Como fica a minha vida depois de você? Como é que a gente faz para esquecer alguém? Os primeiros vestígios do fim, as despedidas, deixar alguém, ser deixado, o recomeço, a necessidade de se acostumar a viver sozinho de novo, os flashbacks, as ligações de madrugada, a falta que persiste, os novos encontros, os velhos encontros, a gente encontrando a gente, um mundo novo surgindo, a luz no fim do túnel. Em Depois do fim, Daniel Bovolento conta a trajetória de todo mundo que terminou alguma coisa e tem que aprender a lidar com as diferentes dores e superações de quem perdeu um amor. São 50 textos em que se misturam crônicas e desabafos sobre recomeço, aprendizado e a esperança de um novo final feliz. ‘Cada um de nós encontra uma maneira diferente de encarar o fim. Cada um de nós passa por fins diferentes, por mais que tenhamos tido histórias parecidas.
Páginas: 224 páginas; Editora: Outro Planeta; Edição: 1 (1 de agosto de 2016); ISBN-10: 8542207882; ISBN-13: 978-8542207880
Leia trecho do livro
A todo mundo que já perdeu um amor.
Este livro fala sobre nós e, inevitavelmente,
sobre eles também.
INTRODUÇÃO
“And you, I did ft all for you
And I’ll love you if I don’t have to.”
(ffI Don’t Have To — Keaton Henson)
Você sempre acha que essas coisas nunca vão acontecer com você.
Primeiro, a sorte de ter encontrado alguém na multidão, um rosto que conte alguma história parecida com a tua. Alguém que te apresente ao mundo de novo, como um segundo nascimento. Você sabe que vai ser diferente. Talvez seja agora, porque você nunca sentiu as coisas desse jeito. Talvez seja agora, porque já sentiu outras vezes e sabe que é exatamente assim que começa. Eis que um estranho se torna conhecido.
Depois, você vê que as cenas copiadas de filmes nunca vão acontecer contigo. Elas não se repetem. São extraídas da realidade cinematográfica, traduzidas, adaptadas e implantadas na sua vida. Naquele macarrão ao molho branco de última hora. No café da padaria com os cabelos ainda molhados. Nos guarda-chuvas fechados com pressa para não respingar nos pedestres. Nas risadas calorosas dentro do cinema ou durante jantares de famffia no interior. Nos pedidos de desculpas. Nos rótulos de vinho decorados. Em qualquer outro clichê pra ser vivido a dois que você queira rabiscar aqui.
No fim, você também acha que nunca vai acontecer com você. Você se sente imune, ou então nem sente, mas de alguma forma se acostumou tanto a tê-lo ali que nem imagina como seria não tê-lo mais. Eis que, num dia qualquer, numa quarta ou quinta-feira, ele não está mais lá.
Ele resolveu ir embora.
Ou você se foi.
Ele foi tirado de você.
Ou atirou-se em alguém.
Ele não está mais em casa.
Ou não está mais em lugar nenhum?
Bobagem. Você sabe que está.
Quando você achava que nunca aconteceria nada disso com você, quando o fim era uma perspectiva tão imprevisível quanto o início, você acaba tendo uma única certeza: ele ainda está dentro de você. E seu maior problema agora, mais do qualquer outro, é descobrir como tirá-lo daí.
A GENTE NUNCA SABE
QUANTO TEMPO O OUTRO
VAI MORAR NA GENTE
DEPOIS DA DESPEDIDA
1
ATÉ QUANDO EU VOU AMAR VOCÊ?
“How long will I love you?
As long as stars are above you
And longer, if I can.”
(How Long Will I Love You – Ellie Gouldíng)
Cê acha que isso aqui vai demorar muito? Não o filme, mas a gente. Isso aqui que a gente tem e que um dia passa.
Acho que sim, acho que não. Não sei. Tempo é relativo. Pra você pode ter sido um ano, pra mim pode ser uma vida. A gente nunca sabe quanto tempo o outro vai morar na gente depois da despedida.
E você vai querer se despedir de mim ou espera que eu vá embora sem bater a porta? Me diz agora que tá tudo bem que eu anoto pra não te magoar mais.
Cê acha que vai me magoar multo? Não imagino nada que você possa fazer pra me machucar. Só se colar chiclete no meu cabelo e ele não sair nunca mais, me obrigando a raspar a cabeça, mas daí eu te dou um murro e fico sem falar com você. Vai me fazer te achar imbecil, mas não vou te odiar por isso. Acho bem difícil conseguir odiar você.
Hoje?
Não, em qualquer situação.
Por quê?
É só olhar pra essa sua carinha de quem tá perdido no mundo que a gente te abraça.
Me abraça?
Abraço. Sempre abracei. Até quando a gente não se conhecia eu já te abraçava na chuva.
Como?
Você não sentia que uma hora a coisa toda ia passar mesmo que tivesse esquecido o guarda-chuva em casa? Sentia uma certeza absoluta de que ia ficar tudo bem, não importa quão molhado chegasse ao destino? Eu era essa certeza, na verdade, eu era o abraço.
Você só não sabia ainda, mas eu sempre te dei abrigo, te dou até hoje. Não sei fazer outra coisa senão te dar abrigo.
E quando isso acabar?
Eu vou continuar te abraçando na chuva. Não vejo outra maneira, não tem como mudar isso.
Não sei. Acho que não vou me acostumar com a gente sendo de outro jeito mais pra frente e isso vai me incomodar. Vai me incomodar porque o tempo desgasta e a gente se devora um pouco a cada dia. Uma hora você não vai querer atender o telefone, uma hora eu vou me esquecer do seu nome de propósito. Será que a gente vai transformar o amor que a gente tinha em falta?
É possível. E daí eu vou viajar.
Pra onde?
Pra Ásia. Pra ler Comer, rezar, amar num trem da Tailândia. Pra ter a minha própria inspiração pessoal, uma grande revelação de vida enquanto tento te esquecer.
E se você não precisar?
Viajar? Claro que vou precisar. Se não precisar, invento que preciso. Não, me esquecer. E se você não precisar me esquecer?
Daí é sinal de que eu me enganei. E que aquele abraço na chuva não era meu, não era seu. Se a gente não precisa esquecer um amor quando acaba significa que ele já tinha sido esquecido faz tempo. E qual é o sentido de se amar sem memória?
Se apaixonar pela mesma pessoa todos os dias.
Não, isso só acontece em filmes. Sem memória a gente não constrói nada. Seja boa ou ruim, se eu não tiver lembrança nenhuma de você, significa que você nunca existiu pra mim.
Clementine?
Pior, porque ela escolheu. Eu não teria escolhido, você não teria marcado. Prefiro tentar te esquecer pelo mundo do que ter te esquecido aqui enquanto te olho.
Prefiro te esquecer na Bahia. Calor e acarajé. Pimenta pra queimar a língua e axé pra me animar da perda.
Só vai ser perda se eu te deixar. E daí não vou ter por que viajar e me encontrar de novo. Me deixa?
Te deixo. Mas não te deixo ir embora.
Me encontra no aeroporto e me pede pra ficar. Você fica?
Não fico. Eu vou ter de ir, mas pelo menos não vou te esquecer tão cedo. A cena vai ser bonita.
Quando então?
Nunca. A gente pode até guardar o fim, mas não dá pra esquecer o amor que a gente teve.
Me guarda com você?
Guardo. Na Ásia, durante a viagem de trem na Tailândia, dentro do meu livro. Me guarda também?
Te guardo na Bahia, já disse. Te guardo em mim.
Cê acha que isso aqui vai terminar logo?
Espero que não. Espero que nunca termine.
O filme?
Não, a gente.
SERÁ QUE NINGUÉM AÍ DENTRO PERCEBE QUE O SILÊNCIO SÓ VAI AJUDAR A AFUNDAR MAIS RÁPIDO NA LAMA?
2
QUANDO VOCÊ SE CANSA DAS COISAS COMO ESTÃO
“I’m so sick of that same old love
My body’s had enough.”
(Same Old Love — Selena Gomez)
O jeito como ele te olha entrega as coisas: não são mais as mesmas. Cê percebe isso na presença equivocada, no modo como ele rasteja pela casa, nas saídas esgueiradas do sofá quando você senta. As conversas não duram mais de cinco minutos sem hiatos profundos que causam arrepios como se a ponta de espinhos entrasse nas tuas costas. TV chiando, olhos oblíquos vidrados no chão, encarar doeria mais. Vocês fingem que nada aconteceu.
Como é conviver com um fantasma do que já foi? Me diz. Porque é exatamente isso o que você anda fazendo, convivendo dentro de casa com algo que já morreu. Nesse caso, ninguém pode te ajudar. Ninguém vai sentir o cheiro do cadáver em decomposição e chamar a polícia, ninguém vai arrombar a porta da frente aos prantos com bombeiros e sirenes, nenhum noticiário vai exibir a tragédia pessoal de vocês. Se era isso o que você esperava, sinto decepcionar, não vai acontecer.
Sei que é mais cômodo ir empurrando com a barriga e esperar que um milagre aconteça com vocês antes que adentrem o corredor da morte. Você reza, ele chora. Nenhum dos dois põe a boca no trombone e berra, que é exatamente o que vocês deveriam fazer. Será que ninguém aí dentro percebe que o silêncio só vai ajudar a afundar mais rápido na lama? Vocês deveriam chacoalhar o outro, berrar até que ambos abram os olhos, pegar antigos porta-retratos e responder olho no olho o que vocês ainda fazem aí. Se não existe ninguém em casa, não há motivos pra guardar fantasmas. Se não existe mais motivo, não tem por que fingir que os sobrenomes ainda combinam no papel.
Quando você finalmente cansa das coisas como estão só existem dois caminhos. Um deles é pegar tuas coisas e atirar tudo pela janela, se jogar junto, encarar o baque surdo no chão e recomeçar do zero. O outro caminho requer paciência e tanta bravura quanto o primeiro. Você vai ter de pegar nas mãos do outro, acariciar os fatos, chamar os demônios pra tomar um café. Lavar roupa suja, comer pizza dormida e ver se a cama volta a dar aconchego. Geralmente, a gente tem essas duas opções. O problema é quando nós quebramos esse ciclo e nos mantemos parados, com os olhos vidrados na televisão, numa espera eterna de que os bombeiros cheguem antes do corredor da morte do amor.
DEPOIS DE TODA A DOR, VOCÊ ESCOLHEU FICAR MARCADA EM MIM, FEITO TATUAGEM.
3
EU TÔ DESISTINDO DE VOCÊ
“Say something, I’m giving up on you
I’m sorry that I couldn’t get to you.”
(Say Something — A Great Big World feat. Christina Aguilera)
Você tá aí, quieta demais, e vem me olhar com essa cara de quem não imaginava, de quem nunca imaginou, que um dia eu iria embora. Tá aí me encarando descrente como sempre fez. Lançando um olhar de reprovação doloroso que duvida de mim. Duvida de mim e duvida de tudo o que eu já fiz, já passei, já corri e já deixei por você. Desta vez eu bato a porta e apago a luz, desta vez eu selo a carta e endereço pro lugar certo, desta vez não tem mais “outra” na frente pra relembrar das segundas chances.
Tô me livrando de você, te desalojando. Te colocando numa caixinha de música velha que vai parar de tocar no exato momento em que eu tirar os olhos de você. Tô te pintando no rosto, meu bem, como listras de guerra. Tô quebrando pratos, deixando a pia mais limpa pra não sujar as tuas mãos. Tô te pintando com laço e de vestido, pra não me esquecer de como você se vestia pro espelho, enquanto defenestrava o amor do sétimo andar.
Tô te implorando lentamente pra dizer alguma coisa que me pare enquanto eu declaro que tô desistindo de você. Tô levando na mala só o que é meu, e deixo o que era nosso pra você fazer fogueira do passado. Queime os retratos, as correntes, o desprezo e me jogue junto. Talvez assim eu sinta, pelo menos uma vez, alguma coisa que não seja frieza. Tô levando tudo num gerúndio lento, que se arrasta pela casa com justificativas, e a única coisa que você faz é ficar aí me encarando. Paralisada, estagnada, calada. Depois de toda a dor, você escolheu ficar marcada em mim, feito tatuagem. E nada mais.
Tô desistindo da lembrança de que, talvez você nem lembre, um dia desses a gente se bastava. Do apelo comovido dos presentes de aniversário, dos alarmes silenciados pra me atrasar agarrado em você. Tô desistindo de quem eu amo, cuido, consolo e me fez ver tudo virar passado numa apropriação indevida de nós. Tô desistindo quando não queria mais desistir.
Então usa esse infinitivo pra parar esse gerúndio doído. Me para e grita pra mim que ainda tem lugar pra nós dois aqui antes que eu desista. Diz alguma coisa enquanto eu me despedaço e me ponho nas caixas. Diz pra parar o sal descendo na minha boca, diz pra ser clara de vez e me consentir um abrigo renovado. Diz pra mim que muda, por favor, e que muda a minha vida junto. Diz que se lembra de mim e que teus olhos vidrados não são esquecimento. Diz que não me jogou no seu limbo pessoal. Diz e me impede, de uma vez, de desistir de você.
Você não me diz nada e eu tô indo embora.
É ALGO COMUM: A GENTE SÓ DEIXA A FICHA CAIR QUANDO PERCEBE QUE ESTÁ PERDENDO ALGUÉM.