas, perdendo contato com nossa autenticidade. Brown incentiva a questionar essa necessidade de perfeição e a aceitar nossas vulnerabilidades, promovendo relações mais próximas e uma vida significativa. Baseando-se em sua pesquisa e histórias, ela ensina práticas para superar o perfeccionismo, a vergonha e o medo: ter coragem de ousar, compaixão para perdoar a si mesmo e conexão com quem amamos. Ela reforça que todos somos dignos de amor e pertencimento, e o livro visa facilitar um processo de transformação interior.

Editora: Editora Sextante; 1ª edição (18 fevereiro 2020); Páginas: 176 páginas; ISBN-10: 8543109221; ISBN-13: 978-8543109220; ASIN: B0845XJS6V

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Sobre o autor: Dra. Brené Brown é uma renomada pesquisadora, autora e palestrante, conhecida mundialmente por seus estudos sobre coragem, vulnerabilidade, vergonha e empatia. Seus best-sellers, como “A Coragem de Ser Imperfeito”, “Mais Forte do que Nunca” e “Eu Achava que Isso Só Acontecia Comigo”, publicados pela Editora Sextante, transformaram a maneira como milhões de pessoas compreendem e lidam com suas emoções. Sua palestra no TED, “O Poder da Vulnerabilidade”, é um marco na história do evento, com mais de 45 milhões de visualizações, impactando a vida de pessoas em todo o mundo. Além de sua carreira acadêmica na Universidade de Houston, Brené Brown é fundadora e CEO da Brave Leaders, Inc., uma organização dedicada a capacitar líderes e equipes a desenvolverem coragem e autenticidade em suas vidas profissionais e pessoais. Instagram @brenebrown

Leia trecho do livro

PREFÁCIO

Assumir nossa história e amar a nós mesmos nesse processo é a coisa mais corajosa que podemos fazer

Depois que vemos um padrão, é impossível “desvê-lo”. Acredite, eu já tentei. Mas, quando a mesma verdade se repete seguidamente, é difícil fingir que é apenas coincidência. Por exemplo, por mais que eu tente me convencer de que posso funcionar direito tendo dormido seis horas, qualquer coisa abaixo de oito horas de sono me deixa impaciente, ansiosa e querendo consumir carboidratos. É um padrão. Também tenho um padrão terrível de procrastinação: sempre adio os momentos de escrita rearrumando a casa inteira e desperdiçando tempo e dinheiro na compra de artigos de escritório e sistemas de organização. Isso toda vez que preciso escrever.

Uma das razões pelas quais é impossível desver tendências é que nossa mente é programada para buscar padrões e lhes atribuir significados. O ser humano é uma espécie que cria sentido para as coisas. E, para o bem ou para o mal, minha mente está muito bem regulada para esse fim. Passei anos me preparando para essa função e, hoje em dia, é assim que ganho a vida.

Na condição de pesquisadora, observo o comportamento humano a fim de identificar e denominar as ligações, as relações e os padrões sutis que nos ajudam a dar sentido a nossos pensamentos, hábitos e sentimentos.

Adoro o que faço. Buscar padrões é um trabalho maravilhoso e, de fato, ao longo da carreira, minhas tentativas de desver restringiram-se estritamente à minha vida pessoal e às vulnerabilidades pouco lisonjeiras que eu gostava de negar. Tudo isso mudou em novembro de 2006, quando a pesquisa apresentada nestas páginas me acertou em cheio. Pela primeira vez na vida profissional, desejei desver minha própria pesquisa.

Até aquele momento, eu havia me dedicado a estudar sentimentos difíceis, como vergonha, medo e vulnerabilidade. Escrevera trabalhos acadêmicos sobre a vergonha, tinha elaborado um curso sobre a resiliência à vergonha para profissionais de saúde mental e os que trabalham com dependentes químicos, e havia escrito um livro sobre como combater a cultura da vergonha, intitulado Eu achava que isso só acontecia comigo.1

No processo de colher milhares de depoimentos de diversos homens e mulheres de todas as regiões dos Estados Unidos, com idade entre 18 e 87 anos, identifiquei novos padrões sobre os quais quis aprender mais. Sim, todos lutamos com a vergonha e o medo de não sermos bons o suficiente. E, sim, muitos tememos deixar que nosso verdadeiro eu venha à tona e seja visto. Mas, em meio àquela montanha de dados, havia também histórias e mais histórias de homens e mulheres que levavam uma vida
admirável e inspiradora.

Ouvi narrativas sobre o poder de acolher a imperfeição e a vulnerabilidade. Aprendi sobre o vínculo indissociável entre alegria e gratidão e compreendi que coisas que eu tendia a desvalorizar – como o descanso e a diversão – são tão vitais para nossa saúde quanto a alimentação e os exercícios físicos. Os participantes daquela pesquisa confiavam em si mesmos e falavam da autenticidade, do amor e da sensação de pertencimento de um modo que era completamente novo para mim.

Eu queria examinar mais a fundo essas histórias, por isso peguei papel e caneta e escrevi a primeira palavra que me veio à cabeça: plenitude. Ainda não sabia ao certo o que isso significava, mas tinha certeza de que aquelas eram pessoas que viviam e amavam de todo o coração.

Eu tinha uma porção de perguntas sobre a plenitude. O que essas pessoas valorizavam? Como conseguiam agir com tanta resiliência? Quais eram suas grandes preocupações e de que modo lidavam com elas? Era possível alguém conquistar uma Vida Plena? O que é preciso para cultivar aquilo de que precisamos? O que atrapalha esse processo?

Quando comecei a analisar as histórias e a buscar temas recorrentes, identifiquei alguns padrões e os separei em duas colunas, que inicialmente chamei de Sim e Não. A coluna do Sim estava repleta de palavras como autoestima, descanso, diversão, confiança, fé, intuição, esperança, autenticidade, amor, pertencimento, alegria, gratidão e criatividade. A coluna do Não tinha uma profusão de palavras como perfeição, entorpecimento, convicção, exaustão, autossuficiência, desenvoltura, adaptação, crítica e escassez.

Levei um susto na primeira vez que me distanciei das anotações e assimilei aquilo tudo. Foi um choque terrível. Lembro-me de ter murmurado: “Não. Não. Não. Como é possível?”

Apesar de ter escrito as listas, fiquei perplexa ao lê-las. Quando codifico dados, entro no modo pesquisadora concentrada. Meu único foco é captar com exatidão o que ouço nos depoimentos. Não penso em como eu diria isto ou aquilo, mas em como os participantes da pesquisa o disseram. Não penso no que determinada experiência significaria para mim, mas no que significou para a pessoa que me falou dela.

Eu me sentei na cadeira vermelha junto à mesa da sala e passei um longo tempo examinando essas duas listas. Meus olhos corriam para cima e para baixo e de um lado para outro. Lembro que, a certa altura, fiquei lá sentada com lágrimas nos olhos e tapando a boca com uma das mãos, como se alguém tivesse acabado de me dar uma notícia ruim.

E, de fato, a notícia era ruim. Eu achava que descobriria que as pessoas que vivem plenamente eram iguais a mim e faziam as mesmas coisas que eu: trabalhar com afinco, cumprir regras, insistir até acertar, sempre procurar se conhecer melhor, criar os filhos exatamente de acordo com as normas…

Depois de uma década estudando assuntos difíceis, como a vergonha, eu realmente julgava merecer a confirmação de que estava “vivendo da forma correta”.

Mas eis a dura lição que aprendi naquele dia (e em todos os dias desde então):

Conhecermos e compreendermos a nós mesmos é crucial, porém existe algo ainda mais importante para se levar uma vida plena: nos amarmos.

O conhecimento é importante, mas precisamos ser bondosos e gentis conosco enquanto nos esforçamos para descobrir quem somos. A plenitude decorre tanto de acolhermos nossa ternura e nossa vulnerabilidade quanto de desenvolvermos conhecimento e reivindicarmos poder.

Mas talvez a lição mais dolorosa daquele dia, a lição que me atingiu com tanta força que me deixou sem fôlego, tenha sido esta: os dados deixaram bem claro que não podemos dar a nossos filhos o que não temos. O ponto em que nos encontramos em nossa trajetória de viver e amar de todo o coração é um indicador muito mais forte do nosso sucesso como pais do que qualquer coisa que possamos aprender nos livros.

Essa trajetória se divide igualmente entre o trabalho do coração e o trabalho da mente, e, sentada ali, naquele dia sombrio de novembro, ficou claro para mim que havia deficiências em meu trabalho com o coração.

Por fim, me levantei, peguei a caneta na mesa, tracei uma linha sob a coluna do Não e escrevi abaixo dela a palavra eu. Minhas lutas pareciam perfeitamente caracterizadas pela soma dos itens daquela lista.

Cruzei os braços, tornei a afundar na cadeira e pensei: Que maravilha. Estou vivendo exatamente de acordo com a lista das coisas negativas.

Passei uns vinte minutos andando pela casa, na tentativa de desver e desfazer tudo o que acabara de ser revelado, mas não consegui forçar as palavras a desaparecerem. Não podia voltar atrás, então optei pela segunda melhor alternativa: dobrei todas as folhas bem dobradinhas e as guardei em uma caixa de plástico, que coube perfeitamente embaixo da minha cama, ao lado dos materiais para embrulhar presentes de Natal. Eu só voltaria a abrir essa caixa em março de 2008.

Em seguida, comecei a me consultar com uma terapeuta realmente boa e dei início a um ano de trabalho sério sobre os afetos, que viria a modificar minha vida para sempre. Diana, minha terapeuta, e eu rimos até hoje ao lembrar minha primeira consulta. Ela, que também atende muitos terapeutas, começou pela frase de praxe:

– E então, o que está havendo?

Peguei a lista do Sim e, com ar displicente, respondi:

– Preciso de mais itens desta lista. Umas dicas e ferramentas específicas seriam úteis. Nada muito profundo. Nada dessas bobagens de infância ou coisa parecida.

Foi um longo ano. No meu blog, refiro-me a ele, amorosamente, como o Colapso Despertar Espiritual de 2007. Para mim, a sensação foi de um colapso clássico, mas Diana o chamou de despertar espiritual. Acho que nós duas tínhamos razão. Aliás, começo a me perguntar se é possível ter um sem o outro.

Não foi por coincidência, é claro, que essa revelação tenha acontecido em novembro de 2006. As estrelas estavam perfeitamente alinhadas para um colapso: eu estava com o ânimo alterado por ter recentemente parado de consumir açúcar e glúten, faltavam poucos dias para o meu aniversário (sempre um momento contemplativo para mim), sentia-me exausta com o trabalho e estava à beira de me dar conta da meia-idade.

As pessoas podem chamar o que acontece na meia-idade de “crise”, mas não se trata disso. Trata-se de uma revelação – aquele momento em que sentimos a urgência de levar a vida que queremos, não a que “esperam” de nós. A revelação é aquele momento em que somos desafiados pelo universo a abandonar o que achamos que devemos ser e assumir quem somos.

A meia-idade é, com certeza, uma das grandes jornadas de revelação, mas há outras ao longo da vida:

• casamento

• divórcio

• maternidade/paternidade

• recuperação de uma doença

• mudança de casa

• partida dos filhos

• aposentadoria

• vivência de perdas ou traumas

• emprego desgastante

O que não falta são alertas enviados pelo universo. Mas somos especialistas em ignorá-los.

Como ficou claro, o trabalho que precisei fazer foi profundo e difícil. Chafurdei nele até que um dia, esgotada e ainda toda suja de lama da viagem, percebi: “Ah, meu Deus! Estou diferente, me sinto alegre e real. Ainda tenho medo, mas também me percebo corajosa. Alguma coisa mudou – consigo sentir isso nas minhas entranhas.”

Eu me tornei mais saudável, mais alegre e mais grata do que nunca. Me senti mais calma e com os pés no chão, além de significativamente menos ansiosa. Reativei minha vida criativa, restabeleci os laços com minha família e meus amigos de uma nova maneira e, o mais importante, pela primeira vez na vida fiquei realmente à vontade por ser eu mesma.

Aprendi a me preocupar mais com o que eu sentia e menos com o que os outros poderiam pensar. Estabeleci novos limites e comecei a abandonar minha necessidade de agradar, de me sair bem e de deixar tudo perfeito. Comecei a dizer “Não” em vez de “É claro” (e depois ficar ressentida e fula da vida). Comecei a dizer “Claro que quero!” em vez de “Parece divertido, mas estou cheia de trabalho para fazer”, ou “Farei isso quando estiver… (mais magra, menos ocupada, mais preparada)”.

Enquanto me dedicava à minha Jornada da Plenitude com Diana, li uns quarenta livros, entre eles todos os relatos de despertar espiritual ao meu alcance. Foram guias extremamente úteis, mas continuei a ansiar por um manual que fosse capaz de oferecer inspiração, dicas e, em suma, servir como um companheiro do viajante da alma.

Um dia, quando contemplava a alta pilha de livros mal equilibrada em minha mesa de cabeceira, me deu um estalo: Quero contar esta história em um livro de memórias. Contarei como uma acadêmica cética e metida a sabichona se transformou exatamente no estereótipo que havia ridicularizado durante toda a sua vida adulta. Vou confessar como me tornei a mulher de meia-idade que se encontra em processo de recuperação, que cuida da saúde, que é criativa, uma sentimentaloide em busca da espiritualidade, que passa dias contemplando coisas como bênção, amor, gratidão, criatividade e autenticidade, e que é mais feliz do que imaginava ser possível. O título será Plenitude.

Também me lembro de ter pensado: Antes de escrever minhas memórias, preciso usar esta pesquisa para escrever um manual sobre como viver plenamente! Em meados de 2008, eu havia enchido três caixas enormes com cadernos, diários e pilhas de dados. Também tinha passado inúmeras horas fazendo novas pesquisas. Dispunha de tudo de que precisava, inclusive um desejo apaixonado de escrever o livro que você tem agora nas mãos.

Naquele dia fatídico de novembro em que fiz a lista e fui atingida pela constatação de que não estava vivendo e amando de todo o coração, não fiquei totalmente convencida. Ver a lista não bastou para que eu de fato acreditasse nela. Tive que cavar bem fundo e fazer a escolha consciente de acreditar… acreditar em mim mesma e na possibilidade de levar uma vida diferente. Depois de incontáveis questionamentos, lágrimas e uma imensa coleção de momentos de alegria, acreditar me ajudou a enxergar.

Agora vejo que reconhecer nossa própria história e amar a nós mesmos ao longo desse processo é a coisa mais corajosa que podemos fazer.

Agora vejo que cultivar uma Vida Plena não é tentar chegar a um destino. É como caminhar em direção a uma estrela no céu. Nunca a alcançaremos, mas temos a certeza de que estamos indo na direção certa.

Agora vejo que dons como a coragem, a compaixão e a conexão só funcionam quando são exercitados. Todos os dias.

Agora vejo que o trabalho de cultivar e se libertar que aparece nas dez diretrizes não é algo para incluir em uma “lista de afazeres”. Não é algo que realizamos ou adquirimos e, em seguida, riscamos da lista. É o trabalho de uma vida. É o trabalho da alma.

Para mim, crer foi ver. Primeiro acreditei, e só então pude ver que somos realmente capazes de transformar a nós mesmos, nossa família e nossa comunidade. Basta encontrarmos a coragem de viver e amar de todo o coração. É uma honra embarcar nesta jornada com você!

Introdução

Viver plenamente é nos engajarmos na nossa vida a partir de uma perspectiva de amor-próprio. Significa cultivar a coragem, a compaixão e a conexão necessárias para acordar de manhã e pensar: Não importa o que seja feito e o que fique faltando fazer, eu sou suficiente. É deitar à noite para dormir e pensar: Sim, eu sou imperfeito(a) e vulnerável e, às vezes, tenho medo, mas isso não altera o fato de que sou corajoso(a) e digno(a) de amor e de pertencimento.

Viver plenamente

A jornada

Viver plenamente não é uma escolha que se faça uma só vez. É um processo. Na verdade, acredito que é a jornada de uma vida inteira. Meu objetivo é trazer consciência e clareza à constelação de escolhas que levam à plenitude e relatar o que aprendi com inúmeras pessoas que se dedicaram a viver e amar de todo o coração.

Antes de embarcarmos em uma viagem, inclusive nesta, é importante pensar no que é preciso levar. O que é preciso para viver e amar a partir do amor-próprio? Como aceitar a imperfeição? Como cultivar aquilo de que precisamos e nos libertar do que nos detém? As respostas a todas essas perguntas são coragem, compaixão e conexão – as ferramentas necessárias para trilhar nossa jornada.

Se você está pensando Que ótimo. Só preciso ser um super-herói para combater o perfeccionismo, eu compreendo. Coragem, compaixão e conexão soam como ideais grandiosos e elevados. Na realidade, porém, elas são práticas do dia a dia que, quando suficientemente exercitadas, se transformam em dádivas incríveis em nossa vida. E a boa notícia é que nossas vulnerabilidades são o que nos obriga a lançar mão delas. Por sermos humanos e tão lindamente imperfeitos, precisamos colocar essas ferramentas admiráveis em prática todos os dias. Desse modo, a coragem, a compaixão e a conexão tornam-se uma arte – a arte da imperfeição.

Eis o que você vai descobrir nas páginas seguintes. No Capítulo 1, explico o que aprendi sobre coragem, compaixão e conexão e por que elas são, verdadeiramente, as melhores ferramentas para desenvolvermos o amor-próprio.

Depois de entendermos com clareza os instrumentos que usaremos nesta jornada, passaremos, no Capítulo 2, ao cerne da questão: amor, pertencimento e valor pessoal. Responderei a algumas das perguntas mais difíceis da minha carreira: O que é o amor? Podemos amar uma pessoa e traí-la? Por que a necessidade constante de nos enquadrarmos sabota a verdadeira sensação de pertencimento? É possível amarmos as pessoas importantes de nossa vida, como nosso cônjuge e nossos filhos, mais do que amamos a nós mesmos? Como definir nosso valor pessoal, e por que tantas vezes acabamos batalhando por ele em vez de acreditar nele?

Deparamos com obstáculos em todas as nossas jornadas, e a da plenitude não é exceção. No Capítulo 3, vamos explorar o que descobri serem as maiores barreiras que se erguem à frente de viver e amar de todo o coração, e como podemos desenvolver estratégias eficazes para transpor essas barreiras e cultivar a resiliência.

A partir daí, examinaremos as dez diretrizes da jornada para a Vida Plena – práticas cotidianas que indicam a direção do nosso caminho. Para cada diretriz há um capítulo recheado de histórias, definições, citações e ideias para fazermos escolhas deliberadas e inspiradas sobre nossa maneira de viver e amar.

Momentos definidores

Este livro está repleto de conceitos grandiosos, como amorpertencimento e autenticidade. Acredito ser de importância crucial definir certas palavras que circulam diariamente por toda parte, mas raras vezes são explicadas. E penso que as boas definições devem ser acessíveis e usáveis. Procurei definir essas palavras de um modo que nos ajude a desdobrar os termos e estudar suas partes. Quando vamos além das palavras reconfortantes e investigamos as experiências cotidianas que colocam o coração na Vida Plena, podemos ver como as pessoas definem os conceitos que movem seus atos, suas crenças e emoções.

Quando os participantes da pesquisa falavam de um conceito como amor, por exemplo, eu tomava o cuidado de defini-lo tal como eles o vivenciavam. Às vezes, isso exigia criar novas definições (como fiz, aliás, com amor e muitas outras palavras). Em outras ocasiões, quando consultei a literatura existente, encontrei definições que captavam o espírito das experiências dos participantes. Um bom exemplo disso é brincar. Brincar é um componente essencial da Vida Plena e, ao pesquisar sobre o tema, descobri o admirável trabalho do Dr. Stuart Brown.2 Assim, em vez de criar uma nova definição, passei a citar seu livro, porque ele reflete com precisão o que aprendi em minha pesquisa.

Reconheço que definições geram controvérsias e discordâncias, mas, por mim, tudo bem. Prefiro debates sobre o significado das palavras que são importantes para nós à ausência de discussão sobre elas. Precisamos de uma linguagem comum que nos ajude a criar consciência e compreensão, que são essenciais para se viver plenamente.

Raspar o fundo do tacho

No começo de 2008, quando meu blog ainda era bem recente, fiz uma postagem sobre haver quebrado meu botão da “raspa do tacho”. Você conhece esse botão, não é? É aquele que a gente aperta quando precisa de energia para levantar mais uma vez no meio da noite, ou para lavar mais uma trouxa de roupa suja de vômito ou diarreia, ou para pegar mais um avião, ou dar mais um telefonema, ou agradar/desempenhar/aperfeiçoar algo como sempre, mesmo quando nossa vontade é dar um fora em alguém e nos esconder debaixo das cobertas.

O botão da raspa do tacho é um nível secreto de esforço extra quando a pessoa está exausta e sobrecarregada, e quando tem coisas em excesso para fazer e muito pouco tempo para cuidar de si.

No meu blog, expliquei que havia decidido não consertar esse meu botão. Tinha prometido a mim mesma que, quando me sentisse esgotada emocional, física e espiritualmente, tentaria diminuir o ritmo em vez de contar com meus velhos mecanismos de reserva, que me faziam ir além dos meus limites, perseverar e aguentar o tranco. Deu certo durante algum tempo, mas depois senti falta do botão. Senti falta de ter algo a que recorrer quando estava esgotada e abatida. Eu precisava de uma ferramenta que me ajudasse a encontrar uma saída. Assim, voltei-me outra vez para minhas pesquisas, para ver se conseguia achar um jeito de raspar o tacho que fosse mais compatível com viver plenamente. Talvez houvesse algo melhor do que simplesmente me resignar a aguentar firme.

Eis o que descobri: os homens e as mulheres que vivem plenamente raspam, sim, o fundo do tacho. Só que fazem isso de outra maneira. Quando se sentem exaustos e sobrecarregados, recorrem a reflexão, inspiração e ação, ou RIA:

Refletem sobre suas ideias e seus comportamentos por meio de oração ou meditação, ou simplesmente estabelecendo suas intenções.

Inspiram-se para fazer escolhas novas e diferentes.

Agem.

Desde que fiz essa descoberta, tenho raspado o fundo do meu tacho de uma nova forma, com o RIA, e tem sido incrível. Posso citar o exemplo de algo que aconteceu recentemente, quando eu andava perdida na neblina da internet. Em vez de trabalhar, ficava apenas me entorpecendo com brincadeiras alienantes no Facebook e desperdiçando meu tempo no computador. Eu não estava relaxando nem sendo produtiva – aquilo era só uma gigantesca perda de tempo e energia.

Experimentei a nova forma de raspar o tacho – refleti, inspirei-me e agi. Disse a mim mesma: “Se você precisa recarregar as baterias e vagar pela internet é divertido e relaxante, vá em frente. Se não é, faça deliberadamente alguma coisa relaxante. Encontre algo inspirador para fazer em vez de algo desgastante. E por último, mas não menos importante, levante da cadeira e entre em ação!” Fechei o laptop, fiz uma breve oração para me lembrar de ser compassiva comigo mesma e assisti a um filme na Netflix que queria ver fazia mais de um mês. Era exatamente disso que eu precisava.

Não foi o “raspar o tacho” de sempre – a forçação de barra. Não me obriguei a começar a trabalhar nem a fazer algo produtivo. Em vez disso, em oração, intencional e ponderadamente, fiz uma atividade revigorante.

Cada diretriz tem uma seção RIA para ajudar você a pensar em como fazer escolhas conscientes e inspiradas e como entrar em ação. Compartilho minhas estratégias pessoais do RIA e incentivo você a inventar as suas. Essas novas ferramentas têm sido muito mais eficazes do que a antiga “forçação de barra”.

Como espero contribuir

Este livro é repleto de temas marcantes, como autocompaixão, aceitação e gratidão. Não sou a primeira a falar desses assuntos e, com certeza, não sou a pesquisadora mais inteligente nem a escritora mais talentosa. Mas sou a primeira a explicar como funcionam, individualmente e em conjunto, no cultivo da Vida Plena. E, o que talvez seja mais importante, com certeza sou a primeira pessoa a abordar esses temas da perspectiva de alguém que passou anos estudando a vergonha e o medo.

Não sei dizer quantas vezes eu quis desistir das minhas pesquisas sobre a vergonha. É extremamente difícil dedicar-se ao estudo de assuntos que melindram as pessoas. Em diversas ocasiões, joguei as mãos para o alto e disse: “Desisto. É difícil demais. Há inúmeras coisas bacanas para se estudar. Quero largar isto!” Mas não fui eu que escolhi estudar a vergonha e o medo, foi a pesquisa que me escolheu.

Agora sei por quê. Era do que eu precisava, em termos profissionais e pessoais, para me preparar para este trabalho sobre a Vida Plena. Podemos falar de coragem, amor e compaixão até parecermos uma coleção de cartões com frases bonitas, mas, a não ser que estejamos dispostos a ter uma conversa franca sobre o que nos impede de pôr essas coisas em prática no nosso dia a dia, nunca mudaremos. Nunca, jamais.

A coragem parece ótima, porém precisamos falar de como ela exige que deixemos de lado a opinião dos outros – e, para a maioria de nós, isso dá medo. Compaixão é algo que todos queremos, mas será que estamos dispostos a ver que dar limites e dizer não são componentes cruciais da compaixão? Conseguiremos dizer não mesmo que decepcionemos alguém? A sensação de pertencimento é um componente essencial da Vida Plena, mas primeiro temos de cultivar a autoaceitação – e por que isso é uma batalha tão dura?

Antes de começar a escrever, sempre me pergunto: “Por que vale a pena escrever este livro? Qual é a contribuição que espero dar?” Ironicamente, creio que a contribuição mais valiosa que posso trazer para as discussões permanentes sobre amor, pertencimento e valor pessoal decorre de minhas experiências como pesquisadora da vergonha.

Chegar a este trabalho com a plena compreensão de como as vozes maldosas na nossa cabeça e os monstrinhos da vergonha nos levam a sentir medo e pequenez permite que eu faça mais do que expor grandes ideias; me ajuda a compartilhar estratégias verdadeiras de mudança de vida. Se quisermos saber por que todos temos tanto medo de deixar nosso verdadeiro eu vir à tona e ser visto, teremos que compreender o poder da vergonha e do medo. Se não formos capazes de enfrentar a voz interior que diz “Você nunca é bom o bastante” e “Quem você pensa que é?”, não conseguiremos avançar.

Quem me dera se, naqueles momentos de aflição e derrota do meu passado, quando eu estava mergulhada até o pescoço nas pesquisas sobre a vergonha, eu soubesse o que sei agora. Se pudesse voltar e cochichar no meu ouvido, eu diria a mim mesma o que direi a você ao iniciarmos esta jornada:

Assumir nossa história pode ser difícil, mas nem de longe é tão difícil quanto passarmos a vida fugindo dela. Aceitar nossas vulnerabilidades é arriscado, mas nem de longe é tão perigoso quanto desistir do amor, do pertencimento e da alegria – as experiências que mais nos tornam vulneráveis. Só quando tivermos coragem suficiente para explorar as trevas é que descobriremos o poder infinito da nossa luz.

UM

Coragem, Compaixão e Conexão: A arte da imperfeição

Praticar a coragem, a compaixão e a conexão em nossa vida cotidiana é a maneira de cultivarmos nossa sensação de valor pessoal. A palavra-chave é praticar. A teóloga Mary Daly escreveu: “Coragem é como… uma postura, um hábito, uma virtude: você a obtém através de atos corajosos. É como aprender a nadar nadando. Aprende-se a coragem praticando-a.” O mesmo se aplica à compaixão e à conexão ou sintonia. Introduzimos compaixão em nossa vida ao agirmos de modo compassivo com nós mesmos e com os outros, e nos sentimos conectados com a vida quando buscamos o outro e estabelecemos vínculos com ele.

Antes de definir esses conceitos e explicar sua função, quero mostrar-lhe como os três funcionam juntos na vida real – como práticas. Trata-se de uma história pessoal sobre a coragem de buscar ajuda, a compaixão que vem de dizer “Já passei por isso” e os elos que alimentam nossa sensação de valor pessoal.

A tempestade de vergonha da atiradora de aluguel

Não faz muito tempo, a diretora de uma grande escola pública de ensino fundamental e a presidenta de sua Associação de Pais e Mestres (APM) me convidaram para dar uma palestra para um grupo de pais sobre a relação entre resiliência e limites. Na época, eu vinha colhendo dados sobre prática parental plena e escolas, por isso fiquei animada com essa oportunidade. Não fazia ideia de onde estava me metendo.

No instante em que pisei no auditório, senti a energia estranhíssima que vinha dos pais na plateia. Eles pareciam quase agitados. Questionei a diretora sobre isso, mas ela apenas deu de ombros e se afastou. A presidenta da APM também não tinha muito a dizer sobre o fato. Atribuí aquilo a meu nervosismo e tentei deixar para lá.

Eu estava sentada na primeira fila quando a diretora me apresentou. Essa é sempre uma experiência muito constrangedora. Alguém começa a desfiar uma lista das minhas realizações enquanto, em segredo, me seguro para não vomitar e não sair correndo. Bem, essa apresentação foi além de tudo que eu já havia vivenciado.

A diretora disse coisas do tipo “Vocês podem não gostar do que vão ouvir hoje, mas precisamos escutar, pelo bem dos nossos filhos. A Dra. Brené Brown está aqui para transformar nossa escola e nossa vida! Ela vai nos colocar nos trilhos, queiramos ou não!”

Ela falava em um tom alto e agressivo, que a fazia parecer extremamente irritada. Tive a sensação de estar sendo apresentada em um evento profissional de luta livre. Só faltaram a trilha sonora característica e as luzes estroboscópicas.

Olhando para trás, eu devia ter subido no palco e dito: “Estou me sentindo muito constrangida. Fico animada por estar aqui, mas, com certeza, não vim colocar ninguém nos trilhos. Também não quero que pensem que estou tentando transformar sua escola em apenas uma hora. O que está havendo?”

Mas não fiz isso. Apenas comecei a falar, no meu estilo vulnerável de sou-pesquisadora-mas-também-sou-uma-mãe-com-dificuldades. Bem, a sorte tinha sido lançada. Aqueles pais não foram receptivos. Muito pelo contrário: em uma fileira após outra, me fuzilavam com os olhos.

Sentado bem na frente, um homem manteve os braços cruzados e trincava os dentes com tanta força que as veias lhe saltavam do pescoço. A cada três ou quatro minutos, remexia-se na cadeira, revirava os olhos e suspirava mais alto do que eu já ouvira qualquer pessoa suspirar. Era tão barulhento que chego a ficar sem jeito de chamar aquilo de suspiro. Mais parecia que ele estava bufando. Era tão incômodo que as pessoas próximas a ele ficaram visivelmente mortificadas com seu comportamento. Continuaram inexplicavelmente descontentes comigo, mas ele estava tornando a noite insuportável para todos nós.

Como professora e líder de grupo tarimbada, sei lidar com essas situações e, normalmente, fico à vontade ao fazer isso. Quando alguém tem uma conduta que perturba o restante do grupo, só há duas alternativas, na verdade: ignorar a pessoa ou fazer uma pausa, para poder confrontá-la em particular sobre sua postura inapropriada. Mas eu estava tão perturbada com aquela experiência estranha que fiz a pior coisa possível: tentei impressioná-lo.

Comecei a falar mais alto e a me mostrar realmente empolgada. Citei estatísticas assustadoras, capazes de aterrorizar qualquer pai ou mãe. Apelei até para É melhor vocês me escutarem, senão seus filhos vão largar os estudos no terceiro ano e começar a pegar carona com estranhos, usar drogas e fazer loucuras.

Nada. Lhufas.

Não consegui arrancar dele nem um aceno de concordância, nem um leve sorriso, nem coisa alguma. Só consegui apavorar os outros 250 pais já irritados. Foi um desastre. Tentar cooptar ou conquistar um sujeito como aquele é sempre um erro, porque significa abrir mão da sua autenticidade em troca de aprovação. Você deixa de acreditar no próprio valor e começa a batalhar por ele. E, minha nossa, como eu batalhei!

No instante em que a palestra terminou, peguei minhas coisas e corri para o carro. Senti o rosto pegando fogo enquanto saía do estacionamento. Sentia-me insignificante, com o coração disparado. Tentei afastar da lembrança a imagem do meu comportamento doido, mas não conseguia parar de pensar nisso. Armou-se a tempestade de vergonha.

Quando os ventos da vergonha açoitam tudo à minha volta, é quase impossível eu me agarrar a qualquer perspectiva ou lembrar qualquer coisa boa a meu respeito. Nesse dia, entrei direto na terrível autorrecriminação do Nossa, como sou idiota! Por que fui fazer aquilo?

O maior benefício, para mim, de ter feito esse trabalho (a pesquisa e o trabalho pessoal) é saber reconhecer a vergonha quando ela acontece. Primeiro, conheço meus sintomas físicos da vergonha – boca seca, tempo passando mais devagar, visão estreitada, rosto quente, coração acelerado. Sei que as dolorosas reprises mentais em câmera lenta, uma após outra, são um sinal de alerta.

Sei também que a melhor coisa a fazer quando isso acontece parece totalmente anti-intuitiva: pôr a coragem em prática e pedir ajuda! Temos que assumir nossa história e compartilhá-la com alguém que tenha conquistado o direito de ouvi-la, alguém que tenhamos certeza de que vai reagir com compaixão. Precisamos de coragem, compaixão e conexão. O mais depressa possível.

A vergonha detesta que busquemos ajuda e contemos nossa história. Detesta ser posta em palavras – não sobrevive a ser compartilhada. Ela gosta de sigilo. Mas a coisa mais perigosa a fazer, depois de uma experiência de vergonha, é esconder ou sepultar nossa história. Quando fazemos isso, a vergonha se alastra feito metástase. Lembro-me de ter dito em voz alta: “Preciso falar com alguém JÁ, NESTE INSTANTE. Coragem, Brené!”

Este é o xis do problema quando se trata de compaixão e conexão: não se pode procurar qualquer um. Não é tão simples assim. Tenho muitos bons amigos, mas há poucas pessoas com quem posso contar para a prática da compaixão quando estou nas trevas da vergonha.

Quando compartilhamos nossa história de vergonha com a pessoa errada, isso pode facilmente piorar uma situação já ruim. Precisamos de uma conexão forte em uma situação dessas – sólida como uma árvore firmemente plantada no chão. E, decididamente, temos que evitar algumas coisas:

1. O amigo ou amiga que ouve a sua história e envergonha-se por você. Fica ofegante e confirma quanto você deve estar hor­ro­ri­za­do(a). Depois, vem um silêncio incômodo. E então, é você que precisa fazê-lo(a) se sentir melhor.

2. O amigo ou amiga que reage com piedade (sinto muito por você) e não com empatia (sei como é, sinto o mesmo que você, já passei por isso). Se você quiser ver um ciclone de vergonha tornar-se mortífero, brinde-o com uma colocação do tipo “Ah, coi­ta­di­nho(a)!”.

3. O amigo ou amiga que precisa que você seja um pilar de valor e autenticidade. Não consegue ajudar porque fica desapontado(a) demais com as suas imperfeições. Você o(a) decepcionou.

4. O amigo ou amiga que fica tão consternado(a) com sua vulnerabilidade que repreende você: “Como você foi deixar isso acontecer? Onde estava com a cabeça?” Ou então procura alguém para culpar: “Quem era esse cara? Vamos acabar com ele.”

5. O amigo ou amiga que só quer melhorar as coisas e que, pelo próprio incômodo, se recusa a admitir que você pode, sim, ficar maluco(a) às vezes e fazer escolhas terríveis: “Você está exagerando. Não foi tão ruim assim. Você é o máximo. Você é perfeito(a). Todo mundo gosta de você.”

6. O amigo ou amiga que confunde “conexão” com uma oportunidade de superar você: “Isso não foi nada. Escute só o que aconteceu comigo uma vez!”

É claro que todos somos capazes de ser “esses amigos” – ainda mais quando alguém nos conta uma história que atinge em cheio o nosso núcleo de vergonha. Somos humanos, imperfeitos e vulneráveis. É difícil praticar a compaixão quando estamos lutando com nossa autenticidade, ou quando nossa autoestima está meio vacilante.

Ao buscarmos compaixão, precisamos de alguém com estrutura sólida, capaz de ser flexível, e, acima de tudo, precisamos de alguém que nos acolha por nossas forças e nossas fraquezas. Precisamos honrar nossa luta, compartilhando-a com alguém que tenha conquistado o direito de conhecê-la. Quando buscamos compaixão, precisamos nos conectar com a pessoa certa, na hora certa e sobre a questão certa.

Telefonei para minha irmã. Foi só depois do Colapso Despertar Espiritual de 2007 que passei a ligar para uma de minhas irmãs ou para meu irmão em busca de apoio nos ciclones de vergonha. Sou quatro anos mais velha que meu irmão e oito anos mais velha que minhas irmãs (que são gêmeas). Antes de 2007, eu estava bem enquadrada no papel de irmã mais velha e perfeita (ou seja, tensa, crítica e melhor do que os outros).

Ashley foi incrível. Escutou e respondeu com perfeita compaixão. Teve a coragem de recorrer às próprias dificuldades em relação à autoestima para conseguir se conectar de verdade com o que eu estava vivendo. Disse coisas maravilhosamente sinceras e empáticas, como: “Caramba, que barra pesada! Já passei por isso. Detesto essa sensação!” Talvez isso não fosse o que outra pessoa precisaria ouvir, mas foi o máximo para mim.

Ashley não vacilou nem foi tragada pela tempestade criada por minha experiência. Também não foi rígida, me criticando ou me culpando. Não tentou me corrigir nem fazer com que eu me sentisse melhor. Apenas ouviu e teve a coragem de compartilhar comigo algumas de suas vulnerabilidades.

Eu me senti totalmente exposta e, ao mesmo tempo, plenamente amada e aceita (o que, para mim, é a definição de compaixão). Acredite quando digo que a vergonha e o medo não conseguem suportar esse tipo de elo poderoso entre as pessoas. É exatamente por isso que coragem, compaixão e conexão são as ferramentas de que precisamos para nossa jornada para a Vida Plena. Para completar, minha disposição de deixar alguém com quem me importo me ver como imperfeita levou a um for­talecimento da nossa relação que perdura até hoje – e é por isso que posso chamar a tríade coragem, compaixão e conexão de “a arte da imperfeição”. Quando nos dispomos a ser imperfeitos e verdadeiros, essas dádivas continuam a dar frutos.

Só para concluir rapidamente a história: cerca de uma semana depois da luta livre/palestra para os pais, eu soube que a escola vinha enfrentando um problema de vigilância – pais que passavam o dia todo nas salas de aula e interferiam no ensino e no manejo das turmas. Sem me contarem isso, a diretora e a presidenta da APM haviam pedido aos pais que assistissem à minha palestra. Tinham dito a eles que eu iria lá para lhes explicar por que era preciso que parassem com aquela vigilância. Em outras palavras, fui colocada no papel da atiradora de aluguel contratada para acabar com a interferência parental. Péssimo. Posso não ser fã de interferência nas salas de aula, mas também não sou uma mercenária que ataca os pais. O irônico é que eu não fazia ideia de que isso vinha constituindo um problema, de modo que nem sequer toquei no assunto.

Com essa história em mente, examinemos mais de perto cada um dos conceitos da Vida Plena e como eles funcionam juntos.

Coragem

A coragem é um grande tema na minha vida. Pareço estar sempre rezando para ter alguma, ou me sentindo grata por ter conseguido um pouquinho, ou apreciando-a em outras pessoas, ou estudando-a. Mas acho que isso não me torna uma pessoa única. Todos querem ser corajosos.

Depois de entrevistar algumas pessoas sobre as verdades de sua vida – seus pontos fortes e fracos –, percebi que a coragem é uma das qualidades mais importantes que aqueles que vivem plenamente têm em comum. E não se trata de um tipo qualquer de coragem: descobri que a Vida Plena requer uma coragem comum. Vejamos o que quero dizer.

A raiz da palavra coragem é cor – o termo latino que significa coração. Em uma de suas formas mais primitivas, a palavra coragem tinha uma definição muito diferente da que tem hoje. Originalmente, significava “falar sem papas na língua, abrindo o coração”. Com o tempo, essa definição mudou e, hoje em dia, coragem tem mais a ver com heroísmo. O heroísmo é importante e decerto precisamos de heróis, mas acho que perdemos de vista a ideia de que falar com franqueza e abertamente sobre quem somos, o que sentimos e nossas experiências (boas e más) é a definição de coragem. Muitas vezes, heroísmo é colocarmos nossa vida em risco. A coragem comum é colocarmos nossa vulnerabilidade em risco. No mundo de hoje, isso é realmente extraordinário.3

Se prestarmos atenção, veremos a coragem todos os dias. Nós a vemos quando as pessoas buscam ajuda, como fiz com minha irmã Ashley.
Vejo-a na sala de aula quando uma aluna levanta a mão e diz “Estou completamente perdida. Não tenho ideia do que você está falando”. Você sabe como é incrivelmente corajoso dizer “Não entendi” quando se tem quase certeza de que todas as pessoas à sua volta entenderam? É claro que, em meus mais de doze anos lecionando, sei que, quando uma pessoa encontra coragem para dizer “Não estou entendendo”, deve haver pelo menos mais dez alunos exatamente na mesma situação. Eles podem não se arriscar, mas com certeza se beneficiam da coragem da pessoa que se arrisca.

Vi a coragem em minha filha, Ellen, quando ela me ligou de uma festa do pijama, às dez e meia da noite, e pediu:

– Mamãe, você pode vir me buscar?

Quando a peguei, ela entrou no carro e disse:

– Desculpa, mãe. É que eu não tive coragem. Fiquei com saudade de casa. Foi muito difícil. Todo mundo estava dormindo, e tive que ir ao quarto da mãe da Libby e acordá-la.

Parei na entrada da nossa garagem, saltei do carro e dei a volta para sentar no banco traseiro, onde Ellen estava. Afastei-a um pouquinho para o lado, me sentei junto dela e disse:

– Ellen, acho que pedir aquilo de que precisa é uma das coisas mais corajosas que uma pessoa pode fazer na vida. Eu sofri algumas vezes passando a noite na casa de amiguinhos e em festas do pijama porque fiquei com medo de pedir para ir para casa. Estou orgulhosa de você.

Na manhã seguinte, na hora do café, Ellen disse:

– Pensei no que você falou. Posso ser corajosa de novo e pedir outra coisa? – Sorri e ela prosseguiu: – Tenho outra festa do pijama no próximo fim de semana. Você pode me buscar na hora em que todos forem dormir? É que ainda não estou pronta.

Coragem é isso. Do tipo que todos nós poderíamos ter com mais frequência.

Também vejo a coragem em mim quando me disponho a correr o risco de ficar vulnerável e me decepcionar. Durante muitos anos, quando eu queria muito que acontecesse determinada coisa – um convite para discursar em uma conferência especial, uma promoção, uma entrevista no rádio –, eu fingia que aquilo não tinha tanta importância. Quando um amigo ou um colega perguntava “Está animada com essa entrevista na televisão?”, eu dava de ombros e respondia: “Não sei. Não é grande coisa.” Na realidade, é claro, ficava rezando para que a entrevista acontecesse.

Só recentemente aprendi que desmerecer as expectativas empolgantes não elimina a dor quando elas não se concretizam. Mas diminui, sim, a alegria quando elas se realizam. E também cria muito isolamento. Depois que você minimiza a importância de algo, é pouco provável que seus amigos telefonem para dizer: “Sinto muito que não tenha dado certo. Sei que você estava empolgada com isso.”

Agora, quando alguém me pergunta sobre uma potencial oportunidade com a qual estou animada, sou mais propensa a exercer a coragem e dizer: “Estou bastante animada com essa possibilidade. Tenho procurado ser realista, mas tenho muita esperança de que ela se concretize.” E, quando as coisas não dão certo, é reconfortante poder ligar para um amigo que me apoia e dizer: “Lembra-se daquele evento sobre o qual falei com você? Não vai acontecer, e estou muito chateada.”

Há pouco tempo, vi outro exemplo de coragem comum na escola do meu filho, Charlie. Os pais foram convidados para assistir a uma apresentação musical das crianças. Você já viu esta cena: 25 crianças cantando e mais de cinquenta pais, avós e irmãos na plateia, segurando 39 filmadoras. Os pais levantavam as câmeras bem alto, tirando fotos aleatórias, enquanto disputavam espaço para garantir que os filhos soubessem que eles estavam ali e tinham chegado na hora certa.

Além da comoção da plateia, uma menininha de 3 anos, que era nova na turma, chorou durante toda a apresentação, por não conseguir enxergar a mãe de seu lugar no palco improvisado. Acontece que a mãe tinha ficado presa no trânsito e perdeu a apresentação. Quando chegou, eu estava ajoelhada à porta da sala de aula, me despedindo do Charlie. Estava agachada e vi a mãe da menina irromper porta adentro e começar imediatamente a vasculhar a sala em busca da filha. Quando eu ia me levantando para lhe apontar o fundo da sala, onde uma professora consolava a filha dela, outra mãe passou, encarou a mãe aflita, balançou a cabeça e revirou os olhos.

Levantei, respirei fundo e procurei argumentar com a parte de mim que queria sair atrás daquela mãe que revirou os olhos, que se achava melhor do que as outras, e lhe dar um chute no traseiro por sua pontualidade perfeita. Justamente nessa hora, outras duas mães se aproximaram da mulher já em prantos e sorriram. Uma delas pôs a mão em seu ombro e disse:

– Todas nós já passamos por isso. Eu perdi a última apresentação. E não estava atrasada. Eu tinha me esquecido completamente dela.

Vi que o rosto da mulher se desanuviou e ela enxugou uma lágrima. A segunda mãe olhou-a e disse:

– Meu filho foi o único que não estava de pijama no Dia do Pijama, e até hoje me diz que aquele foi o pior dia da sua vida. Vai ficar tudo bem. Estamos todas no mesmo barco.

Quando a mãe da menina chegou ao fundo da sala, onde a professora ainda consolava sua filha, ela parecia mais calma. Tenho certeza de que isso veio a calhar quando a menina se atirou em seus braços, partindo de uns 2 metros de distância. As mães que pararam e contaram a ela suas histórias de imperfeição e vulnerabilidade puseram em prática a coragem. Reservaram alguns minutos para lhe dizer: “Escute a minha história. Você não está sozinha.” Não precisavam ter parado para compartilhar isso; poderiam facilmente ter entrado no desfile dos pais perfeitos e passado direto por essa mãe.

Como essas histórias ilustram, a coragem tem um efeito multiplicador. Toda vez que optamos por ela, tornamos todos à nossa volta um pouco melhores, e o mundo, um pouco mais valente. E não faria mal algum nosso mundo ser um pouco mais gentil e corajoso.

Compaixão

Enquanto me preparava para escrever meu livro sobre a vergonha, li tudo que achei sobre a compaixão. Acabei encontrando uma sólida combinação entre os relatos que ouvira nas entrevistas e o trabalho da monja budista americana Pema Chödrön. Em seu livro Os lugares que nos assustam, Pema escreveu: “Ao praticarmos gerar compaixão, podemos esperar sentir o nosso medo da dor. A prática da compaixão é desafiadora. Ela envolve aprender a relaxar e a permitir nos mover, gentilmente, em direção àquilo que nos assusta.”4

O que me agrada na definição de Pema é sua franqueza sobre a vulnerabilidade de praticar a compaixão. Se examinarmos de perto a origem da palavra compaixão, como fizemos com coragem, veremos por que, tipicamente, a compaixão não é nossa primeira reação ao sofrimento. A palavra deriva dos termos em latim pati e cum, que significam “sofrer junto”. Não creio que a compaixão seja nossa resposta-padrão. Penso que nossa primeira reação à dor – nossa ou dos outros – é a autoproteção. Nós nos protegemos buscando alguém ou algo para culpar. Ou, às vezes, nos protegemos recorrendo à crítica ou entrando imediatamente no modo de corrigir o problema.

Pema Chödrön aborda nossa tendência à autoproteção ensinando que devemos ser honestos e lenientes a respeito de quando e como nos fechamos: “Ao cultivarmos a compaixão, usamos a totalidade da nossa experiência – nosso sofrimento, nossa empatia, assim como nos­sa crueldade e nosso terror. Tem que ser assim. A compaixão não é um relacionamento entre aquele que cura e o ferido. É um relacionamento entre iguais. Somente quando conhecemos bem a nossa própria escuridão podemos estar presentes nas trevas dos outros. A compaixão se torna real quando reconhecemos a humanidade que compartilhamos.”5

Na minha história, Ashley se dispôs a entrar comigo na minha escuridão. Não se fez presente para me ajudar nem para me endireitar; apenas ficou comigo – como uma igual –, segurando minha mão, enquanto eu fazia a difícil travessia de meus sentimentos.

Os limites e a compaixão

Uma das maiores (e menos discutidas) barreiras à prática da compaixão é o medo de estabelecer limites e responsabilizar pessoas. Sei que isto parece estranho, mas creio que compreender a ligação entre limites, responsabilidade, aceitação e compaixão me tornou uma pessoa mais generosa. Antes do colapso, eu era mais meiga – crítica, ressentida e raivosa por dentro, porém mais meiga por fora. Hoje, creio ser verdadeiramente mais compassiva, menos crítica e ressentida, e muito mais séria quando se trata de fixar limites. Não faço ideia de qual seja a imagem externa dessa combinação, mas por dentro ela é bem potente.

Antes desta pesquisa, eu sabia muito sobre cada um desses conceitos, mas não compreendia como eles se encaixavam. Nas entrevistas que fiz, fiquei pasma ao perceber que muitos dos que se comprometiam realmente com a prática da compaixão eram também as pessoas mais atentas à existência de limites. As pessoas compassivas eram as que estabeleciam limites. Fiquei perplexa.

Eis o que aprendi: o cerne da compaixão é mesmo a aceitação. Quanto mais aceitamos a nós mesmos e os outros, mais compassivos nos tornamos. Bem, é difícil aceitar as pessoas quando elas nos magoam, ou se aproveitam de nós, ou passam por cima da gente. Esta pesquisa me ensinou que, quando queremos realmente praticar a compaixão, temos que começar por estabelecer limites e responsabilizar as pessoas por sua conduta.

Vivemos em uma cultura da culpa – queremos saber quem são os culpados e como eles vão pagar. Em nosso mundo pessoal, social e político, fazemos muito barulho e muitas acusações, mas raramente responsabilizamos alguém. Como poderíamos? Ficamos tão exaustos de esbravejar e vociferar que não nos sobra energia para elaborar consequências sensatas e implementá-las. Da política e da economia até nossas escolas e casas, acredito que essa mentalidade de raiva-culpa-excesso-de-cansaço-e-de-atividade-para-pensar-nas-coisas-até-o-fim é a razão de ficarmos tão cheios de raiva moralista e tão vazios de compaixão.

Não seria melhor se pudéssemos ser mais bondosos, porém mais firmes? Que diferença faria na nossa vida se houvesse menos raiva e mais responsabilidade? Como seria a nossa vida no trabalho e em casa se atribuíssemos menos culpas, porém respeitássemos mais os limites?

Recentemente, fui chamada para conversar com um grupo de líderes empresariais que vinham tentando administrar uma difícil reestruturação da companhia. Um dos gestores do projeto me disse que, depois de me ouvir falar dos perigos de empregar a vergonha como ferramenta administrativa, ficara preocupado com a possibilidade de vir constrangendo os membros de sua equipe. Ele me contou que, quando fica muito frustrado, costuma selecionar algumas pessoas e criticar seu trabalho em reuniões da equipe. E explicou:

– Ando muito frustrado. Tenho dois funcionários que simplesmente não escutam. Explico cada detalhe do projeto, confiro para ter certeza de que eles entenderam e, mesmo assim, eles fazem as coisas do seu jeito. Fico sem alternativa. Eu me sinto contra a parede, fico com raiva e ataco os dois na frente dos colegas.

Quando lhe perguntei como fazia para responsabilizar esses dois funcionários por não cumprirem o protocolo do projeto, ele retrucou:

– O que você quer dizer com responsabilizar?

– Depois de verificar para ter certeza de que eles entenderam suas expectativas e os objetivos do projeto, como você esclarece as consequências de eles não seguirem os planos ou não cumprirem os objetivos? – expliquei.

– Não falo das consequências – respondeu. – Os dois sabem que o esperado é que eles cumpram o protocolo.

Dei-lhe um exemplo:

– Certo. O que aconteceria se você lhes dissesse que, da próxima vez que eles descumprirem o protocolo, você registrará isso por escrito, ou lhes dará uma advertência formal, e que, caso o problema persista, eles serão demitidos?

O homem balançou a cabeça e respondeu:

– Não, não, isso é muito sério. Eu teria que envolver o pessoal de recursos humanos. Viraria uma encrenca danada.

Estabelecer limites e responsabilizar as pessoas por seus atos é muito mais trabalhoso do que constranger e culpar. Mas é também muito mais eficaz. Constranger e atribuir culpa sem responsabilização é um veneno para casais, famílias, organizações e comunidades. Para começar, quando constrangemos e culpamos o outro, isso desloca o foco do comportamento original que está sendo questionado para nosso comportamento. Quando o chefe mencionado acaba de constranger e humilhar seus dois funcionários na frente dos colegas, o único comportamento que fica em questão é o dele.

Além disso, quando não levamos adiante as consequências cabíveis, as pessoas aprendem a desconsiderar nossos pedidos – mesmo que eles soem como ameaças ou ultimatos. Se pedirmos a nossos filhos que não deixem suas roupas largadas no chão e eles souberem que a única consequência de não obedecer serão alguns minutos de gritaria, é justo que eles acreditem que, na verdade, isso não é tão importante para nós.

É difícil entender que podemos ser compassivos e receptivos e, ao mesmo tempo, responsabilizar as pessoas por seus comportamentos. Podemos, sim, e na verdade essa é a melhor maneira de agir. Podemos confrontar alguém a respeito de sua conduta, ou demitir um funcionário, ou reprovar um aluno, ou disciplinar uma criança sem repreendê-los nem depreciá-los. O segredo é separar as pessoas de seus comportamentos – abordar o que elas fazem, não o que elas são (falarei mais dessa questão no próximo capítulo). Também é importante vencer o desconforto de combinar compaixão e limites. Temos que evitar a ideia de que detestamos alguém, ou de que essa pessoa merece ficar mal, para nos sentirmos melhor ao responsabilizá-la por seus atos. É aí que surgem os problemas. Quando nos convencemos a antipatizar com alguém para ficarmos mais à vontade ao responsabilizá-lo pelo que faz, nos aparelhamos para um jogo de vergonha e culpa.

Quando não estabelecemos limites nem responsabilizamos as pessoas, nos sentimos usados e destratados. É por isso que, às vezes, atacamos quem elas são, o que machuca muito mais do que apontar uma conduta ou uma escolha. Para nosso próprio bem, precisamos entender que é perigoso, para nossos relacionamentos e nosso bem-estar pessoal, ficarmos atolados na vergonha e na culpa, ou cheios de uma raiva moralista. Também é impossível praticar a compaixão a partir do ressentimento. Para que exerçamos a aceitação e a compaixão, precisamos de limites e da responsabilização.

Conexão

Defino conexão ou sintonia como a energia que existe entre as pessoas quando elas se sentem vistas, ouvidas e valorizadas; quando podem dar e receber sem críticas; e quando extraem sustentação e força do relacionamento.

Minha irmã Ashley e eu nos sentimos em profunda sintonia depois de nossa experiência. Sei que fui vista, ouvida e valorizada. Apesar de ter sido assustador, consegui pedir apoio e ajuda. E nós duas nos sentimos fortalecidas e realizadas. De fato, passadas umas duas semanas, Ashley me disse: “Nem tenho palavras para expressar como fiquei contente por você ter me ligado naquele dia. Me ajudou muito saber que não sou a única pessoa a fazer aquele tipo de coisa. Também gostei de saber que posso ajudá-la e que você confia em mim.” Conexão gera conexão.

Aliás, fomos programados para a conexão. Faz parte da nossa biologia. Desde o momento em que nascemos, precisamos de conexão para prosperar nos planos afetivo, físico, espiritual e intelectual. Dez anos atrás, a ideia de estarmos “programados para a conexão” poderia ser tachada como piegas, ou como alternativa. Hoje sabemos que a necessidade de conexão é mais do que um sentimento ou um palpite. É pura ciência. Neurociência, para sermos exatos.

Em seu livro Inteligência social: O poder das relações humanas, Daniel Goleman explora o fato de as descobertas mais recentes da biologia e da neurociência confirmarem que fomos programados para nos conectar e que nossas relações moldam tanto nossa biologia quanto nossas experiências. Ele diz: “Até nossos contatos mais rotineiros agem como reguladores no cérebro, afiando nossas emoções, algumas desejáveis, outras não. Quanto mais forte é nossa ligação afetiva com alguém, maior é a força recíproca.”6 É admirável – embora talvez não surpreendente – que a conexão que experimentamos em nossas relações exerça impacto na maneira como nosso cérebro se desenvolve e funciona.

Nossa necessidade inata de conexão torna muito mais reais e perigosas as consequências da desconexão. Às vezes, apenas supomos estar conectados. A tecnologia, por exemplo, tornou-se uma espécie de impostora de vínculos, levando-nos a crer que estamos conectados quando, na verdade, não estamos – pelo menos não do modo que precisamos estar. Em nosso mundo louco por tecnologia, confundimos ser comunicativo com ter vínculos. O simples fato de estarmos conectados na internet não significa que nos sintamos vistos e ouvidos. Na verdade, a hipercomunicação pode significar que passamos mais tempo no Facebook do que em interações presenciais com as pessoas que nos importam. Nem sei dizer quantas vezes entrei em um restaurante e vi um casal falando ao celular enquanto os filhos mandavam mensagens de texto ou jogavam videogame. De que adianta se sentarem juntos?

Ao pensarmos na definição de conexão e em como é fácil confundi-la com a tecnologia, também precisamos pensar em abandonar o mito da autossuficiência. Uma das maiores barreiras à conexão é a importância cultural que atribuímos a “fazer as coisas sozinho”. De algum modo, passamos a equiparar sucesso a não precisar de ninguém. Muitos se dispõem a ajudar, mas relutam muito em buscar ajuda quando precisam. É como se dividíssemos as pessoas entre “as que oferecem ajuda” e “as que precisam de ajuda”. A verdade é que somos as duas coisas.

Aprendi muito sobre dar e receber com os homens e as mulheres empenhados em viver plenamente, porém nada foi mais importante que isto:

Enquanto não soubermos receber de coração aberto, nunca saberemos dar, realmente, de todo o coração. Quando vinculamos crítica e julgamento ao ato de receber ajuda, também vinculamos, com ou sem consciência disto, crítica e julgamento ao ato de fornecer ajuda.

Durante anos valorizei o fato de ser, na minha família, a pessoa que ajudava. Podia ajudar em uma crise, ou emprestar dinheiro, ou oferecer conselhos. Sempre tinha prazer em ajudar, mas nunca ligava para meus irmãos para pedir ajuda, muito menos para buscar apoio nas tempestades de vergonha. Na época, eu negaria com veemência que vinculasse alguma crítica ou julgamento a minhas doações generosas. Mas hoje compreendo que eu obtinha valorização do fato de nunca precisar de ajuda e sempre oferecê-la.

Durante o colapso, precisei de ajuda. Precisei de apoio, de uma mão amiga e de conselhos. Graças a Deus! Buscar tudo isso em meu irmão e minhas irmãs, todos mais novos que eu, mudou por completo a dinâmica da nossa família. Conquistei permissão para desmoronar e ser imperfeita, e eles puderam compartilhar comigo sua força e sua incrível sabedoria. Se conexão é a energia que cresce entre as pessoas, precisamos lembrar que essa energia deve circular nos dois sentidos.

A jornada da Vida Plena não é o caminho mais fácil. É um caminho de conscientização e escolha. E, para ser franca, é meio contracultura. A disposição de contarmos nossa história, sentirmos a dor dos outros e permanecermos genuinamente conectados neste mundo desconectado não é algo que consigamos fazer se não tivermos entusiasmo.

Praticar a coragem, a compaixão e a conexão é olhar para a vida e as pessoas à nossa volta e dizer: “Estou nessa. Totalmente.”


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