Um manifesto que vai fazer você pensar duas vezes antes de postar. Hoje as redes sociais são praticamente um segundo documento de identidade: não participar de determinada plataforma muitas vezes é sinônimo de total isolamento. Mas você já pensou como seria se deletasse os seus perfis na rede e levasse uma vida diferente? Jaron Lanier, considerado o pai da realidade virtual e uma das maiores referências (e críticos) do Vale do Silício, não tem conta em nenhuma rede social e deixa bem claro por quê: “Evito as redes sociais pela mesma razão que evito as drogas.” Segundo ele, as bases da internet foram fundamentadas em um modelo de negócio regido pelas propagandas. Os anúncios, nossos velhos conhecidos das mídias tradicionais, ganharam uma nova dimensão à medida que a internet se desenvolvia. O que antes era apenas a exposição de um produto agora é uma engrenagem intrincada de algoritmos…
Páginas: 192 páginas; ISBN-10: 9788551003954; ISBN-13: 978-8551003954; Editora: Intrínseca; 1ª Edição (10 outubro 2018); ASIN: B07HY9VMJ5
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Sobre o autor: Jaron Lanier é cientista, músico e escritor, mais conhecido por seu trabalho em realidade virtual e sua defesa do humanismo e da economia sustentável num contexto digital. Sua startup nos anos 1980, a VLP Research, criou os primeiros produtos de RV comerciais e introduziu avatares, experiências multipessoa em mundos virtuais e protótipos de grandes aplicativos de RV, como simulação cirúrgica. Seus livros Bem-vindo ao futuro e Gadget foram best-sellers internacionais, e Dawn of the New Everything foi escolhido um dos melhores livros do ano de 2017 pelo The Wall Street Journal e pela The Economist.
Leia trecho do livro
Introdução (com gatos)
Vamos começar com gatos.
Os gatos estão por toda parte na internet. Estão nos memes mais difundidos e nos vídeos mais fofinhos.
Por que mais os gatos do que os cachorros?
Os cachorros não foram até os humanos antigos implorando para viver conosco; nós os domesticamos. Eles foram criados para serem obedientes. Aceitam ser treinados, são previsíveis e trabalham para nós. Isso não é nenhum demérito para os cachorros. É ótimo que sejam leais e confiáveis.
Os gatos são diferentes. Eles apareceram e, em parte, domesticaram a si próprios. Não são previsíveis. Os vídeos populares de cachorros costumam mostrar treinamentos, ao passo que a maioria dos vídeos absurdamente populares de gatos são aqueles que expõem comportamentos estranhos e surpreendentes.
Embora inteligentes, os gatos não são uma boa escolha para quem quer um animal que aceite o treinamento de maneira confiável. Basta assistir a um vídeo de circo de gatos na internet: o mais comovente é que fica claro que os animais estão decidindo se colocam em prática o truque que aprenderam, não fazem nada ou saem andando em direção à plateia.
Os gatos fizeram o que parecia impossível: se integraram ao mundo moderno, de alta tecnologia, sem se entregarem. Eles ainda estão no controle. Você não precisa se preocupar que algum meme furtivo produzido por algoritmos, pago por um oligarca sinistro e oculto, passe a dominar seu gato. Ninguém domina seu bichano; nem você, nem ninguém.
Ah, como gostaríamos de ter essa segurança não apenas em relação a nossos gatos, mas a nós mesmos! Os gatos na internet representam nossas esperanças e sonhos para o futuro das pessoas na grande rede.
Ao mesmo tempo, ainda que a gente adore os cachorros, não queremos ser como eles, pelo menos no que se refere à relação de poder com as pessoas. Tememos, porém, que o Facebook e redes afins estejam nos transformando em cachorros. Quando do nada fazemos alguma coisa desagradável na internet, podemos considerar isso uma resposta a um “apito de cachorro”, daquele tipo que só pode ser ouvido por eles. Temos medo de ficar sob algum tipo de controle obscuro.
Este livro é sobre como ser um gato, à luz das seguintes perguntas: como permanecer independente em um mundo onde você está sob vigilância contínua e é constantemente estimulado por algoritmos operados por algumas das corporações mais ricas da história, cuja única forma de ganhar dinheiro é manipulando o seu comportamento? Como ser um gato, apesar disso tudo?
O título não mente: este livro apresenta dez argumentos para você deletar todas as suas contas nas redes sociais. Espero que ajude. E mesmo que você concorde com todo o meu raciocínio, pode ser que ainda queira manter algumas contas. Enquanto gato, você está no seu direito.
Ao apresentar os dez argumentos, discutirei algumas maneiras pelas quais você pode pensar sobre sua situação para decidir o que é melhor para a sua vida. Mas só você é capaz de saber.
NOTA DO AUTOR, MARÇO DE 2018
Este livro foi escrito durante os últimos meses de 2017, mas 2018 trouxe acontecimentos que se mostraram extremamente relevantes. O manuscrito estava feito, refeito e finalizado — a caminho da gráfica — quando as sórdidas revelações do escândalo Cambridge Analytica estimularam uma debandada maciça de pessoas do Facebook.
Infelizmente, nem todos os lideres e pensadores encararam esse momento com a coragem necessária. Alguns experts tentaram sair da plataforma, mas não conseguiram. Outros afirmaram que nem todo mundo tem privilégio o bastante para abandoná-la, de modo que seria uma crueldade deixar para trás os menos favorecidos. Outros ainda argumentaram que sair ou não era uma questão irrelevante: o que realmente importava era pressionar os governos a regulamentar o Facebook. Em geral, os comentários a respeito dos que deletaram suas contas foram arrogantes e desdenhosos. Além de completamente errados.
Vamos lá, pessoal! Sim, ter condições de deletar sua conta é um privilégio; muitas pessoas de fato não conseguem. No entanto, ter certa liberdade para sair das redes sociais e não aproveitar a chance não é apoiar os menos favorecidos, mas entanto, ter certa liberdade para sair das redes sociais e não aproveitar a chance não é apoiar os menos favorecidos, mas reforçar o sistema no qual muitas pessoas estão presas. Sou prova viva de que é possível ter uma vida pública sem usar as redes sociais. Aqueles de nós que têm opções devem explorá-las, senão elas vão continuar apenas no plano teórico. Os negócios vão atrás do dinheiro, então aqueles que têm opção também têm poder e responsabilidades. Você, você mesmo, tem a responsabilidade de inventar e colocar em prática maneiras de viver sem essa porcaria que está destruindo a nossa sociedade. Por ora, sair das redes sociais é a única forma de descobrir o que pode substituir o nosso grande equívoco.
ARGUMENTO UM
Você está perdendo seu livre-arbítrio
BEM-VINDO À GAIOLA QUE VAI A TODOS OS LUGARES COM VOCÊ
Algo totalmente novo está acontecendo. Nos últimos cinco ou dez anos, quase todo mundo começou a carregar consigo, o tempo todo, um aparelhinho chamado smartphone, feito sob medida para modificações de comportamento pelos algoritmos. Muitos de nós também usam aparelhos chamados smart speakers (alto-falantes inteligentes) na bancada da cozinha de casa ou no painel cio carro. Estamos sendo rastreados e avaliados constantemente, e recebendo o tempo todo um feedback artificial. Estamos sendo hipnotizados pouco a pouco por técnicos que não podemos ver, para propósitos que não conhecemos. Agora somos todos animais de laboratório.
Os algoritmos se empanturram de dados sobre você a cada segundo. Em que tipos de link você clica? Quais são os vídeos que vê até o fim?
Com que rapidez pula de urna coisa a outra? Onde você está quando faz essas coisas? Com quem está se conectando pessoalmente e on-line? Quais são as suas expressões faciais? Corno o tom da sua pele muda em diferentes situações? O que você estava fazendo pouco antes de decidir comprar ou não alguma coisa? Você vota ou se abstém?
Todas essas informações e muitas outras têm sido comparadas a leituras semelhantes sobre a vida de milhões por meio de uma espionagem maciça. Os algoritmos correlacionam o que você faz com o que quase todas as outras pessoas têm feito.
Os algoritmos não entendem você de fato, mas existe poder nos números, sobretudo nos grandes. Se muitas pessoas que gostam dos mesmos alimentos que você costumam rejeitar retratos de um candidato com moldura cor-de-rosa, não azul, então provavelmente você também os rejeitará, e ninguém precisa saber por quê. As estatísticas são confiáveis, mas apenas como forças do mal idiotas.
Você está triste, solitário, assustado? Feliz, confiante? Sua menstruação se aproxima? Teve um pico de ansiedade?
Os supostos anunciantes podem se apoderar do momento em que você está perfeitamente satisfeito e influenciá-lo com mensagens que funcionaram com outras pessoas cujas características e situações são iguais às suas.
Digo “supostos” porque não é correto chamar de anúncio a manipulação direta. Os anunciantes costumavam ter uma chance limitada de fazer uma abordagem de venda, e essa abordagem podia ser sorrateira e irritante, mas era passageira. Além disso, muita gente via o mesmo anúncio veiculado na TV ou impresso em jornais e revistas; ele não era adaptado para cada indivíduo. A maior diferença é que você não era monitorado e avaliado o tempo todo para que pudessem alimentá-lo com estímulos otimizados de maneira dinâmica — sejam eles “conteúdo” ou anúncios — de forma a alterá-lo e conseguir seu engajamento.
Agora, todos que estão nas redes sociais recebem estímulos individualizados, continuamente ajustados, sem trégua; é só estar usando o smartphone. O que antes podia ser chamado de propaganda deve agora ser entendido como uma modificação de comportamento permanente e em escala gigantesca.
Por favor, não se ofenda. Sim, estou sugerindo que você talvez esteja se tornando, só um pouquinho, um cachorro adestrado, ou algo menos lisonjeiro, como um rato de laboratório ou um robô. Estou sugerindo que você tem sido controlado remotamente, só um pouquinho, por clientes de grandes corporações. Mas, se eu estiver certo, conscientizar-se disso pode libertar você. Portanto, dê uma chance a este livro.
Um movimento científico chamado behaviorismo surgiu antes da invenção dos computadores. Os behavioristas estudavam maneiras novas, mais metódicas, estéreis e esquisitas de treinar animais e humanos.
Havia um behaviorista famoso chamado B. F. Skinner. Ele montou um sistema metódico, conhecido como caixa de Skinner, em que animais engaiolados recebiam agrados quando faziam algo específico. Não havia ninguém acariciando o animal ou sussurrando para ele, era apenas uma ação mecânica isolada — um novo tipo de treinamento para tempos modernos. Vários behavioristas, que com frequência tinham uma aura um tanto sinistra, aplicaram esse método em pessoas. As estratégias behavioristas muitas vezes funcionavam, o que deixou todo mundo maluco e acabou justificando uma penca de roteiros de filmes de terror e ficção científica assustadores sobre “controle da mente”.
Um fato triste é que podemos treinar alguém usando técnicas behavioristas sem que a pessoa nem sequer se dê conta. Até bem pouco tempo atrás, isso raramente acontecia, a não ser que você se candidatasse para ser cobaia em um experimento no porão do prédio de psicologia de alguma universidade. Então você ia para uma sala e era testado enquanto alguém o observava através de um espelho falso. Embora soubesse que havia um experimento em curso, você não percebia como estava sendo manipulado. Mas pelo menos dava consentimento para ser manipulado de alguma maneira. (Bem, nem sempre. Todo tipo de experimento cruel era realizado com prisioneiros e pessoas pobres, sobretudo por motivações raciais.)
Este livro argumenta de dez maneiras diferentes que o que se tornou subitamente normal —a vigilância generalizada e a manipulação constante, sutil — é antiético, cruel, perigoso e desumano. Perigoso? Com certeza. Afinal, como é possível saber quem usará esse poder, e para quê?
O CIENTISTA LOUCO ACABA SE PREOCUPANDO COM O CACHORRO NA GAIOLA
Você já deve ter ouvido as confissões pesarosas dos fundadores de impérios de redes sociais, que prefiro chamar de "impérios de modificação de comportamento".
Com vocês Sean Parker, primeiro presidente do Facebook:
Precisamos lhe dar uma pequena dose de dopamina de vez em quando, porque alguém deu like ou comentou em uma foto ou uma postagem, ou seja lá o que for (…) Isso é um circuito de feedback de validação social (…) exatamente o tipo de coisa que um hacker como eu inventaria, porque explora uma vulnerabilidade na psicologia humana (…) Os inventores, criadores — eu, Mark [Zuckerberg], Kevin Systrom no Instagram, todas essas pessoas —, tinham consciência disso. E fizemos isso mesmo assim (…) isso muda a relação de vocês com a sociedade, uns com os outros (…) Isso provavelmente interfere de maneiras estranhas na produtividade. Só Deus sabe o que as redes sociais estão fazendo com o cérebro de nossos filhos.
Com vocês Chamath Palihapitiya, ex-vice-presidente de crescimento de usuários do Facebook:
Criamos ciclos de feedback de curto prazo impulsionados pela dopamina que estão destruindo o funcionamento da sociedade (…) Nenhum discurso civil, nenhuma cooperação; apenas desinformação, inverdades. E não é só um problema americano — não se trata de anúncios russos. É um problema global (…) Sinto uma culpa tremenda. Acho que, no fundo, todos nós sabíamos — embora tenhamos fingido que provavelmente não seríamos surpreendidos por nenhuma consequência ruim. Acho que, bem, bem lá no fundo, nós meio que sabíamos que algo ruim poderia acontecer (…) Então neste exato momento nos encontramos em uma situação realmente ruim, na minha opinião. Isso está erodindo o alicerce de como as pessoas se comportam umas com as outras. E não tenho nenhuma solução boa. Minha solução é: não uso mais essas ferramentas. Não uso há anos.
Antes tarde do que nunca. Muitos críticos como eu há algum tempo advertem de que coisas ruins estavam acontecendo, mas ouvir isso de pessoas que viabilizaram essa realidade é um progresso, um passo à frente.
Durante anos, tive que suportar críticas um tanto dolorosas de amigos do Vale do Silício porque eu era considerado um traidor por censurar o que vínhamos fazendo. Ultimamente, tenho o problema oposto. Argumento que as pessoas do Vale do Silício são em sua maioria decentes, e peço que não sejamos vilanizados, mas recebo uma torrente de críticas por causa disso. É difícil saber se peguei pesado demais ou leve demais com a minha comunidade.
A questão mais importante agora é se a crítica de qualquer pessoa fará diferença. É inegável que uma tecnologia ruim está nos fazendo mal, mas será que nós — será que você, você mesmo — seremos capazes de resistir e ajudar a direcionar o mundo para um lugar melhor?
Empresas como Facebook, Google e Twitter estão finalmente tentando consertar alguns dos enormes problemas que criaram, ainda que aos pedaços. Mas será que o fazem porque estão sendo pressionadas ou porque sentem que é o certo? Provavelmente um pouco dos dois.
As empresas estão mudando políticas, contratando humanos para monitorar o que está rolando e cientistas de dados para produzir algoritmos que evitem falhas piores. O antigo mantra do Facebook era "seja rápido e quebre as coisas", mas agora eles estão pensando em mantras melhores e colando alguns cacos de um mundo estilhaçado.
Neste livro, argumentamos que as empresas sozinhas não têm condições de colar todos esses cacos de volta. Como as pessoas do Vale do Silício têm se mostrado arrependidas, você talvez imagine que agora é só esperar que elas consertem o problema. Mas não é assim que as coisas funcionam. Se você não fizer parte da solução, não haverá solução.
O primeiro argumento apresentará alguns conceitos cruciais por trás da criação de serviços da rede viciantes e manipuladores. Ter consciência é o primeiro passo para a liberdade.
PRÊMIO E CASTIGO
Parker diz que o Facebook teve a intenção de deixar as pessoas viciadas, enquanto Palihapitiya declara alguma coisa a respeito dos efeitos negativos sobre as relações e a sociedade. Qual é a conexão entre o mea-culpa de cada um?
O principal processo que leva as redes sociais a ganharem dinheiro, embora também cause danos à sociedade, é a modificação de comportamento. Essa prática exige técnicas metódicas que mudam o padrão comportamental de animais e pessoas. Pode ser usada para tratar vícios, mas também para criá-los.
Os danos à sociedade ocorrem porque o vício enlouquece as pessoas. O viciado vai perdendo gradualmente o contato com o mundo e as pessoas reais. Quando muitos estão viciados em esquemas manipuladores, o mundo fica obscuro e louco.
O vício é um processo neurológico que não entendemos completamente. A dopamina é um neurotransmissor que age no prazer e é considerado crucial para mudanças comportamentais em resposta à obtenção de recompensas. É por isso que Parker menciona essa substância.
A modificação de comportamento, em especial a implementada por aparelhos como smartphones na modernidade, é um efeito estatístico, o que significa que é real, mas não completamente confiável; sobre uma população, o efeito é mais ou menos previsível, mas para cada indivíduo é impossível dizer. Até certo ponto, você é um animal na gaiola experimental do behaviorista. Mas o fato de algo ser indistinto ou aproximado não o torna irreal.
Originalmente, os alimentos eram a recompensa mais comum usada em experimentos behavioristas, embora a prática remonte a tempos antigos. Todo adestrador os utiliza, dando um petisco a um cachorro depois que o animal faz um truque. Muitos pais de crianças pequenas também fazem isso.
Um dos primeiros behavioristas, Ivan Pavlov, ficou conhecido por demonstrar que o alimento real era desnecessário. Ele tocava uma campainha quando um cachorro era alimentado, e depois de um tempo o cachorro salivava só de ouvir a campainha.
O uso de símbolos em vez de recompensas reais se tornou um truque essencial na caixa de ferramentas da mudança comportamental. Por exemplo, um jogo de smartphone como o Candy Crush usa imagens brilhantes de balas — em vez de guloseimas de verdade — para se tornar viciante. Outros videogames podem usar imagens de moedas ou outros tesouros.
O prazer viciante e os padrões de recompensa no cérebro — a "pequena dose de dopamina" mencionada por Sean Parker — integram a base do vício em redes sociais, mas não é só isso, porque a rede social também usa a punição e o reforço negativo.
Vários tipos de punição têm sido usados em laboratórios behavioristas; os choques elétricos, por exemplo, foram populares durante algum tempo. Mas, assim como as recompensas, não é necessário que as punições sejam reais ou físicas. Às vezes os experimentos negam à cobaia pontos ou símbolos.
Você está recebendo o equivalente a petiscos e choques elétricos quando usa as redes sociais.
A maioria dos usuários já se envolveu com perfis falsos na internet, sofreu rejeições sem sentido, foi menosprezado ou ignorado, experimentou sadismo total ou vivenciou todas as situações anteriores, ou algo pior. Assim como recompensas e punições trabalham juntas, o feedback desagradável, tanto quanto o agradável, pode desempenhar um papel no vício e na mudança comportamental sem que possamos perceber.
O FASCÍNIO DO MISTÉRIO
Ao usar a expressão "de vez em quando", Parker provavelmente se refere a um fenômeno curioso que os behavioristas descobriram quando estudavam animais e pessoas. 0 individuo que recebe uma recompensa (uma demonstração positiva de estima social ou uma bala, por exemplo) sempre que faz algo tende a repetir o ato. Quando recebem uma resposta lisonjeira a alguma publicação nas redes sociais, as pessoas adquirem o habito de postar mais.
Isso parece inocente, mas pode ser o primeiro estágio de um vício que se torna um problema tanto para os indivíduos quanto para a sociedade. Embora as pessoas do Vale do Silício tenham um nome higienizado para essa fase, "engajamento", nós a tememos a ponto de manter nossos filhos longe dela. Muitas crianças do Vale do Silício frequentam escolas que adotam a pedagogia Waldorf e em geral proíbem aparelhos eletrônicos.
Voltando ao fenômeno surpreendente: não é que os feedbacks positivo e negativo funcionem, mas uma resposta de certo modo aleatória ou imprevisível pode ser mais atrativa do que uma resposta perfeita.
Se você recebe uma bala sempre que diz "por favor" quando criança, é provável que comece a dizer "por favor" com mais frequência. Mas vamos supor que de vez em quando a bala não venha. Você talvez imagine que passaria a dizer "por favor" com menos frequência. Afinal, as palavrinhas mágicas não estão gerando a recompensa de maneira tão confiável quanto antes. No entanto, o que acontece às vezes é justamente o oposto. É como se seu cérebro, um descobridor de padrões nato, não conseguisse resistir ao desafio e murmurasse: "Deve haver algum outro truque nisso aqui." Você continua, na esperança de que um padrão mais profundo se revele, embora não haja nada além de uma aleatoriedade sem fim.
Para um cientista, é saudável ficar fascinado por um padrão que não faz muito sentido, pois talvez signifique alguma coisa mais profunda a ser descoberta. É também uma ótima ferramenta para explorar se você estiver escrevendo um roteiro. Afinal, uma pequena incongruência confere mais fascínio a uma trama ou um personagem. Mas em muitas situações é um péssimo motivo para a fascinação. A sedução do feedback falho é provavelmente o que leva muita gente a relações humilhantes de "codependência" e maus-tratos.
É muito fácil gerar um toque de aleatoriedade nas redes sociais: como os algoritmos não são perfeitos, a aleatoriedade é intrínseca. Mas, para além disso, os feeds em geral são calculados para incluir de propósito um grau a mais dela. A motivação originalmente vem da matemática básica, não da psicologia humana.
Os algoritmos das redes sociais costumam ser "adaptáveis": fazem pequenas e constantes mudanças em si mesmos para tentar obter melhores resultados; em outras palavras, resultados com mais engajamento e, portanto, mais lucrativos. Esse tipo de algoritmo tem sempre uma pitada de aleatoriedade.
Vamos supor que um algoritmo esteja lhe mostrando uma oportunidade de comprar alguma coisa cinco segundos depois de você ter visto um vídeo de gato muito divertido. De vez em quando, um algoritmo adaptável fará um teste automático para descobrir o que acontece se o intervalo for mudado para quatro segundos e meio, por exemplo. Será que isso aumentou a probabilidade de você comprar? Se aumentou, esse ajuste no tempo pode ser aplicado no futuro não apenas ao seu feed, mas aos de milhares de outras pessoas que parecem estar correlacionadas a você por alguma característica, de preferências de cor a padrões de direção.
Os algoritmos adaptáveis podem emperrar de vez em quando; se um algoritmo não receber qualquer beneficio por pequenos ajustes em sua configuração, então outras mudanças sutis não serão incorporadas. Se a troca para quatro segundos e meio torna menos provável que você efetive uma compra, mas o intervalo de cinco segundos e meio também gera esse resultado, então o tempo permanecerá o mesmo, cinco segundos. Com base nas evidências disponíveis, cinco segundos seriam o melhor tempo de espera possível. Se nenhuma pequena mudança aleatória contribuir, o algoritmo para de se adaptar. Mas não é isso que se espera de algoritmos adaptativos.
Imagine que fazer uma mudança ainda maior pudesse melhorar o resultado. Talvez uma opção mais válida fosse o tempo de dois segundos e meio, por exemplo. Mas os pequenos ajustes não revelariam isso, porque o algoritmo ficou emperrado na configuração de cinco segundos. É por isso que os algoritmos adaptáveis também incluem com frequência uma dose mais esparsa de maior aleatoriedade. Às vezes um algoritmo encontra uma configuração melhor quando vai muito além de configurações meramente razoáveis.
Os sistemas adaptativos muitas vezes contam com um mecanismo de salto desse tipo. Um exemplo é a ocorrência de mutações úteis na evolução natural, geralmente impulsionadas por eventos mais incrementais baseados em seleção, nos quais os genes de um indivíduo são ou não transmitidos. Uma mutação é uma carta coringa que acrescenta novas possibilidades, um salto repentino. De vez em quando, uma mutação acrescenta uma característica estranha e nova que aprimora uma espécie.
Naturalmente, neurocientistas se perguntam se um processo semelhante está acontecendo dentro do cérebro humano. Nosso cérebro com certeza inclui processos adaptativos e pode ser moldado para buscar surpresas, porque a natureza detesta cair na rotina.
Quando um algoritmo proporciona experiências a alguém, a aleatoriedade que facilita a adaptação algorítmica pode alimentar também o vício humano. O algoritmo tenta capturar os parâmetros perfeitos para manipular um cérebro, que, por sua vez, muda em resposta aos experimentos do algoritmo para buscar significados mais profundos; é um jogo de gato e rato baseado em pura matemática. Como os estímulos do algoritmo não significam nada e são verdadeiramente aleatórios, o cérebro não está se adaptando a nada real, mas a uma ficção. Esse processo — de ser fisgado por uma miragem imprecisa — é o vício. Enquanto o algoritmo tenta escapar de uma rotina, a mente humana fica presa em outra.
Os precursores da exploração on-line dessa interseção entre matemática e cérebro humano não foram as empresas de redes sociais, mas os criadores das máquinas de jogos de azar digitais, como o videopôquer, e dos sites de jogos de aposta on-line. De vez em quando, pioneiros do mundo dos jogos de azar reclamam de como as empresas de redes sociais roubaram suas ideias e ganharam mais dinheiro, mas eles falam principalmente sobre como a rede social os ajuda a identificar pessoas fáceis de enganar.
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